Cristina Kirchner | Foto: Reprodução

A vice-presidente Cristina Kirchner repudiou o plano de dolarização proposto pelo candidato fascista Javier Milei, apontando que a crise da Argentina “não pode ser resolvida colocando a cara de George Washington”. Ela denunciou ainda que o FMI “impõe juros acima da desvalorização e desvalorização acima da inflação”.

A afirmação foi feita em um ato organizado pela Escola Justicialista Nestor Kirchner, com a presença de estudantes e de movimentos peronistas, na primeira aparição pública de Cristina desde as primárias.

Ela se concentrou em duas questões, os problemas estruturais da Argentina e a reciclagem por alguns candidatos de velhas receitas econômicas que, no passado, levaram o país a crises e que hoje eles apresentam como novas, como registrou o jornal Página 12.

No ato, foi lançada a reedição do livro “Depois do colapso”, que trata das conversas em 2003 entre o então presidente Néstor Kirchner e o filantropo Torcuato Di Tella.

“Os aumentos que vocês sofreram nas prateleiras têm a ver com a desvalorização permanente do peso porque o problema da inflação na Argentina se deve à escassez de dólares”, assinalou Cristina.

“Temos uma economia bimonetária, um elevado nível de dívida em dólares e o FMI impondo planos inconsistentes, ou na melhor das hipóteses inconsistentes para o bem-estar da Argentina, mas talvez muito consistentes para amanhã todos os recursos naturais serem tomados por feijões e paus”.

Ela agradeceu a Massa – candidato peronista e atual ministro da Economia – “por ter dito à sociedade a verdade sobre o FMI, uma grande decisão. Quando falei com o presidente, disse-lhe que tínhamos que dizer a verdade ao povo argentino: eles forçam a desvalorização. O FMI impõe juros acima da desvalorização e desvalorização acima da inflação.”

Quanto ao ex-presidente Macri, que submeteu o país ao FMI e cuja candidata é Patrícia Bullrich, Cristina disse que ele “conta uma mentira diferente a cada dia”. Que vieram recursos, mas não todos, se endividaram a taxas e em prazos muito curtos. “Quando o país tem uma dívida dessa magnitude e o FMI também vem com seus planos de políticas inflacionárias, que são inflacionárias porque instalam desvalorização, é muito difícil”.

Cristina enfatizou que “nós, argentinos, devemos a nós mesmos uma discussão e um debate. Sei que estamos em termos eleitorais, mas quero que cada argentino saiba quais são os números, qual é o verdadeiro problema, porque se não identificarmos o verdadeiro problema, nós dificilmente conseguiremos resolvê-lo.”

“Enganam-se se pensarmos que as pessoas foram para a direita ou para a esquerda. Querer viver bem e com dignidade não é de direita, é argentino”, sublinhou.

“Algumas decisões não são compreendidas, mas temos que olhar para elas em perspectiva. Estamos contando às pessoas o problema que temos e que precisamos que cada argentino esteja ciente desta situação para que possam decidir livremente. Se você se enganar, você será mais escravo do que nunca.”

Sobre a farsa das “ideias libertarias” de Milei e seu “Plano Motosserra” de dolarização e desmonte do Estado, ela advertiu que “ninguém é livre se lhe vendem gato por lebre”, acrescentando ser impossível “ir com a motosserra”. A motosserra foi transformada por Milei no símbolo de sua campanha.

“Tudo é muito inconsistente. 3 pontos do PIB vão para pagar a dívida, cuja maior parte é em dólares e ninguém fala sobre isso”.

Em relação a outra “meta” de Milei – acabar com 15 ministérios – Cristina pediu um quadro negro, onde foram somados itens como previdência, auxílio-família, gastos do Poder Judiciário e do Poder Legislativo e isenções fiscais, para demonstrar que, mesmo removendo todos eles, a eliminação de 15 pontos do PIB que Milei promete não seria alcançada. É impossível usar a motosserra porque os números não batem, disse ela ironicamente.

A empulhação de Milei de que é “o candidato contra a casta dos políticos”, Cristina contrapôs a denúncia da “casta dos economistas”, vários deles da ‘era Cavallo’, que se gabam de serem os pais do ‘novo’ plano de dolarização.

Ela lembrou como se chegou ao endividamento argentino. “Toda a dívida que os grupos econômicos tinham foi estatizada”, ressaltou. “Cavallo [o guru do menemismo] estatizou a dívida em pesos. Há dias, li um artigo que dizia que a dívida em dólares a fez Carlos Melconian, não sabia”. Zezé. Rússia.

Como muitos devem lembrar, os tempos da dolarização e das relações carnais com os EUA terminaram com a crise que fez o então presidente De La Rúa fugir de helicóptero da Casa Rosada em 20 de dezembro de 2001.

“Quero lembrar que fui um dos promotores de que não houvesse PASO, que se construísse uma lista de unidade. Todos disseram ‘chega de dedo, chega de dedo’ em que o presidente estava de um lado e a vice-presidente do outro, com o embaixador brasileiro concorrendo com o ministro do Interior pela candidatura à presidência, e todos com mais de 100 pontos de inflação. Quanto teria conseguido Libertad Avanza?”, questionou.

“Há dois meses estou lendo editoriais sobre os quais não falo, sobre se apoio o Sérgio, sobre o resultado das eleições”, ela disse em tom irônico, e concluiu: “Enfim, em maio eu disse que ia ser uma eleição atípica, de terços e que o importante ia ser o piso e não o teto. E bem, aconteceu”.

“Estaremos errados se acreditarmos que as pessoas se viraram para a direita porque queriam viver bem. Querer viver bem não e de direita, e argentino. Querer ter um bom emprego e um bom salário, ter a possibilidade de acesso à casa própria, comprar um carro ou estudar, isso não e de direita, nem de esquerda, eu diria que é peronista.”

“Também temos que discutir algumas coisas. Porque não é verdade que as pessoas foram para a direita. Hoje não dá nem para alugar. As pessoas querem que os filhos que frequentam a escola pública tenham aula”, reconheceu, falando diretamente a algumas das principais críticas ao governo que a equipe de campanha da Unidade pela Pátria vem registrando. Referiu-se, às greves dos professores: “Sei que é um tema crítico e de discussão. Mas temos que discutir isso sem nos irritarmos, porque senão esses caras virão discutir tudo conosco: os vales, as universidades pagas”, alertou.

Na saída, Cristina também debateu com a militância que se aglomerava diante de um telão e que a recebeu calorosamente. Ela reiterou que “mais do que slogans, devemos conversar com as pessoas e explicar qual é o verdadeiro problema, quais são os perigos e desafios para a Argentina em um momento muito complexo e difícil”.

 “Eu entendo porque havia tanta esperança e expectativa, e não pôde ser cumprida, e quero pedir desculpas se não conseguimos cumprir, mas, acredite, tentei muitas vezes. Agora temos que seguir em frente porque precisamos que a sociedade argentina saiba qual é o problema que nossa economia tem”.

Ela convocou a militância a ser “soldados fortes. Para explicar, conversar e não se irritar com ninguém. Não se deve criticar o voto de ninguém. Mais cedo ou mais tarde a verdade sempre aparece”.

“Quem pensa que vai me quebrar não me conhece. Morta ou presa, não me importa, nunca vou calar a boca”, completou Cristina.

Segundo as pesquisas, o primeiro turno tende à polarização entre Milei e Massa, com respectivamente 31,1 a 28,1%. Nas primárias partidárias, para indicação dos candidatos, o mais votado foi Milei, com 31%. O primeiro turno será no dia 22 de outubro e, caso não haja um vencedor, vai a segundo turno em 19 de novembro.

Fonte: Papiro