Ciência previu catástrofe no RS, mas governador não agiu para mitigar dano humanitário
O Brasil e todo o mundo enfrentam uma crescente crise ambiental, com eventos climáticos extremos se tornando cada vez mais frequentes e devastadores, como a morte de 50 pessoas no Rio Grande do Sul após a passagem de um ciclone extratropical. Para entender as causas e perspectivas por trás desses fenômenos, o Portal Vermelho consultou o especialista em ciências ambientais, Eron Bezerra. O professor da UFAM (Universidade Federal do Amazonas) alerta para a urgência de encarar as mudanças climáticas como uma realidade incontestável. Ele discutiu as implicações políticas e científicas desses fenômenos.
Diante da crescente frequência e intensidade destas catástrofes, fica claro que a ciência está fornecendo as ferramentas necessárias para prever e se preparar para essas crises. No entanto, a responsabilidade recai sobre os ombros dos governos e da sociedade como um todo para implementar medidas que reduzam os impactos das mudanças climáticas e protejam aqueles que são mais vulneráveis a esses eventos. É um desafio global que exige ação imediata e coordenada.
Eron chamou a atenção para eventos recentes que abalaram nações e comunidades inteiras, destacando o Paquistão, que enfrentou inundações devastadoras, e a Líbia, onde uma tragédia semelhante ocorreu este mês. Além disso, Bezerra apontou para o Rio Grande do Sul, no Brasil, onde eventos climáticos de grande intensidade estão se tornando mais frequentes. Enquanto instituições meteorológicas e climáticas federais previam e enviavam os alertas ao estado para o que poderia ocorrer, mais uma vez, como ocorreu no literal norte paulista, o governo estadual e as prefeituras ignoraram.
“Hoje, cada vez mais, os sistemas de meteorologia prevêem com maior exatidão isso. Tanto que todo mundo sabia que esse fenômeno no Rio Grande do Sul iria acontecer. Foi avisado com antecedência. Por que o governo do Rio Grande do Sul não providenciou a retirada da população dali?”, indagou o cientista.
Redução de danos
Ele ressaltou que esses eventos não podem ser ignorados e estão diretamente relacionados às mudanças climáticas. Do ponto de vista político, Heron é enfático em dizer que o negacionismo científico em torno do aquecimento global não está mais em debate. “Não tem mais como. Esse debate não existe mais. Qualquer pessoa racional e munida de informação científica não pode se dar ao talante de desconhecer que nós estamos vivendo uma situação de extremos e que isso é o que nos preocupa na climatologia.”
Eron enfatizou que a previsão dos fenômenos climáticos está se tornando mais precisa, graças aos avanços na meteorologia e climatologia. No entanto, ele observou que a previsão não impede os fenômenos naturais, mas oferece a oportunidade de tomar medidas preventivas e de mitigação.
“A meteorologia e a climatologia preveem, elas não impedem que o fenômeno aconteça, porque é da natureza. Agora, foi avisado com antecedência que aquilo ia acontecer,” diz ele, referindo-se aos ventos e chuvas que devastaram amplas regiões do Rio Grande do Sul.
Ele ressaltou a responsabilidade dos governos na redução dos impactos ambientais e na implementação de medidas de proteção civil. Eron destacou que, embora os fenômenos naturais não possam ser evitados, os danos podem ser minimizados através de planejamento e ações adequadas. Segundo ele, os cientistas já sabem qual a capacidade dos rios de conterem as chuvas e quando vão transbordar caso elas ultrapassem determinado volume.
Quando questionado sobre o Rio Grande do Sul, onde as inundações e ventos intensos têm se tornado mais frequentes, Eron destacou a importância de investir em infraestrutura resiliente e planejamento urbano adequado.
“Portanto, é preciso começar a discutir habitações mais apropriadas pra morar, drenar os rios, se for o caso”, recomendou, citando como exemplo o modo como os amazonenses lidam com as inundações cíclicas de rios com sua arquitetura de palafitas típica da Amazônia.
“Se você sabe quanto de água cabe naquela calha de riacho e quanto de precipitação vai ter, você consegue imaginar formas de se preparar. Drenar o rio, alargar, colocar barcaças pra suportar a população em cima, evacuar áreas de risco. Ou seja, tem medidas paliativas e mitigadoras, mas eu repito, isso depende de governos que tenham compromisso com o povo”, explicou.
“No Rio Grande do Sul, além de morrer uma quantidade expressiva de irmãos brasileiros, você tem um volume de propriedades perdidas que não é pouco para pessoas que não tem lá muita coisa. Não é castigo divino, é um fenômeno natural, mas tem a interferência antrópica para agravá-lo e, portanto, nós somos responsáveis por tentar corrigir os problemas que nós mesmos criamos”, completa.
Ele deixou claro que a crise climática atual não é apenas um fenômeno natural, mas também é agravada pela interferência humana. A supressão de florestas, a emissão de gases de efeito estufa e a falta de ação dos governos desempenham um papel crucial nesse cenário.
Ele observa comparativamente que eventos similares na Europa e Japão, por exemplo, causam poucos danos humanos pelo modo como os governos se comportam. Enquanto isso, países asiáticos como o Paquistão e africanos como a Líbia perdem milhares de vidas em inundações que poderiam ser evitadas com sistemas de evacuação e apoio dos governos.
Eron encerrou enfatizando que a ação é necessária agora, pois as mudanças climáticas não são apenas uma ameaça futura, mas uma realidade que já afeta comunidades em todo o mundo. Ele enfatizou que os governos desempenham um papel fundamental na proteção de suas populações contra esses eventos climáticos extremos.
A história da ciência climática
Durante a conversa, o professor amazonense fez um importante relato histórico sobre a evolução do conhecimento sobre o clima e explicou as complexidades por trás dos eventos climáticos extremos.
Eron fez uma breve retrospectiva sobre a história do estudo do clima. Ele destacou que preocupações com o clima datam de mais de 2.400 anos, citando figuras como Hipócrates e Aristóteles, que contribuíram com as primeiras obras sobre o assunto. No entanto, a falta de ciência e o obscurantismo durante a Idade Média atrasou significativamente o desenvolvimento nessa área, com os primeiros instrumentos de medição meteorológica surgindo apenas no século XVII.
“Primeiro, é importante para nós compreendermos que, apesar de há mais de 2.400 anos já existirem pessoas preocupadas com o clima cientificamente, o obscurantismo que tomou conta na época da chamada Idade Média impediu um desenvolvimento mais profundo disso,” explicou Bezerra.
Ele mencionou que somente em 1832 foi possível reunir dados meteorológicos significativos com o uso do telégrafo. A entrevista destacou a importância de entender esse histórico para compreender melhor os desafios climáticos atuais.
A situação atual e seus agravantes
Eron então explicou a situação climática atual e os fatores que agravam os problemas. Ele descreveu a Zona de Convergência Intertropical, uma área na região tropical que gera uma grande massa de ar quente e úmido, que se move para o norte e para o sul, dando origem aos chamados “rios voadores”. Essa interação entre massas de ar quente e frio leva a tempestades tropicais, ventanias, ciclones e até furacões, dependendo da diferença de pressão entre elas.
Ele explicou como o fenômeno El Niño e a supressão de florestas estão agravando essa situação. O El Niño cria uma massa de ar quente de baixa pressão no Atlântico Sul, intensificando os problemas. Além disso, a supressão de florestas aumenta a radiação que atinge a Terra, levando a mais evaporação e uma massa de ar quente e úmido ainda maior, resultando em baixa pressão.
“O determinante é exatamente a intensa radiação que nós estamos recebendo, a aproximação da Terra do Sol em 5 milhões de quilômetros, e certamente o encontro dessas camadas, que é um fenômeno natural da física,” disse.
Apesar dos desastres que podem ocorrer neste interim, o professor afirmou que a boa notícia é que o movimento de translação da terra sai do periélio no fim de dezembro. Este ponto da órbita é quando a Terra está cinco milhões de quilômetros mais perto do Sol, quando entra no afélio, quando o planeta se afasta um pouco da bola de fogo.
(por Cezar Xavier)