Brasil tem “oportunidade” para reformas no Conselho de Segurança da ONU
O Brasil está vivendo um momento bom no cenário internacional, com “uma série de coincidências benéficas”. Desde o destaque obtido na cúpula sul-africana dos BRICS, a posse neste mês na Presidência do G20 e também ao assumir a Presidência rotativa do Conselho de Segurança da ONU (CSNU), a analista internacional Flávia Loss, professora da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESPSP), ressalta o destaque que o país ganha entre os diversos organismos multilaterais.
Em entrevista, ela diz que, mesmo sendo membro não-permanente, ela considera interessante e uma oportunidade única o destaque que o país ganha no debate sobre a segurança global em meio à guerra na Ucrânia, golpes na África e outros conflitos.
O Brasil assume, durante o mês de outubro, a presidência do CSNU, pela 12ª vez desde a sua criação após a Segunda Guerra Mundial. Este evento ocorre em um cenário geopolítico particularmente tumultuado, oferecendo ao Brasil uma oportunidade de destacar a necessidade de reformas na governança global e reconhecimento para as nações emergentes.
A análise de Flávia Loss destaca a importância do Brasil na presidência do Conselho e a necessidade urgente de reformas no órgão para torná-lo mais representativo e eficaz em um mundo em constante evolução. Ela enfatizou que o Brasil não deve apenas reivindicar mudanças, mas também apresentar propostas concretas e colaborar com outros países para alcançar uma reforma profunda e significativa no CSNU.
Desde 1919
O Brasil faz parte do grupo chamado G4, junto com a Alemanha, Índia e o Japão, os países mais antigos postulantes a um assento permanente no Conselho. Portanto, há décadas que esses países têm tentado mudar essa configuração, e se tornar parte do P5, os membros permanentes do Conselho.
A política externa brasileira postula um assento permanente desde a Liga das Nações, em 1919, que era a precursora da ONU, autodissolvida em 1946. “Essa é uma oportunidade para que o Brasil retome esse assunto, faça ali a sua defesa dessa mudança dentro do Conselho, que na verdade é uma atualização, para que ele esteja mais alinhado ao novo cenário do século XXI, incluindo novas potências e atores, assim como mais formas de pensar o multilateralismo”, avaliou Flávia.
A reivindicação do G4 é ter o mesmo status dos antigos membros, portanto também ter poder de veto dentro do CSNU. “A gente nunca teve sucesso nisso, só que agora como temos mais países, além do G4, há uma demanda de vários países do continente africano, da Ásia, engrossando o coro para uma mudança na ONU”, afirmou.
Crise de legitimidade
“De fato, a ONU está numa encruzilhada difícil. Do final da Guerra Fria para cá, só piora essa crise de legitimidade do Conselho”. Flávia lembra que, desde 1992, existe um grupo de trabalho instituído dentro da ONU para discutir uma reforma no Conselho de Segurança. No entanto, as reformas continuam emperradas devido à crescente rivalidade entre os Estados Unidos, China e Rússia, três dos cinco membros permanentes do CSNU. “Passaram-se mais de 40 anos, a gente não tem nenhum texto base para uma proposta”.
Desde a Guerra Fria, a organização tem sido abalada por eventos como a invasão do Iraque pelos Estados Unidos em 2003 e a crise na Ucrânia envolvendo a Rússia. Nesses eventos, em que as potências foram em frente, mesmo sem uma resolução favorável do Conselho, questionaram sua capacidade de resolver conflitos e manter a paz global.
Nesse contexto, é fundamental que o Brasil não apenas reivindique uma reforma no Conselho de Segurança, mas também proponha soluções concretas e participe da construção de uma nova configuração para o órgão.
“É um momento importante para retomar essas discussões e, paralelamente a isso, é importante que o Brasil siga a sua tradição da política externa e, além de reivindicar mudanças, também faça propostas e defenda o multilateralismo”, diz a cientista política.
Evitar o inferno
Na opinião dela, o Brasil deve estabelecer critérios claros para a expansão do Conselho e elaborar uma proposta robusta em colaboração com outros países que compartilham essa visão. A mera expansão do Conselho sem uma revisão profunda de suas regras, incluindo a questão do veto, pode não resolver os problemas subjacentes.
“O Brasil deve e eu acredito que irá agarrar essa oportunidade, porque as regras precisam ser mudadas, questionar essa questão do veto, porque uma mera expansão do Conselho com países, pode só criar mais uma série de impasses”, pondera.
Após a recente expansão do grupo de nações emergentes BRICS, que agora conta com 11 membros, o presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva expressou sua intenção de discutir a reforma do CSNU com o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, durante a Assembleia Geral da ONU. Lula enfatizou a longa busca do Brasil por uma participação permanente no CSNU e instou Biden a apoiar essa causa. Na conjuntura atual seria útil aos EUA incluir Índia e Japão no Conselho para confrontar a China.
É crucial, para ela, lembrar que a ONU desempenha um papel fundamental na manutenção da paz e na promoção do multilateralismo, mesmo com suas imperfeições. Flávia lembrou a frase de Dag Hammarskjöld (1953-1961), o segundo secretário-geral da organização: “A ONU não foi criada para levar a humanidade ao paraíso, mas sim para salvar a humanidade do inferno”.
“Em resumo, o Brasil tem uma oportunidade única de liderar a discussão sobre reformas no Conselho de Segurança da ONU e deve aproveitar esse momento para propor soluções concretas e contribuir para moldar o futuro da governança global”, conclui Flávia.
A presidência do Brasil no CSNU é seguida pela presidência da China em novembro, o que torna o debate sobre reformas ainda mais relevante em um mundo em rápida mudança.
(por Cezar Xavier)