Torres contradiz alertas de inteligência sobre risco de golpe no 8 de janeiro
Embora tenha recebido muitos alertas de inteligência apontando para atentados terroristas e vandalismo, ex-secretário de segurança do DF viajou de férias aos EUA.
Ex-secretário de Segurança Pública do Distrito Federal e ex-ministro da Justiça no governo do ex-presidente Jair Bolsonaro, Anderson Torres. Foto: Geraldo Magela/Agência Senado
Preso por quatro meses, o ex-ministro da Justiça e ex-secretário de Segurança Pública do Distrito Federal, Anderson Torres, deu seu depoimento à Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que investiga a tentativa de golpe no 8 de janeiro. Ele estava de tornozeleira eletrônica, após uma decisão de liberdade provisória em 11 de maio.
O depoimento foi feito num esforço para expressar colaboração com os parlamentares e demonstrar sua inocência nos fatos investigados. Mas soou contraditório e inconsistente. A CPI já aprovou a quebra dos sigilos dele e também recebeu documentos que comprovam que ele está mentindo sobre ter viajado para os EUA, sem saber o que aconteceria no domingo.
Torres tinha permissão de permanecer calado após decisão do ministro Alexandre de Moraes, do STF, ontem, mas não exerceu esse direito. Ele é acusado de associar-se, por meio de ações e omissão, ao ato golpista ocorrido naquele domingo de janeiro na Praça dos Três Poderes. Embora tudo aponte para ele, o ex-chefe da segurança do Distrito Federal, disse que viajou de férias na véspera dos eventos, seguro de que estava tudo nos devidos conformes.
Como já havia feito um depoimento na Polícia Federal e ao Tribunal superior Eleitoral (TSE), defendendo os mesmos argumentos, documentos e contraditórios já o haviam desmentido. Portanto, o depoimento de hoje na CPI, até o momento, não traz nada que corrobore suas alegações.
Ainda ministro, ele testemunhou uma tentativa de invasão à Polícia Federal em 12 de dezembro e um atentado a bomba em 24 de dezembro e, mesmo assim, viajou de férias no fim de semana dos crimes. Ele afirma não ter recebido qualquer sinal de que haveria tentativa de ruptura institucional ou eventos de terrorismo de 8 de janeiro.
Precedentes de golpismo
No dia 12 de dezembro, o Brasil ficou chocado com uma noite de tumulto e violência nunca vista no Plano Piloto, em Brasília. Mais uma vez, Torres alega não ter se omitido nos eventos, apesar da falta de policiamento observado e do prolongamento do vandalismo, que culminou numa tentativa de invasão à sede da Polícia Federal.
Ele atribui à Secretaria de Segurança Pública de Brasília a responsabilidade sobre a repressão, mas diz que foi informado de que as medidas de reforço de segurança já haviam sido tomadas.
O fato de haver acampamentos armados em frente a quartéis, após a eleição, é tratada com naturalidade pelo ex-ministro. Para ele, a suposta expulsão de policiais federais dos locais também não exigia qualquer medida do governo. “Nunca houve qualquer impedimento para que fossem monitorados e investigados”, diz ele, embora os acampamentos nunca tenham sido questionados pelo governo.
Serviços de Inteligência
Mesmo após um período pós-eleitoral tão turbulento, o ex-ministro viajou para os Estados Unidos nas vésperas do ataque à Praça dos Três Poderes, alegando que não teve qualquer sinalização do que poderia ocorrer naquele domingo.
Ele também afirma ter viajado, “após aprovar o Protocolo de Ações Integradas e enviar para todos os envolvidos”, que não teria sido cumprido. Torres admite que faltou policiais no dia dos atos, “pelo que a gente viu nas imagens”. A relatora da CPI, senadora Eliziane Gama (PSD-MA) disse ver um “jogo de responsabilidade” entre as autoridades que atuavam no comando da segurança.
“O PAI, Protocolo de Ações Integradas, é tão completo, que realmente se tivesse sido cumprido à risca não teria acontecido os atos do 8 de janeiro. Viajei tranquilo por dois fatores: as imagens do acampamento daquele dia [sendo esvaziados] e o PAI que ficou assinado com as determinações para as instituições, órgãos e agências trabalharem no 8 de janeiro”.
“Quando viajei, não havia informação de Inteligência”, disse ele. Mas a Secretaria de Segurança Pública do Distrito Federal, comandada por ele no dia das invasões, recebeu informes de inteligência sobre o aumento no número de manifestantes em Brasília, além do plano de invadir o Congresso, desde o dia 5 de janeiro, um dia antes de sua viagem de férias, que só deveriam começar no dia 9. Os documentos foram enviados para a CPI.
A ausência de Torres em Brasília durante os atos foi alvo de questionamentos da deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ) e de Rogério Correia (PT-MG). “Esse documento diz exatamente o contrário do que o senhor disse aqui”, declarou Rogerio Correia.
A pasta de Torres recebeu também dois informes da Abin (Agência Brasileira de Inteligência), por meio de um grupo de aplicativo de mensagens com integrantes de pastas de inteligência e também da SSP, sobre a chegada dos manifestantes golpistas à capital.
“Permanecem convocações e incitações para deslocamento até a Esplanada dos Ministérios, ocupações de prédios públicos e ações violentas. Em votação, decidiram que a marcha só iniciará quando todas as caravanas chegarem e estão evitando divulgar um horário para o início”, diz um dos alertas da Abin, divulgado em grupo de WhatsApp com integrantes da SSP-DF.
Além do serviço de inteligência federal, a Subsecretaria de Inteligência da SSP-DF elaborou um relatório para “assessorar o planejamento integrado de segurança pública”, em 6 de janeiro, para informar sobre o planejamento dos atos e da suposta “greve geral”, que estaria marcada para o dia 9.
Vinculada à secretaria comandada por Torres, a pasta já alertava para os planos golpistas: “Entre as eventuais ações estariam invasão de órgãos públicos e bloqueio de refinarias e ou distribuidoras de combustíveis”.
Minuta do golpe
A chamada “minuta do golpe”, um documento que revela como seria os procedimentos seguintes à tomada do poder, foi encontrada muito bem guardada no quarto de Torres, numa pasta com selos oficiais do governo. Nela, apenas as digitais dele, seu advogado e um militar.
Nesse documento, havia a decretação de estado de defesa no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) a fim de mudar o resultado das eleições presidenciais de 2022, quando Lula derrotou Bolsonaro.
Apesar disso, Torres chamou a minuta do golpe de “fantasiosa” e que seria descartada em breve como lixo. Ele alega que ministros recebem “constantemente” documentos de diversas fontes, muitos deles qualificados como “absurdos”. Ele considera o texto “imprestável para qualquer fim”, “uma aberração jurídica”.
Torres negou conhecimento sobre a minuta do GLO (Garantia da Lei e da Ordem), encontrado no celular de Mauro Cid. “Não tive conhecimento. O conhecimento que tive foi pela imprensa, de que outras pessoas também receberam minutas”.
Polícia Rodoviária
O ex-ministro negou que os bloqueios nas estradas nordestinas pela Polícia Rodoviária Federal (PRF) no segundo turno das eleições de 2022 tenham tido interferência do Ministério da Justiça. Ele foi questionado sobre uma reunião com policiais federais na Bahia, às vésperas do segundo turno. Seu álibi são fotos da visita, supostamente para vistoriar uma obra da Superintendência da PF.
Sequestro no STF
Torres chamou de “maluquice” as informações da “CNN”, de maio deste ano, que atribuem a ele um áudio de que ele mantinha conversas de tramas contra a Suprema Corte. A prisão ilegal de um ministro seria um dos assuntos tratados no áudio, com a instrução de que o magistrado deveria ser “deixado em local incerto e não sabido”. “Jamais ouvi e falei esse tipo de coisa. Desconheço isso”, disse, agora.
(por Cezar Xavier)