Silvio Almeida defende ação nacional de combate às mortes de crianças
A perda de vida de crianças e jovens é uma das mais terríveis faces da violência — sobretudo a resultante de ações policiais —, que atinge principalmente a população negra e periférica. “A gente não pode achar que uma criança é assassinada e a nossa vida segue normalmente. A vida não pode seguir normalmente”, disse o ministro dos Direitos Humanos, Silvio Almeida, nesta segunda-feira (14), no Rio de Janeiro, em referência ao mais recente caso: a morte da menina Eloah da Silva Santos.
A criança, de apenas 5 anos, foi atingida enquanto brincava dentro de sua própria casa na Ilha do Governador, Zona Norte do Rio de Janeiro, na manhã de sábado (12), durante uma operação da PM. Ela é a 15ª criança morta por bala perdida no estado nos últimos dois anos, de acordo com a ONG Rio de Paz.
Segundo o Instituto Fogo Cruzado, 601 crianças e adolescentes de até 17 anos foram baleados nos últimos sete anos no Grande Rio — desse total, 286, ou 47,5%, foram atingidos em ações policiais.
Vale destacar que horas antes da morte de Eloah, ainda pela manhã deste mesmo dia e no mesmo bairro, Wendel Eduardo, de 17 anos, foi assassinado a tiros enquanto estava na garupa de uma moto, o que gerou protestos de moradores. Cinco dias antes, na segunda-feira (7), Thiago Flausino, de 13 anos, foi morto na Cidade de Deus, também quando estava na garupa de uma moto.
Defesa da vida
Embora o Rio acabe sendo um dos lugares mais fatais para as crianças e adolescentes por bala perdida e seja preciso cobrar medidas por parte do governo estadual, o problema acaba transcendendo o âmbito local.
Nesta segunda-feira (14), durante o programa Conversa com o Presidente, Luiz Inácio Lula da Silva criticou o comportamento violento de policiais e cobrou que a ação desses agentes tenha como base o uso da inteligência.
“Nós não somos contra a polícia, nós queremos policiais bem preparados, bem instruídos, com bastante inteligência. O que não pode é sair atirando a esmo, sem saber para onde atira. Essa bala perdida é um pouco isso: eu atirei em alguém e matei outra pessoa. Que brincadeira é essa?”, questionou Lula. “Que bala perdida é essa? Essa bala foi atirada para aquele lado para atingir alguém e pegou uma criança de 5 anos de idade. Onde a gente vai parar com esse tipo de comportamento de violência?”, acrescentou.
Neste sentido, conforme apontou Silvio Almeida, a orientação do presidente é de que haja soluções estruturais. Em agenda no Rio de Janeiro nesta segunda-feira, o ministro defendeu ser necessário criar uma política nacional de valorização da vida, de combate à letalidade e de proteção às crianças, e chamou atenção para o fato de que a maioria dos jovens que sofrem esse tipo de violência e são assassinados são parecidos em relação à “cor da pele e situação econômica”.
“Um dos motivos pelo qual eu vim para o Rio de Janeiro hoje é justamente para iniciar esses diálogos federativos em torno de uma solução para este problema. Isso envolve a segurança pública, a atuação constitucional e legal das polícias, pensar em formas inteligentes e organizadas de combate à criminalidade”, declarou.
Almeida acrescentou ainda ser também papel também da sociedade civil organizada, dos meios de comunicação, dos movimentos sociais, dos governos estaduais, das universidades e de todas as pessoas atuarem na construção de soluções para a situação.
Recomendações ao Estado Brasileiro
Logo após a morte de Thiago Flausino, o Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda) publicou nota em que faz referência ao Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e apela ao cumprimento de marcos legais em defesa do direito à vida. “Ao invés de desproteção, tortura e crime, propomos à sociedade brasileira, especialmente aos poderes públicos, a urgência de cumprimento da Convenção sobre os Direitos da Criança, da Constituição Federal e do ECA”, diz o texto.
Além disso, o Conanda aprovou recomendações ao Estado brasileiro para combater esse tipo de violência, entre as quais estão a criação de padrões nacionais de qualidade e fomento ao desenvolvimento institucional das ouvidorias de polícia e elaboração de uma ampla proposta para a reforma do ensino policial no Brasil; a revitalização de territórios; a retomada do estudo do IHA (Índice de Homicídio de Adolescentes) e do Observatório das Favelas em parceria com o Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância) em âmbito nacional.