Racismo no esporte será combatido com políticas de governo
O grupo propõe ações voltadas para entidades esportivas, atletas, torcidas e sistema judiciário.
Brasília (DF) 03/08/2023 – Ministras da Igualdade Racial, Anielle Franco, e do Esporte, Ana Moser, e o secretário de Acesso à Justiça do MJ, Marivaldo Pereira na apresentação do relatório do grupo de trabalho (GT) de combate ao racismo no esporte. Foto: Wilson Dias/Agência Brasil.
O governo apresentou nesta quinta-feira (3) relatório com recomendações para o combate ao racismo no esporte. Criado em junho, o grupo técnico autor do relatório é composto por integrantes dos ministérios do Esporte, da Igualdade Racial e da Justiça e Segurança Pública.
O grupo propõe ações voltadas para entidades esportivas, atletas, torcidas e sistema judiciário.
O grupo foi criado em 16 de junho deste ano e teve 45 dias para elaborar o relatório. Segundo a ministra do Esporte, Ana Moser, o trabalho do GT continuará e vai aprofundar a conversa com os setores para viabilizar as indicações feitas no documento, objetivando a promoção de igualdade e justiça social.
“É o primeiro passo dessa caminhada que precisa ser fortalecida aqui no Esporte, mas na sociedade, de uma maneira geral, sabendo que o esporte é um vetor de projeção de comportamento, de sentimentos e de práticas presentes na sociedade. Que esse trabalho continue e que renda, durante esse segundo semestre, outros lançamentos”, declarou Ana Moser.
Segundo a ministra, a intenção agora é ampliar para mais 45 dias o trabalho do GT. Ela afirmou ainda que até o final do ano muitas ações serão implementadas.
Monitoramento dos estádios
Um destaque é um acordo de cooperação técnica que será firmado com a Confederação Brasileira de Futebol (CBF) para a construção do Projeto Estádio Seguro, o qual prevê o monitoramento dos estádios brasileiros.
De acordo com o secretário de Acesso à Justiça do Ministério da Justiça e Segurança Pública, Marivaldo Pereira, a ideia é a implantação de uma ferramenta nos estádios que permita às autoridades públicas identificar quem comete atos racistas durante as partidas de futebol.
“O que se busca não é a punição, mas sim inibir a prática do ato. Esse tipo de tecnologia vem demonstrando que quando a pessoa sabe que ela pode ser identificada, que a imagem dela está ali e que o ato dela tem consequência, isso ajuda, muitas vezes, a inibir a prática do crime”, explicou.
Conforme o secretário, a ferramenta passou por um teste conceito no Maracanã, no Rio de Janeiro, e o acordo deve ser concluído ainda este mês.
Outras medidas
Ana Moser disse que outras ações sugeridas pelos técnicos deverão ser implantadas neste segundo semestre, como confecção de bandeirões em conjunto com a Associação Nacional das Torcidas Organizadas (Anatorg), criação de selo e prêmios para entidades esportivas antirracistas e levantamento de dados sobre racismo nas atividades esportivas.
“O esporte é um vetor de projeção de comportamento, sentimentos e práticas da sociedade”, afirmou.
No relatório, o grupo técnico recomenda ainda implantação de espaços de manifestação para atletas, atendimento psicológico aos desportistas negros, organização de debates e publicação de cartilhas direcionadas aos torcedores, criação da Autoridade Nacional para Prevenção e Combate à Violência e à Discriminação no Esporte ou órgão similar, além de adoção de dispositivos antirracistas no esporte amador, de lazer e escolar.
A ministra ressaltou ainda que algumas medidas já estão em andamento, como a ação de levantamento de dados sobre as práticas de racismo no esporte, ação que usa apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e do Colégio Brasileiro de Ciências do Esporte (CBCE).
Segundo Ana Moser, os trabalhos do grupo devem ser prorrogados por 45 dias.
A ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco, ressaltou que as ações no âmbito do Programa de Combate ao Racismo no Esporte irão perpassar pela realidade de crianças, jovens, atletas e técnicos que lidam diariamente com preconceito e discriminação.
“Quando a gente fala de [combate ao] racismo no esporte, a gente fala de como criar condições para as crianças que não têm acesso a se manterem nesses espaços. Não é somente a gente pensar em campanhas, seminários, monitoramento, estudo e aplicabilidade das leis. Não pode ser só isso, por isso é um programa nacional”, disse. “É uma construção de ações concretas que a gente vai viabilizar, não somente entre ministérios, mas com escutas também”.
Casos denunciados
As situações de racismo no esporte de impacto mais recentes envolvem atitudes racistas contra o atacante do Real Madrid e da seleção brasileira, Vinicius Júnior. Como uma espécie de porta-voz sobre o tema, Vini Jr virou um exemplo de luta contra os ataques sofridos em campo.
De 2021 até aqui, Vinicius Júnior já foi vítima em pelo menos 10 casos de racismo. Em jogo contra o Valência, pela LaLiga, neste ano, ele ouviu gritos ofensivos, identificou os agressores e a partida chegou a ser paralisada.
Na vitória do Brasil sobre a Tunísia, em amistoso na França, uma banana foi atirada em campo após um gol do atacante Richarlison, no ano passado.
Em 2021, um clube catarinense perdeu 3 pontos na Série B do Campeonato Brasileiro, pois sua torcida ofendeu Celsinho, jogador do Londrina durante um jogo.
Em 2019, Taison e Dentinho foram alvos de ofensas racistas quando atuavam no Shakhtar Donetsk, da Ucrânia. A torcida do Dínamo Kiev fez cânticos contra os jogadores negros e Taison reagiu e acabou sendo expulso. Quando atuava pelo Zenit, da Rússia, o atacante Hulk foi alvo de sons de macaco oriundos da torcida do Torpedo Moscou, em 2015. No jogo, ele fez gol e mandou beijos aos racistas.
2014 foi um ano sombrio para jogadores negros nos estádios. Durante um jogo da Libertadores, o volante Tinga, então no Cruzeiro, foi vítima de racismo durante uma partida contra o Real Garcilaso, no Peru. Em um jogo entre Barcelona e Villarreal, torcedores adversários jogaram bananas em direção ao lateral-direito Daniel Alves, que comeu uma das bananas. Em uma partida do Santos contra o Grêmio, em Porto Alegre, o goleiro Aranha foi insultado por gaúchos nas arquibancadas. Na Espanha, enquanto realizava o aquecimento, o lateral-esquerdo do Real Madrid Marcelo ouviu cânticos racistas da torcida do Atlético de Madrid e se recusou a entrar em campo.
Em 2011, o lateral-esquerdo Roberto Carlos, quando jogava pelo Anzhi, foi alvo de torcedores do Krylya Sovetov, que atiraram bananas em sua direção. Ele as atirou para fora, mas se irritou e deixou o gramado. No mesmo ano, após um amistoso da seleção brasileira contra a Escócia, em Londres, uma casca de banana foi atirada em direção a Neymar.
Em 2005, num jogo do São Paulo contra o Quilmes-ARG, no Morumbi, o atacante Grafite sofreu insultos racistas em campo do zagueiro Leandro Desábato. O acusado recebeu voz de prisão ainda no estádio, ficando detido na capital paulista por dois dias.
(por Cezar Xavier)