Para “melhorar educação”, Tarcísio decide expulsar piores alunos da escola
Alunos da rede estadual de ensino de São Paulo que faltarem às aulas por 15 dias consecutivos, sem justificativa, poderão ser excluídos do sistema, segundo resolução publicada pela Secretaria da Educação da gestão Tarcísio de Freitas (Republicanos) em 7 de julho. A medida gerou nova controvérsia na educação por incentivar a evasão, em vez de buscar meios de garantir a escolaridade do aluno faltante.
Em entrevista, a educadora Madalena Guasco Peixoto se mostrou revoltada com mais esta atitude “absurda” do governo do estado de São Paulo, comandado por Tarcísio de Freitas (Republicanos), e seu secretário de Educação, Renato Feder. Madalena também é secretária-geral da Contee (Confederação Nacional dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino) e diretora da Faculdade de Educação da PUC-SP.
“É a coisa mais autoritária, sem nenhum fundamento pedagógico e social. Eles não têm a mínima noção das dificuldades que passa hoje a juventude brasileira, após uma pandemia, uma crise econômica e um desemprego enorme dos pais”, critica ela.
Para Madalena, a medida só aumenta a exclusão, além de mostrar o autoritarismo. “O papel da escola não é saber se a criança vai ou não, o papel da escola é acolhimento”. Em sua opinião, a primeira medida da escola deveria ser saber o porquê das ausências para oferecer a ajuda necessária, inclusive com reforço escolar. “Essa é a concepção pedagógica, por isso, essa medida não tem base em nenhuma concepção de educação, senão numa visão autoritária, anti-escola e anti-acolhimento”, atacou.
O Ministério Público de São Paulo já investiga o caso, com a “adoção de providências para avaliar eventual lesão ao direito à educação em São Paulo”, após receber mais uma representação contra a atual política de ensino paulista. A medida pode representar, na prática, uma expulsão em massa de muitos estudantes ou empurrá-los para a modalidade EJA (Educação de Jovens e Adultos), uma espécie de supletivo.
Controvérsias de Feder
Determinada pelo secretário estadual da Educação, Renato Feder, a resolução orienta os diretores a classificarem as faltas consecutivas como “Não Comparecimento” (NCOM) durante todo o ano letivo — não apenas nos 15 primeiros dias após a matrícula, como já era permitido. Com isso, a inscrição do aluno no sistema é cancelada automaticamente e ele volta à fila de regulação da pasta, caso deseje terminar o ano letivo.
Esta é mais uma das polêmicas da gestão ideológica de Feder na Educação. No dia 16, por ordem da Justiça, o governo teve de voltar atrás na decisão de não usar livros didáticos impressos e distribuídos pelo Ministério da Educação. Neste mesmo mês de agosto, também foi preciso se explicar como invadiu os celulares de alunos e servidores da educação, instalando um aplicativo sem autorização. Junto com isso, estudantes e professores protestam contra pautas defendidas por Feder e Tarcísio, como o Novo Ensino Médio, o desmonte do ensino técnico e a redução de verbas.
Para Madalena, o ex-secretário de Educação do Paraná, além de autoritário “é um sem vergonha”. Ela o descreve como um empresário que só age para ganhar dinheiro público. Ela cita os vários convênios que Feder fez no Paraná, e está fazendo em São Paulo. “Ele nem conhece educação, o que ele conhece é venda para o sistema público de São Paulo, que é um dos maiores do mundo”, diz ela, sobre os serviços de plataformas digitais que ele vende.
A medida, que afeta os ensinos fundamental, médio e EJA, prevê, no entanto, que o NCOM só seja lançado no sistema após “esgotados os procedimentos de busca ativa” dentro do período. A pasta afirma que “todo aluno tem vaga garantida” e pode retornar à rede pública, caso haja interesse.
Para oficializar a retirada do aluno da lista, a escola deverá comprovar que tentou buscá-lo, sem sucesso, por meio de documentos anexados ao prontuário do estudante. No entanto, não fica claro no texto quais devem ser esses procedimentos nem quando devem ser iniciados. Segundo a secretaria, a medida “beneficia estudantes frequentes que aguardam transferências entre unidades”.
A resolução também não cita a necessidade de aval do Conselho Tutelar que, segundo a LDB (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional), deve ter a palavra final sobre a exclusão escolar na rede pública e apenas quando a evasão supera 10% dos dias letivos — ou seja: 20 dias. Em São Paulo, os 15 dias estipulados representam 7,5% do ano.
Madalena concorda que é obrigação da escola acionar o Conselho Tutelar se for o caso. Se a criança estiver faltando porque está trabalhando meio período e ajudando a sustentar a casa, é preciso saber como ajudar a família. “A escola não tem capacidade de resolver tudo. Ela tem que buscar apoio nos diferentes órgãos. Por que o Tarcísio e o Feder não propõem programas, por exemplo, de bolsas para os alunos que precisam trabalhar para ele voltar para a escola. Isso é busca ativa, o menino fala: preciso trabalhar porque minha família está passando fome, e aí faz o que?”
Melhora no Índice
A mudança, segundo especialistas na área, restringe o direito básico à educação assegurado pela Constituição, dificulta a permanência de jovens que cursam o período noturno e pode impactar no pagamento de benefícios atrelados à frequência escolar, como o Bolsa Família. Professores também relacionaram a resolução ao compromisso assumido por Feder de elevar as estatísticas estaduais em avaliações nacionais. Sem os alunos faltosos, a avaliação educacional de São Paulo no ranking nacional tende a aumentar, o que funcionaria como uma aparência de melhora do sistema.
Madalena diz que não é só em São Paulo que avança essa ideia de excluir quem é ruim para aumentar o Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica), uma avaliação estatísticas que também é criticada por educadores. “Quando você aumenta o IDEB, não quer dizer que você melhorou a qualidade das escolas, porque ela é uma avaliação estatística, ela não é uma avaliação sistêmica, que cuida das escolas que estão com problemas”, explica a educadora.
As escolas que estão com problemas podem continuar assim, enquanto o governo aumenta seu IDEB. “Para resolver o problema do IDEB, em vez de melhorar as condições pedagógicas de atendimento, você classifica alunos bons e alunos ruins, e faz a exclusão”, revela.
Madalena não acredita que Feder esteja interessado em “melhorar a qualidade do ensino paulista”. “A visão dele é punitiva mesmo. Se você não vem, é porque você não está interessado. Então tchau”, resume ela. No entanto, ela salienta que a ilegalidade da medida está no fato de que ninguém pode ser expulso da escola sem um motivo gravíssimo.
Bônus só para os bons
A resolução 25/2023 também tem relação direta com outra medida adotada por Feder: a inclusão da frequência do aluno no rol de condições para pagamento do bônus aos professores da rede. A partir deste ano, a evasão escolar passará a ser critério para a definição dos valores repassados aos docentes.
A ideia vem do Plano Nacional de Educação (PNE), que apresenta a “estratégia” de aumentar o Ideb, premiando as escolas e professores que tiverem melhor desempenho. “Isso é uma visão meritocrática. Em vez de resolver o problema da escola que está com problema, você premia os professores da escola que não tem problema”.
Madalena cita como exemplo uma escola de área vulnerável periférica da cidade, que tem um Ideb baixo, porque vive numa situação de vulnerabilidade, com uma população pobre e um ambiente social complicado. “O professor que toma quatro ônibus pra chegar lá, ganha menos do que o professor da escola pública de Perdizes (bairro nobre central da cidade), que tem um Ideb alto.
(por Cezar Xavier)