Apoiadores do novo governo do Níger se concentraram no estádio da capital | Vídeo

30 mil pessoas lotaram um estádio na capital do Níger, Niamey, para apoiar a destituição do presidente fantoche, apoiar o rompimento com o neocolonialismo e manifestar expectativa por ajuda russa, como aconteceu antes nos vizinhos Mali e Burkina Faso.

Na manifestação, no domingo (6), dia em que se encerrava o “prazo” de uma semana para o retorno de Mohamed Bazoum, enunciado pela comunidade de paises da África Ocidental, CEDEAO, atendendo as pressões de Washington e Paris, multidões se mostravam destemidas no Níger, na descrição do Sputnik.

“Os manifestantes entoaram palavras de ordem em apoio ao comandante rebelde enquanto acenavam com as cores nacionais do Níger e da Rússia”. No estádio, um galo ornamentado com as cores da França teve o pescoço cortado, para gáudio dos manifestantes, aos gritos de “fora a França!”.

Também na cidade de Arlit, onde a empresa francesa Orano (sucessora da mineradora estatal colonial Areva) minera urânio há décadas, centenas de nigerinos foram às ruas protestar contra as ameaças e as sanções.

Segue assim em efervescência a crise na África Ocidental subsahariana, enquanto Washington e Paris reiteram ameaças e o presidente da Nigéria, Bola Tinubu, se empenha em propiciar uma fachada para uma intervenção militar no país vizinho. No entanto, o plano foi recusado pelo Senado nigeriano, que recomendou à volta à diplomacia.

Por sua vez, Comitê Nacional de Salvaguarda da Pátria (CNSP) deu 30 dias para a retirada do contingente francês do solo nigerino e anunciou o fechamento do espaço aéreo. Também determinou a suspensão da transmissão de canais noticiosos internacionais do Estado francês (a France24 e a Radio France Internationale – RFI). O CNSP alertou que qualquer “agressão ou tentativa de agressão” contra o Níger terá resposta imediata por parte das forças de defesa do país.

Um dos países mais pobres do mundo, o Níger segue sob o jugo do ‘franco das colônias’, o franco CFA, e é assolado por milícias jihadistas, fomentadas na esteira da desestabilização provocada na África pela destruição da Líbia pela Otan em 2011. O que tem servido de pretexto para mais bases estrangeiras e de drones no país, que é rico em ouro e urânio e fornece boa parte da matéria-prima para as usinas nucleares francesas.

Mali e Burkina Faso, também ex-colônias francesas e que recentemente se levantaram contra a reiteração do neocolonialismo francês e ianque no Sahel, suspensos no CEDEAO, advertiram publicamente que qualquer ação armada no território nigerino seria entendida como uma declaração de guerra contra os seus países.

O presidente da Argélia, Abdelmadjid Tebboune, reiterou no fim de semana que “ameaças de intervenção militar no Níger são uma ameaça direta à Argélia” e alertou contra qualquer ação que “inflame toda a região do Sahel”.

Segundo a mídia, Tinubu ofereceu enviar 25 mil soldados, petição que o Senado nigeriano recusou até agora. Burkina Faso e o Mali também condenaram as “sanções ilegais, ilegítimas e desumanas” impostas pelos governos ocidentais “contra o povo e as autoridades do Níger”. No domingo, uma manifestação de solidariedade foi realizada na capital de Burkina Faso, Ouagadougou, em apoio ao povo do Níger.

MADAME MAIDAN VISITA O SAHEL

A entregadora de biscoitos da Praça Maidan durante o golpe na Ucrânia, Victoria Nuland, aquela do “f… a União Europeia”, agora vice-secretária de Estado de Biden, foi pessoalmente a Niamey na segunda-feira, para exigir a restauração do seu garoto Bazoum, no que descreveu como “conversas difíceis”.

Não foi recebida pelo presidente do Comitê, general Abdourahmane Tchiani, mas discutiu durante duas horas com um dos integrantes da junta, o general Mousa Barmou, que recebeu treinamento militar dos EUA. Também não foi autorizada a visitar Bazoum, que está em prisão domiciliar.

Segundo Nuland, “as conversas foram extremamente francas e às vezes bastante difíceis porque, novamente, estávamos pressionando por uma solução negociada.” Ela disse que os líderes do golpe são “bastante firmes em sua opinião sobre como querem proceder, e isso não está de acordo com a constituição do Níger”. Ela disse que os EUA esperavam que a junta mantivesse “a porta aberta para a diplomacia”, mas parecia duvidoso que isso acontecesse, segundo o portal Antiwar.

“Portanto, ficamos dependendo do Sr. Barmou para deixar claro, novamente, o que está em jogo”, ameaçou. Sua ida, ela admitiu, também foi para pressionar contra a “cooperação com Wagner, a força mercenária russa”. “Eu não diria que aprendemos muito mais sobre o pensamento deles nessa frente”, acrescentou.

Por sua vez o presidente Emmanuel Macron, quanto ao Níger, insiste em proclamar que a França «não vai tolerar qualquer ataque contra os seus interesses». Além de tropas francesas e norte-americanas, estão presentes no país africano também soldados italianos e alemães.

O ‘FRANCO DAS COLÔNIAS AFRICANAS’

Como registra o portal Grayzone, embora a CEDEAO tenha sido fundada oficialmente em 1975, as origens do bloco remontam à criação do franco CFA em 1945, apresentada como um esforço “benevolente” de proteger as colônias da desvalorização do franco quando da criação de Bretton Woods.

“Na realidade, a introdução do franco CFA significou que Paris foi capaz de manter relações comerciais altamente desiguais com suas colônias africanas, numa época em que sua economia foi devastada pela Segunda Guerra Mundial e seu império ultramarino estava se desintegrando rapidamente. A moeda tornava barato para os estados membros importar da França e vice-versa, mas proibitivamente caro para eles exportarem qualquer coisa para qualquer outro lugar”.

Dependência forçada que criou na África Ocidental francófona “um mercado cativo para os franceses e, por extensão, para o resto da Europa” e atrapalhou “o desenvolvimento econômico regional por décadas e persiste até hoje”. Em resumo, não tem controle sobre sua própria moeda (além de terem de depositar no BC francês 50% das reservas).

Como sintetizou o economista de desenvolvimento senegalês Ndongo Samba Sylla, o franco CFA é “uma barreira à industrialização e à transformação estrutural” nestes países e não passa de um “dispositivo neocolonial que segue destruindo qualquer perspectiva de desenvolvimento econômico nos países usuários desta moeda”.

Espoliação que marca o controle francês sobre a mineração de urânio do Níger, com uma “joint venture” em que 85% é de propriedade da Comissão Francesa de Energia Atômica e duas empresas francesas, enquanto o governo do Níger possui apenas 15%. Registre-se ainda que a taxa de eletrificação do país africano é inferior a 18% e até 90% de sua energia é importada da Nigéria.
“O Níger produz mais de 5% do urânio do mundo, e seu urânio é de altíssima qualidade. Metade das receitas de exportação do Níger vem das vendas de urânio, petróleo e ouro. Um terço da energia elétrica produzida na França utiliza urânio do Níger, numa época em que 42% da população do país africano vive abaixo da linha da pobreza. Durante décadas, o povo do Níger viu sua riqueza escapar por entre os dedos”, registrou o historiador indiano Vijay Prashad. Só na ultima década, ele acrescentou, “o Níger perdeu US$ 906 milhões em apenas 10 casos de arbitragem apresentados por multinacionais perante o Centro Internacional para Resolução de Disputas sobre Investimentos e a Câmara Internacional de Comércio”.

Ainda segundo um ex-funcionário do Departamento de Estado, outra preocupação é que o Níger venha repetir o que aconteceu nos vizinhos Mali e Burkina Faso. Em que, após o rompimento com o sistema neocolonial, os governos liderados por oficiais militares nacionalistas “nacionalizaram abruptamente as minas de ouro, expulsando os gigantes industriais para fora”.

O portal Grayzone escarafunchou o passado do presidente nigeriano, Bola Tinubu, que é uma peça chave nos acontecimentos nas próximas semanas, e traçou um perfil da figura. Ex-senador e ex-governador do estado de Lagos, ele foi considerado por muito tempo como um “fazedor de reis” na política nigeriana, além de conhecido pela intimidade com a embaixada norte-americana.

A novidade trazida pelo Grayzone é que Tinubu, que cursou universidade em Chicago em 1979, chegou a ser investigado nos EUA por vínculos com um traficante nigeriano, seu parente, sendo que a fortuna do atual presidente teria na origem tais ligações. Ele também foi diretor da Mobil Oil Nigéria.

Uma súmula judicial do distrito norte de Illinois, de 1993, nomeia Tinubu como cúmplice em uma operação maciça de tráfico de drogas no meio-oeste, em que teria acumulado uma pequena fortuna lavando dinheiro para um parente traficante de heroína em Chicago. A ponto de funcionários do governo dos EUA terem apreendido mais de um milhão de dólares de várias contas bancárias registradas em nome do atual presidente nigeriano. O relatório foi assinado pelo agente especial do IRS, Kevin Moss.

Nos documentos, Moss descreve uma relação extremamente próxima entre o futuro presidente nigeriano e dois traficantes nigerianos chamados Abiodun Olasuyi Agbele e Adegboyega Mueez Akande, o último deles listado como primo de Tinubu em um pedido de empréstimo de veículo.

De acordo com o IRS, em 1990 está provada o envio por Akande de US$ 80.000, por transferência eletrônica, de outro banco para a conta de Tinubu recém aberta no First Heritage Bank. Duas outras contas controladas por Tinubu, em nome de uma certa Compass Finance and Investment Company, também o ligavam a Akande e Agbele.

Ainda de acordo com essa investigação do IRS norte-americano, “Tinubu de alguma forma conseguiu depositar mais de US$ 660.000 em sua conta no First Heritage Bank em 1990 e mais de US$ 1,2 milhão no ano seguinte – enquanto afirmava ao fisco levar para casa apenas US$ 2.400 por mês de seu cargo na Mobil Oil Nigéria”. Quando o IRS apertou o cerco, Tinubu resolveu voltar para a Nigéria. Mais tarde, ele daria como não dita a admissão anterior de que o dinheiro que usara para abrir a conta no First Heritage viera de Akande.

Em 1992, deixou a lavagem de dinheiro, ingressou na política e foi eleito para o Senado, início de uma carreira em que, no comentário de um embaixador de Tio Sam na Nigéria, exibiu – aos interlocutores norte-americanos – uma “uma visão perspicaz do cenário político” nigeriano.

Desde que deixou o cargo de governador de Lagos em 2007, Tinubu “escolheu todos os candidatos vencedores subsequentes”, de acordo com a emissora alemã DW, que observou no início deste ano que o magnata “é considerado um dos políticos mais ricos da Nigéria, mas a fonte de sua riqueza é desconhecida.”

“Perspicácia” que, volta e meia retorna ao noticiário, como no caso da sua luxuosa mansão de Londres, em Westminster. Durante as eleições gerais de 2019 na Nigéria, imagens de caminhões blindados entrando na residência de Tinubu se tornaram virais nas redes sociais, denunciadas como um esquema fraudulento de compra de votos. “Eu guardo dinheiro onde quiser”, reagiu Tinubu. E emendou no maior cinismo: “Se eu não represento nenhum órgão do governo e tenho dinheiro para gastar, se tenho dinheiro, se quiser, dou para o povo de graça”.

Fonte: Papiro