O Partido Democrata, de oposição, denunciou a omissão do governo Yoon frente a Tóquio | Foto: AFP

50 mil manifestantes reuniram-se na capital da Coreia do Sul, Seul, no sábado (26) para exigir que o governo tome medidas contra o despejo pelo Japão, no oceano Pacífico, de água radioativa contaminada da central nuclear de Fukushima.

Sob pressão popular, mas imbuído em reforçar a articulação de Biden para uma mini-OTAN asiática EUA-Seul-Toquio, o governo de Yoon Suk Yeol diz não ver problemas “técnicos” ou “científicos” no plano japonês de despejo de água radioativa de Fukushima, embora “não o endosse”.

O principal partido de oposição sul-coreano, o Partido Democrata, anunciou que vai responsabilizar o governo Yoon “por não cumprir seu dever” e classificou o plano japonês de “ato de terror”.

“O Japão está prestes a trazer uma calamidade irreversível à Coreia do Sul e aos países da Orla do Pacífico com a liberação de água contaminada radioativa”, denunciou o líder do partido, Lee Jae-myung.

Na quarta-feira, estudantes invadiram o prédio onde fica a embaixada do Japão, com cartazes como “o oceano não é lixeira do Japão”. Foi realizada, ainda, uma marcha com velas à noite.

O jornal Hankyoreh classificou o comportamento do governo Yoon de “absurdo”. O próprio Yoon ficou mudo, enquanto o primeiro-ministro Han Duck-soo apelava ao governo japonês para “divulgar informações de forma transparente e responsável durante os próximos 30 anos”. Ele culpou a “propaganda e as notícias falsas” por agravarem a situação dos pescadores, dizendo que “os meios de subsistência da pesca estão sendo ameaçados por propaganda infundada que afirma que a água contaminada de Fukushima poluirá os nossos oceanos”.

“Nestas circunstâncias, como podemos deixar de nos perguntar a quem o governo coreano é leal, quando defende a decisão do Japão de descarregar a água contaminada e coloca a culpa no povo coreano?”, questionou o jornal.

Já o ministro das Relações Exteriores, Park Jin, asseverou ao parlamento sul-coreano que “as correntes transportarão a água ao redor do Pacífico ao longo das Américas antes de chegar à costa da Coreia do Sul em quatro anos, contendo menos trítio radioativo do que a água do mar normal”.

Ainda segundo o jornal, “a história recordará esta data como o dia em que o governo japonês ignorou as preocupações dos seus vizinhos, dos seus próprios cidadãos e dos pescadores, e avançou com a mais longa descarga de água contaminada de uma fusão nuclear de sempre”.

E continua: “Despejar essa quantidade de água contaminada no mar por um período excessivo de tempo é um desastre ambiental que a humanidade nunca enfrentou. Embora o Japão insista que a liberação é ‘cientificamente segura’, está assumindo um risco irreversível para toda a raça humana e para o seu futuro”.

À BBC as mergulhadoras tradicionais da Coreia do Sul, as “haenyeo”, expressaram sua ansiedade diante do despejo da água contaminada. “Agora sinto que não é seguro mergulhar”, disse Kim Eun-ah, que atua na ilha de Jeju há seis anos. “Nos consideramos parte do mar porque mergulhamos na água com o próprio corpo”, explica.

“Não veremos imediatamente desastres como a detecção de materiais radioativos em frutos do mar, mas parece inevitável que esta descarga represente um risco para a indústria pesqueira local e o governo precisa encontrar soluções”, disse Choi Kyoungsook, do grupo Korea Radiation Watch que organizou a manifestação. “Ninguém pode dizer o que irá acontecer ao ecossistema marinho nos próximos 100 anos”, acrescentou.

O Japão afirma que, com exceção do trítio, os demais elementos radioativos das águas de Fukushima são retirados e que a solução para o isótopo do hidrogênio é sua diluição em mais água. Embora a direção da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) dê aval ao plano, há cientistas que não concordam.

O despejo teve início na quinta-feira (24), apesar dos protestos de governos como a China e Coreia do Norte, de cientistas, de consumidores e comunidades de pescadores e de ambientalistas, inclusive dentro do Japão. A operadora da usina, a Tokyo Electric Power Company (TEPCO), descarregou de 200 a 210 toneladas de água contaminada no mar através de um túnel submarino de 10 metros de profundidade que fica a 1 quilômetro da costa da usina de Fukushima.

A usina nuclear de Fukushima foi destruída no terremoto e tsunami de 2011 e desde então a TEPCO tem bombeado água para resfriar as barras de combustível dos reatores. Diariamente a usina produz água contaminada, que fica armazenada em mais de 1.000 tanques, o suficiente para encher mais de 500 piscinas olímpicas, o que totaliza mais de 1 milhão de toneladas métricas de água contaminada radioativamente. O despejo deverá continuar por 30 anos.

Uma organização de pescadores japonesa declarou na quinta-feira que a sua “posição contra o despejo no oceano não mudou nem um pouco”, e os residentes da província de Fukushima que se opõem à libertação disseram que abrirão uma ação judicial em 8 de setembro para impedir a descarga.

A professora americana Emily Hammond, especialista em energia e direito ambiental da Universidade George Washington, disse que “o desafio com os radionuclídeos (como o trítio) é que eles apresentam uma questão que a ciência não pode responder completamente; isto é, em níveis muito baixos de exposição, o que pode ser considerado ‘seguro’?”

“Podemos ter muita fé no trabalho da AIEA e ao mesmo tempo reconhecer que o cumprimento das normas não significa que haja ‘zero’ consequências ambientais ou humanas atribuídas à decisão”, advertiu, segundo a BBC.

O biólogo marinho Robert Richmond, da Universidade do Havaí, chamou de “inadequada” uma avaliação de impacto radiológico e ecológico [do despejo], apontando sua preocupação com “o fato de o Japão não apenas ser incapaz de detectar o que está entrando na água, nos sedimentos e organismos, mas se isso acontecer, não há recurso para removê-lo… não há como colocar o gênio de volta na garrafa”.

Por sua vez, Shaun Burnie, especialista nuclear sênior do Greenpeace Leste Asiático, diz que o trítio pode ter “efeitos negativos diretos” em plantas e animais se ingerido, incluindo “fertilidade reduzida” e “danos às estruturas celulares, incluindo o DNA”.

A descarga inicial de 7.800 metros cúbicos das águas residuais de Fukushima – aproximadamente o tamanho de três piscinas olímpicas – ocorrerá num período de cerca de 17 dias. Estão previstos mais três rodadas de despejo até março de 2024.

Fonte: Papiro