Imagem das Forças Armadas desaba após escândalos bolsonaristas
Os brasileiros nunca desconfiaram tanto Forças Armadas. Com tantos militares – inclusive da cúpula – envolvidos em escândalos como a tentativa de fraude eleitoral, o Golpe de 8 de Janeiro e o caso das joias sauditas, a instituição viu sua imagem desabar. Em todos os escândalos, investigações descobrem cada vez mais envolvimento das Três Forças, em especial do Exército, em manobras criminosas para beneficiar o ex-presidente Jair Bolsonaro.
Conforme pesquisa série Genial/Quaest, o índice de pessoas que “confiam muito” nos militares caiu de 43% em dezembro passado para 33% neste mês de agosto. Já os que “confiam pouco” ou “não confiam” – que eram 54% na pesquisa anterior – agora são 64%.
“Não parece ser uma mera coincidência que uma das instituições mais sólidas e respeitadas do País venha sofrendo esse desgaste de imagem”, declarou ao O Globo Felipe Nunes, diretor da Quaest. Segundo ele, os números parecem apontar que houve “algum tipo de frustração (diante) de alguma expectativa que havia entre essas pessoas”.
“Foram muitos escândalos envolvendo gente da mais alta patente na corporação. É como se o pós-governo Bolsonaro tivesse dragado o Exército para uma crise sem precedentes”, agrega Nunes.
Três investigações diferentes contra Bolsonaro e os bolsonaristas indicam a participação de oficiais e até generais em suspeitas gravíssimas. O hacker Walter Delgatti Neto, por exemplo, declarou à Polícia Federal que participou de reunião no Ministério de Defesa para ajudar o então governo Bolsonaro a divulgar, via fake news, que as urnas eletrônicas podiam ser fraudadas. O depoimento foi confirmado pelo próprio hacker em depoimento, na semana passada, à Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) que investiga, no Congresso Nacional, os atos golpistas de 8 de janeiro.
Já o STF vê indícios, nessa data, de participação de militares numa farsa para facilitar a invasão de bolsonaristas à sede dos Três Poderes. Por fim, as investigações da Polícia Federal sobre o caso das joias sauditas apropriadas irregularmente pelo ex-presidente revelaram a participação na linha de frente do tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro. O crime contou, ainda, com a participação de seu pai, Mauro Lourena Cid, que é general.
Em praticamente todos os estratos da pesquisa, o humor das pessoas com as Forças Armadas piorou sensivelmente. Até entre bolsonaristas o apoio aos militares despencou – de 61% para 40%. No segmento evangélico, a queda também foi brusca em oito meses: de 53% para 37%.
Uma reportagem da agência Deutsche Welle, anterior à divulgação da pesquisa, ouviu especialistas que já sugeriam essa contaminação da imagem das Três Forças. Um dos entrevistados, o professor de História Jorge Ferreira, da Universidade Federal Fluminense (UFF) lembra as cúpulas militares “criaram a imagem do servidor público sacrificado e dedicado à Pátria”. Por isso, as denúncias trincam a reputação militar.
“Para uma instituição como as Forças Armadas brasileiras, é desolador ver um almirante de esquadra, um primeiro tenente e um primeiro-sargento da Marinha; um general, um tenente-coronel e um tenente do Exército envolvidos em tráfico de muambas”, resume Jorge. “É constrangedor para a FAB ter seus jatos utilizados para levar ilegalmente joias para o exterior. Tudo em esquema primário e tosco.”
O também professor Piero Leirner, do Departamento de Ciências Sociais Universidade Federal de São Carlos, vai além. “Era de se esperar que alguém nas Forças Armadas ia atuar em ‘ressonância’ com aquilo que é sabidamente uma característica de Bolsonaro e seu entorno. Bolsonaro era um projeto militar, estava no cálculo também a adesão ao “bolsonarismo’ – com tudo que este tem direito”, dispara Pioero.
Ele, porém, faz um contraponto: “De outro lado, o que me surpreende é que a ‘granada’ está estourando justamente embaixo de militares com posições muito boas na carreira, especialmente os do Exército e com um perfil de ‘forças especiais’. Os (militares) das outras Forças entram no mesmo tipo de ‘arrasto’”.
A pesquisa Genial/Quaest ouviu 2.029 pessoas, de 10 a 14 de agosto, em 120 municípios. A margem de erro é estimada em 2,2 pontos percentuais.