Expansão, apoio ao Brasil no CSNU e desdolarização são destaques da Cúpula BRICS
A XV Cúpula do BRICS ocorrida em Joanesburgo, África do Sul, durante a semana, já é vista como histórica pelos impactos que pode ter na geopolítica e no sistema multilateral, daqui pra frente. O Brasil de Luis Inácio Lula da Silva soube tirar o melhor proveito do encontro com importantes ganhos diplomáticos.
Para avaliar o resultado do encontro entre líderes do Brasil, da Rússia, da Índia, da China e da África do Sul, o Portal entrevistou o professor de Relações Internacionais da PUC-SP, Augusto Leal Rinaldi. O cientista político é autor de “O Brics nas Relações Internacionais Contemporâneas: Alinhamento Estratégico e Balanceamento de Poder Global (Appris, 2021).
“Os três principais aspectos que vale mencionar são o convite aos novos membros, o apoio às candidaturas brasileira, indiana e sul-africana ao Conselho de Segurança da ONU e o encorajamento ao uso das moedas locais nas transações bilaterais”, avaliou Rinaldi.
Donos da guerra e da paz
Muito se falou do Brasil ter condicionado seu apoio à expansão do BRICS a uma declaração consensual do bloco à proposta brasileira de reforma do Conselho de Segurança das Nações Unidas. Lula reivindica, desde seu primeiro governo, um assento permanente para o Brasil no Conselho de Segurança.
O Conselho de Segurança tem cinco membros fixos desde que foi criado, junto com a fundação da ONU, em 1945: Estados Unidos, Reino Unido, França, Rússia e China. Nunca foi reformado, apesar da configuração de potências mundiais ter se alterado profundamente, o que prejudica a capacidade decisória sobre questões de segurança internacional.
Atual membro do Conselho de Segurança e do Brics, a China resistia até aqui em dar sinais diplomáticos mais claros no sentido de apoiar o pleito do Brasil. A Declaração de Joanesburgo revela, no entanto, que a ampliação do bloco pesou mais para a potência asiática. A primeira menção de peso do tema num documento assinado por China e Rússia exerce enorme pressão sobre a ONU.
O Brasil é membro de um esforço conjunto com a Índia desde 2005 para pleitear essa expansão do conselho. Ambos são membros do chamado “G4”, um grupo com Alemanha e Japão formado especificamente com esse objetivo. O texto final divulgado, na quinta, cita textualmente a ampliação do Conselho de Segurança – e nominalmente o Brasil como aspirante a um papel de destaque nessa instância.
“Apoiamos uma reforma abrangente nas Nações Unidas, incluindo seu Conselho de Segurança, com uma visão de torná-lo mais democrático, representativo, efetivo e eficiente, e de ampliar a representação dos países em desenvolvimento no Conselho para que ele possa responder de forma adequada aos principais desafios globais e apoiar as aspirações legítimas de países emergentes e em desenvolvimento de África, Ásia e América Latina, incluindo Brasil, Índia e África do Sul, de desempenharem um papel maior nas relações internacionais, particularmente nas Nações Unidas, incluído o Conselho de Segurança”, diz a declaração, em tradução livre.
Saldo para o Itamaraty
Para Rinaldi, o saldo é positivo para o Brasil, embora a expansão, em si, não tenha sido o caminho preferido por Brasília, que era um dos governos mais reticentes à ampliação. Há o receio da ampliação reduzir a influência do Brasil, além de agregar interesses que não necessariamente convergem. “Em termos de desafios, resta saber como o Brasil vai navegar num ambiente com novas caras, possivelmente novas agendas e uma China cada vez mais protagonista”, analisou.
Mas o especialista acha difícil imaginar que, com China e Rússia favoráveis a esse movimento, o BRICS não acabaria, uma hora ou outra, a fazê-lo. “Nesse sentido, o Brasil procurou estabelecer uma contrapartida para dar seu apoio formal, que foi justamente extrair da China uma declaração pública de apoio à nossa candidatura no Conselho de Segurança da ONU”, afirmou.
Em sua opinião, a declaração pode ser lida mais como um protocolo de intenções de Pequim do que propriamente um endosso ativo ao ingresso do Brasil no órgão, “mas esses gestos importam nas relações internacionais”.
“Além disso, o Brasil claramente patrocinou a entrada da Argentina, que acabou sendo convidada a ingressar, portanto é um ganho da diplomacia brasileira nesse sentido”, acrescentou.
Oriente e Ocidente
Para o BRICS, diz o especialista, a entrada de novos membros significa uma “oxigenação nos propósitos centrais do arranjo de demandar mudanças e reformas nas estruturas da governança global atual”. “Isso significa dizer que agora há mais países relevantes que ajudarão a fazer coro às históricas reivindicações de reforma das instituições internacionais multilaterais – particularmente FMI, Banco Mundial e Conselho de Segurança da ONU – e a defender uma democratização das relações internacionais nas suas dimensões política e econômica”, diz ele.
Mas a outra face dessa moeda, na opinião dele, é que para os Estados Unidos, o BRICS pode se tornar cada vez mais um polo de poder com o qual Washington terá que lidar ao tentar enfrentar problemáticas globais. Isto é, o BRICS precisará ser consultado e ouvido nas principais mesas de discussão internacionais, sob pena de o enfrentamento dessas questões não contar com o apoio de países altamente relevantes tais como Brasil, Rússia, China e Índia.
“Ainda é cedo para dizer se o arranjo assumirá uma postura anti-ocidental, mas certamente a presença de países como o Irã, Rússia e China pode colocar um desafio aos Estados Unidos para lidar mais diretamente com o bloco”, afirma.
Rinaldi discorda que haja um desequilíbrio para o Oriente na nova configuração do BRICS, que antes pendia mais para o lado do sol nascente. Ele acredita que a entrada de dois novos países africanos, três do Oriente Médio e um sul-americano trouxe um novo equilíbrio regional ao BRICS, tendo em vista que já contava com três asiáticos (se pensarmos na Rússia como um país da Eurásia). “Em termos regionais, agora todas as regiões em desenvolvimento estão bem representadas”, reafirmou.
Enquanto o Ocidente frita tentando entender se o bloco se transforma num contraponto aos EUA e União Europeia, o cientista político prefere apostar que o perfil continuará focado em questões bilaterais.
Ele admite que a ampliação de espaços decisórios sempre traz consigo desafios de ação coletiva. Como o BRICS é um arranjo cujas declarações são consensuais, pode ser que se continue a ver a mesma dinâmica que tem prevalecido desde o começo do arranjo em 2009: declarações anuais mais gerais acerca das relações internacionais (com foco nos consensos em torno de reforma das instituições, denúncia dos abusos de poder por parte de potências ocidentais etc.) e uma intensa agenda bilateral mais diversificada. “Nesse sentido, os novos membros parecem ter vindo para somar o propósito central do BRICS e, em paralelo, auxiliar no estreitamento de laços políticos, diplomáticos, comerciais e financeiros bilaterais entre eles”, observa.
A questão da guerra na Ucrânia, com toda sua polarização entre Norte e Sul Global, é uma demonstração do modus operandi do BRICS. Por ora, Rinaldi acredita que a expansão do bloco afeta muito pouco a questão da guerra. Ele observa que a questão russo-ucraniana sequer foi objeto de destaque no encontro. “Foram feitas apenas algumas declarações bastante protocolares sobre o episódio, mostrando que o BRICS, nesse momento, não estava disposto a agir mais diretamente no enfrentamento dessa questão. No médio-longo prazo, pode ser que com a entrada de Arábia Saudita, Emirados Árabes e Irã, o estreitamento comercial desses países com a Rússia dê ainda mais fôlego financeiro a Moscou, permitindo ao país sustentar a continuidade da guerra e contornar a sanções impostas pelo Ocidente”, pondera.
O Banco e o dólar
A adesão dos seis novos membros plenos tem uma interface muito importante ao contribuir para fortalecer o Novo Banco de Desenvolvimento (NDB). O professor salienta que, embora sejam coisas distintas, estão bem relacionadas. “O Banco, inclusive, já passou por uma expansão em 2021, e há um processo bem avançado de incluir novos membros. Nesse sentido, a sinergia entre o Banco e o BRICS pode abrir portas para novos membros e, com isso, fortalecer ainda mais ambos os espaços”, aposta ele.
Em relação ao dólar, ele acredita que é preciso aguardar para ver se, de fato, os países passarão a privilegiar suas moedas locais nas transações bilaterais. A Presidente do Banco – Dilma Rousseff – colocou como meta para o NDB realizar 30% das suas operações em moeda local até o fim do seu mandato. “Se isso for feito, certamente representará um avanço importante na diversificação da cesta de moedas internacionais para a realização de transações comerciais”.
O efeito sobre o dólar é duplo, conforme pontua o especialista: de um lado, pode contribuir para a diminuição do seu uso por parte de outros países; de outro, os países que adotam suas moedas tornam-se menos vulneráveis aos efeitos da política econômica adotada em Washington. “Portanto, é um movimento importante para o sistema monetário internacional, mas que ainda precisa de tempo para maturar e avaliar os riscos envolvidos”.
(por Cezar Xavier)