Operação Escudo continua na Baixada Santista, com saldo de 23 mortos. Foto Divulgação da SSP-SP

A Operação Escudo, conduzida pela Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo (SSP), entrou no seu 32º dia de ação sem um prazo definido para seu encerramento. Em missão no Estado de São Paulo, o Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH) espera que esta informação seja revista, para que os números da letalidade e das suspeitas de abuso da operação não continuem aumentando.

Lançada em resposta ao assassinato do soldado Patrick Bastos Reis, a operação resultou na prisão de aproximadamente 600 pessoas e na morte de 23 indivíduos supostamente envolvidos em confrontos com a polícia, um nível de letalidade que fez organizações de direitos humanos suspeitarem de vingança contra a comunidade onde ocorreu o crime. 

Em entrevista ao Portal, André Carneiro, presidente do Conselho Nacional de Direitos Humanos, tem expectativa de participação de um representante da Secretaria de Segurança Pública (SSP-SP) na audiência pública que deve ocorrer nesta sexta-feira, na Defensoria Pública da União. “Esperamos que ele apresente informações diferentes das que temos ouvido e anuncie o encerramento da operação”, afirmou. No entanto, caso isso não ocorra, o CNDH diz que vai colaborar com outros órgãos do sistema de justiça, seja em âmbito nacional ou estadual, para avaliar medidas que levem ao encerramento imediato da operação. 

Operação ineficaz

A divulgação dessa continuidade foi feita pelo chefe de assessoria militar da SSP, Pedro Luis de Souza Lopes, na última segunda-feira (28), durante evento em Santos. Lopes levantou questões sobre a delimitação temporal da operação ao destacar que, como o foco principal é o combate ao tráfico de drogas, torna-se difícil estabelecer um término preciso, visto que esse tipo de crime não é mensurado por estatísticas oficiais.

Os dados levantados pela Defensoria Pública do Estado, no entanto, indicam que a operação não é eficaz nem eficiente para seus propósitos. “A maioria das prisões ocorre sem relação direta com a operação Escudo, envolvendo pessoas que não portam armas de fogo nem drogas. Portanto, a operação parece não atender a seus objetivos de eficácia e eficiência. De acordo com o Conselho Nacional de Direitos Humanos, a operação deveria ser encerrada”, diz o conselheiro.

Durante o evento em Santos, o diretor do Deinter 6, Luiz Carlos do Carmo, também abordou a questão da letalidade decorrente da operação. Ele afirmou o compromisso de realizar investigações minuciosas em todos os casos, em colaboração com o Ministério Público. Ele ressaltou que diversos órgãos de direitos humanos estão trabalhando de maneira transparente em conjunto com as autoridades, embora haja reclamações das entidades e órgãos quanto ao acesso à informação. O próprio agendamento da audiência do CNDH é a resposta a uma reunião cancelada pela SSP-SP.

Inteligência integrada

O conselheiro diz que não há contradição em continuar o trabalho de investigação sobre o crime organizado, e os padrões de respeito aos direitos humanos. “Nós acreditamos que a polícia deve cumprir seu papel de enfrentar a criminalidade, mas isso deve ocorrer dentro dos parâmetros do Estado de Direito e seguindo os padrões internacionais de proteção dos direitos humanos”. 

Em sua opinião, a polícia deve continuar trabalhando, principalmente com “abordagens inteligentes” em vez de confrontos armados com alta letalidade. “A criminalidade organizada não é combatida com discursos nem de maneira precipitada. É necessário realizar um trabalho com inteligência policial, em colaboração com o Ministério Público e a Polícia Civil, especialmente em investigações conjuntas”, diz Carneiro, que também é defensor público.

A presença do crime organizado na região da Baixada Santista se intensifica devido às facilidades e lucratividade do tráfico internacional de cocaína. Devido ao Porto de Santos, a droga é exportada para a Europa. Apenas no último ano foram apreendidas mais de 17 toneladas de drogas, número que continua crescente.

Números que falam por si

Carneiro afirma que o CNDH esteve no Guarujá e Santos em 14 de agosto, onde ouviu familiares e lideranças comunitárias. No dia seguinte, realizaram reuniões com o Procurador-Geral de Justiça, com a Defensoria Pública e com a Ouvidoria da Polícia.

Na ocasião, o Conselho observou relatos extremamente graves de excessos e abusos por parte da polícia militar do estado de São Paulo. “A partir desses relatos, já é possível perceber que a Operação Escudo não atende aos padrões do direito internacional dos direitos humanos. O número de civis mortos durante a operação fala por si só. No Estado Democrático de Direito, não podemos de forma alguma tolerar esse nível de letalidade policial e as violações de direitos relatadas nas escutas conduzidas pelo CNDH”, disse ele, que elabora um relatório sobre o assunto para apresentar à sociedade.

O secretário de Segurança Pública, Guilherme Derrite, alega que as acusações feitas à polícia são uma estratégia do crime organizado para deslegitimar o trabalho da polícia. Por sua vez, para verificar a consistência desses relatos, o CNDH ouviu familiares das vítimas e pessoas que podiam testemunhar. 

“Também coletamos relatos de líderes comunitários que presenciaram as operações em suas comunidades. Não há motivo para duvidar do que foi relatado pelas famílias. Outras instituições, como a Defensoria Pública e o Ministério Público, também conduziram escutas que apontam excessos e abusos. Esperamos que os responsáveis por esses abusos sejam devidamente responsabilizados”, diz ele, garantindo que os relatos serão encaminhados para investigações independentes conduzidas pelo Ministério Público, buscando confirmar a veracidade das alegações.

Câmeras inoperantes 

Uma das formas de confirmar a veracidade dos depoimentos seria por meio das imagens de câmeras corporais dos uniformes dos policiais. No entanto, a polícia não disponibiliza a maioria das imagens, por alegar que as câmeras estavam com defeito ou não estavam sendo usadas.

Carneiro reafirma que, desde a implementação das câmeras, mesmo em projetos iniciais, houve uma redução na letalidade policial no estado de São Paulo. Ele espera que, em vez do desmonte que tem sido percebido, o projeto de instalação das câmeras seja expandido para todos os batalhões, especialmente os Batalhões de Ações Especiais de Polícia (BAEPs).

(por Cezar Xavier)