De dezembro de 2022 a janeiro de 2023, mais de 50 peruanos foram mortos em manifestações contra o governo | Foto: AFP

“É fato conhecido de que praticamente nada foi feito sobre o que os relatórios das Nações Unidas, da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, Human Rights Watch e Anistia Internacional estavam recomendando em relação aos protestos registrados entre dezembro de 2022 e janeiro de 2023 contra o governo de Dina Boluarte”, afirmou o coordenador do Instituto de Defesa Legal (IDL) do Peru, Carlos Rivera, condenando o massacre.

De acordo com Rivera, “a Polícia vinha de um processo de formação em questões de direitos humanos e controle de multidões e manifestações, mas acho que há um elemento de natureza política que ocorre a partir de dezembro [com a deposição de Pedro Castillo], que gera as decisões contra essa mobilização cidadã e levassem esse protesto social a ser literalmente reprimido com sangue e fogo. E aí temos os resultados: mais de 50 mortes em tão curto espaço de tempo”. Devido à impunidade, as execuções de ativistas continuaram nos meses seguintes.

O coordenador do IDL fez questão de recordar do “nível de rejeição das autoridades políticas às recomendações e afirmações feitas pelo conjunto de relatórios das entidades”.

A exceção em termos de ênfase na rejeição foi a Comissão Interamericana, que arguiu: “Na realidade foram momentos, realmente, bastante difíceis para o Executivo e para autoridades como Boluarte ou Alberto Otárola – presidente do Conselho de Ministros – a publicação dessas reportagens”, acrescentou.

Na avaliação de Rivera, com exceção da questão das investigações, “uma das pouquíssimas áreas em que há, neste momento, algo a contar, sob todos os demais pontos de vista, isso não vem acontecendo por uma decisão de boa vontade por parte do Executivo”. “Poderíamos dar várias amostras de como as investigações andam sendo postergadas pelo Executivo, pois é um tiro que sairia pela culatra. E, por isso, essa questão deve ser levada em consideração quando se quer vangloriar de algo que não é como está sendo apresentado”, enfatizou.

Como já havia alertado o advogado criminalista James Rodríguez López, recai sobre Boluarte e Otárola, por serem as autoridades políticas mais altas, a responsabilidade penal pelos assassinatos de manifestantes desarmados. “Não esqueçamos que a legislação internacional proíbe terminantemente o uso de armas de fogo contra manifestantes. Não podem ser usadas armas letais em situações de protesto ou de convulsão social, como ocorreu”, acrescentou.

Carlos Rivera é da mesma opinião: “acredito na tremenda responsabilidade, não só política, mas legal, não apenas dos comandantes militares, mas também das autoridades políticas na forma e nas circunstâncias como o protesto foi reprimido entre dezembro, janeiro e fevereiro deste ano”.

De acordo com Rivera, a conduta adotada pela Polícia Nacional durante os recentes protestos de julho não é resultado de um processo de aprendizagem, mas ao receio da existência de condenações prévias nestes informes internacionais de direitos humanos e a investigação que pesa sobre vários chefes policiais.

“Outra coisa que acho, obviamente, é que Dina Boluarte não tem o apoio que teve em dezembro ou janeiro. Assim, aqueles que apoiaram Boluarte estão agora marcando distância. Portanto, se a Polícia assumisse um papel repressivo de forma indiscriminada, como tinha feito, sem dúvida teria gerado uma maior crise política e de direitos humanos”, ressaltou.

“Uma morte não pode ficar impune e 60 mortes com ainda mais razão. O povo peruano testemunhou, por meio de gravações, como membros da Polícia Nacional ou do Exército atiraram em pessoas que não estavam armadas, isso sem que essas forças estivessem correndo risco de vida ou tendo sequer ameaçada a sua integridade física”, apontou o criminalista James Rodríguez López. Apesar do amontoado de cadáveres, provas e testemunhos, frisou Rodríguez, é lamentável que nem a Promotoria nem os parlamentares “ainda não tenham mexido um fio de cabelo contra Dina”.

Para o secretário-geral da Confederação Geral dos Trabalhadores do Peru (CGTP), Gerónimo López Sevillano, “os recentes protestos de julho, com mais de 80 mil manifestantes nas ruas de Lima e um milhão por todo o país demonstram o crescente repúdio da população a um governo e a um Congresso cada vez mais isolados em seu projeto de entregar nossas riquezas à oligarquia e ao estrangeiro”. O sindicalista defende uma grande frente “para tirar o país da crise, garantir o retorno da democracia e promover a reativação econômica, porque não podemos continuar dando aos bancos privados o capital que falta para financiar o desenvolvimento nacional”.

Fonte: Papiro