Como o Brasil trouxe esperança para mulheres refugiadas do Afeganistão
O Brasil, destino de milhares de imigrantes latino-americanos – como haitianos e venezuelanos –, abriga desde junho mais de 200 refugiados do Afeganistão. Se são cada vez mais comuns notícias de afegãos cruzando as fronteiras, devido à prolongada crise humanitária no país asiático, a escolha pelo Brasil é inusitada. Um voo de Kabul a São Paulo, atravessando a África e o Oceano Atlântico, dura quase 26 horas, com passagens que podem chegar a R$ 8.800 por pessoa.
Seja pelos custos, seja pela distância, países vizinhos se tornaram o rumo desses refugiados em particular. Dos cerca 5,7 milhões de afegãos que deixaram a terra natal, 5,1 milhões foram para o Irã ou o Paquistão, conforme levantamento da ACNUR (a Agência das Nações Unidas para Refugiados). Eles fugiram, primeiro, do governo imposto pelos Estados Unidos. Quando o Talibã retomou o controle político do Afeganistão, em 15 de agosto de 2021, as tentativas de abandonar o país não cessaram.
No caso dos 200 que estão no Brasil – e que viviam de modo improvisado Aeroporto Internacional de São Paulo, em Guarulhos (SP) –, 128 foram transferidos, em 30 de junho passado, para a colônia de férias do Sindicato dos Químicos de São Paulo, na Praia Grande (SP). O pedido de ajuda teria partido do Ministério da Justiça. Como a demanda dos trabalhadores para a colônia se concentra no verão, o sindicato topou abrir as instalações para os refugiados.
A medida obrigou a prefeita Raquel Chini, do PSDB, a recuar da intenção de virar as costas para o problema. Há 37 crianças entre os 128 afegãos levados à Praia Grande. O sindicato, além de abrir as portas da colônia, doou diversos mantimentos aos refugiados, como roupas de cama e kits de higiene. A prefeitura anunciou, posteriormente, a vacinação de todos os refugiados, além do deslocamento de uma equipe de saúde. A permanência na colônia de férias é temporária.
O portal UOL e o jornal A Tribuna conversaram com a refugiada Nooria Sharif, jornalista que tem 28 anos e fugiu há dois do Afeganistão. Ao lado do marido e dos três filhos, ela planejou inicialmente viver no Irã. O problema é que, se os iranianos não estão sob uma crise humanitária, tampouco avançam nas questões relacionadas aos direitos das mulheres.
“Era muito difícil para as mulheres afegãs viver no Irã”, relatou Nooria. “Meus filhos não estudavam. Tinha alguns amigos que me ajudavam, enviavam dinheiro. E não era possível ficar tranquila porque o governo do Irã deu a embaixada do Afeganistão para os talibãs.”
O Brasil virou uma alternativa após anunciar a autorização para emitir mais de 11 mil vistos humanitários. “Quando ouvi falar sobre o Brasil, vi futuro para minha família”, diz. Com a ajuda de amigos e parentes, a família de Nooria chegou ao País em 11 de junho, mas ficou na fila, à espera de acolhimento.
Instalada num espaço construído pelo movimento sindical, a jovem refugiada foi a uma praia pela primeira vez na vida. “Foi ótimo, como se eu tivesse acabado de nascer. Esqueci o passado, pensei em todas as dores e tristezas que havia deixado para trás, respirei ar fresco e senti uma nova vida em meu progresso”, resumiu a afegã. “Passei muitos dias ruins, mas estou muito feliz.”
Agora, ela quer retomar o ativismo, em especial a luta em defesa das afegãs, mesmo a uma distância superior a 13 mil quilômetros. “Quero encontrar uma solução para as mulheres que estão lá”, diz Nooria. “As escolas e as universidades estão fechadas para nós (no Afeganistão). Quero encontrar uma maneira de trazê-las para estudar.”
O país asiático, sob o domínio do Talibã, sobre com o que a ONU chama de “apartheid de gênero”. As afegãs não podem estudar, nem ir a parques ou academias, tampouco usar banheiros públicos. Nos espaços públicos, as mulheres precisam cobrir os rostos. Toda e qualquer militância feminina está proibida.
Roya Sarwari, outra afegã refugiada no Brasil, tem 35 anos e deseja, acima de tudo, rever os pais, que ficaram no Afeganistão. Ela chegou à colônia de férias na Praia Grande com o marido e quatro filhos. Sofrendo com insônias e crises de ansiedade, ela recorre a antidepressivos e ansiolíticos para dormir.
“Tudo no meu país se tornou proibido para as mulheres, além de casar, gerar filhos e cuidar da casa. É como viver numa prisão”, afirma. Segundo Roya, as brasileiras são mais “livres”, porque “fazem o que querem e quando querem”, uma realidade distante do Afeganistão. “Lá, nós somos menos que nada. Minha mãe viveu como se fosse nada e minha filha ia viver também como se fosse nada. Aqui tenho esperança de que ela terá a chance de ter uma vida de verdade”.