Jenin sob ataque israelense | Foto: Ronaldo Schmidt/AFP

O jornalista brasileiro Edrien Esteves, que estava no campo de refugiados de Jenin durante o pior ataque israelense em 20 anos, relatou em depoimento a Paola de Orte, publicado pelo jornal O Globo, como às 20 horas de detenção em meio à razia. Ele estava havia duas semanas na Cisjordânia para cobrir o aumento dos confrontos na região.

O ataque israelense deixou 12 palestinos mortos, entre eles cinco menores, mais de uma centena de feridos e centenas de casas danificadas ou destruídas. O campo de refugiados, com 14 mil pessoas, ficou sem eletricidade e água. Em 2002, Jenin – que já fora um dos principais centros de resistência à limpeza étnica Palestina perpetrada durante a implantação de Israel – se tornou símbolo da resistência Palestina durante a segunda Intifada e cuja memória de seus habitantes é relatada no filme “Jenin, Jenin”, do diretor Mohammed Bakr.

“Era pouco depois da uma e meia da manhã quando ouvi as primeiras explosões. Eu estava trabalhando em um quarto que havia alugado em um teatro que serve de hospedaria para jornalistas e voluntários no campo de refugiados de Jenin, no território ocupado da Cisjordânia”. (Esteves fala aqui do Teatro da Liberdade, o teatro palestino mais conhecido internacionalmente, cuja arte se coloca como integrada a resistência Palestina e que já sofreu outras razias, como relatado pelo portal +972 magazine, em 26 de julho de 2011).

“Meu nome é Edrien Esteves, nasci em Santos, tenho 44 anos. Sou jornalista freelancer. Moro em Londres desde 2017 e já cobri a reconquista de Mossul, no Iraque, a Grande Marcha do Retorno, em Gaza, a crise dos refugiados rohingya, em Bangladesh, e a guerra na Ucrânia”.

Ele havia chegado a Jenin em 19 de junho e cobrira o enterro da menina Sadeel Naghnegha, de 15 anos, morta dois dias depois durante uma incursão do Exército de Israel na cidade.

Esteves relata já ter visto palestinos armados no funeral, mas nunca vira armas onde estava hospedado. “Por isso, me surpreendeu o que aconteceu na madrugada de 3 de julho, dia em que o Exército de Israel iniciou sua maior incursão em Jenin em 20 anos, quando invadiu o meu quarto, confiscou meu celular e minha câmera e me deteve por 20 horas”.

Após ouvir as primeiras explosões e feito algumas imagens da janela que pretendia vender para agências internacionais, o jornalista brasileiro saiu, filmou barricadas e gente correndo e, quando ouviu o zumbido de um drone, decidiu voltar ao prédio. “Uma câmera pode ser facilmente confundida com uma arma”.

Haviam lhe dito que o prédio, um centro cultural, era o lugar mais seguro do campo, mas quando olhou pela janela, Esteves viu blindados israelenses. “Tomei medidas de segurança: acendi as luzes, escrevi em um papel sulfite “imprensa” e colei na geladeira, a primeira coisa que se vê quando se abre a porta. Fiquei num canto, atrás de uma parede”.

“Assim que ouvi o barulho deles mexendo na porta, comecei a gritar ‘imprensa, imprensa, sou jornalista’ e coloquei minhas mãos para fora para eles verem. Eles soltaram um cachorro em mim, mas com focinheira. Não fui ferido”.

Os soldados pediram suas credenciais, documentos, celular com senha e a câmera, que estava no chão. Dois ficaram com ele no apartamento, e os demais saíram para revistar outros andares. Esteves relatou não ter sido agredido e ter recebido água. Depois de duas horas, os outros soldados voltaram e lhe disseram para ir com eles. Acabaram aceitando que levasse o computador e a câmera.

“Fui levado para o andar de cima, uma casa de família onde havia duas dezenas de soldados. Eles haviam quebrado as paredes para colocar as armas. Eles tinham me devolvido meu celular e avisado para não mexer. Eu chequei as mensagens e eles o confiscaram”.

Quando começou a amanhecer, ao perceber que os soldados se preparavam para sair, pediu para voltar ao outro apartamento para pegar a câmera, o computador e a mochila. Um soldado quis lhe colocar algemas, Esteves reiterou que era jornalista e eles mudaram de ideia.

Ele teve que correr carregando suas coisas em meio a muito tiro e, ao chegar a um veículo blindado para onde levavam palestinos com lacres nos pulsos, lhe disseram para voltar. Ficaram mais algumas horas no apartamento.

“Eles quebraram as paredes das casas para transitar. Em algumas partes, não tem como, é preciso ir para a rua e correr. Eu estava com equipamento pesado, câmera, mala, mochila, colete, capacete, máscara de gás, kit de primeiros-socorros. Fazia muito calor. Estava sem dormir e sem comer. Tive de carregar minhas coisas e segui-los nesse trajeto. Eu continuava repetindo que não queria ir, e eles diziam que eu não estava detido. Eu disse que então eles deviam me devolver a câmera e o celular, que eu queria ficar ali, mas eles rejeitaram a ideia”.

“O cenário era de destruição. Passamos por uma casa em que eu vi famílias no chão, com medo, tapando o ouvido para se proteger das explosões. Eu não vi pessoas sendo maltratadas, mas a própria situação maltrata. Eles colocam os civis nessa situação aterrorizante”.

Foi levado para outra casa, no último andar. “Colocaram toda a família na sala: cinco homens, três mulheres e uma criança de pouco mais de um ano. Ficamos na sala com essas pessoas, pegaram minha câmera. Colocaram uma cadeira na porta e montaram guarda. Levaram os homens e fiquei eu, as mulheres e as crianças, apesar de nada ilegal ter sido encontrado na casa. Aliás, em nenhuma das casas que tiveram paredes derrubadas e foram completamente reviradas eu vi nada de ilegal”.

INTERROGATÓRIO

Os soldados queriam saber mais sobre o Brasil, porque Esteves estava ali e se podia ser feliz no Brasil. Repetiam que quem morava ali eram “todos terroristas, perigosos, as piores pessoas do mundo, que eu sou brasileiro e não deveria estar lá, devia estar aproveitando minha vida”.

Por volta das nove da noite, o jornalista brasileiro despertou de um cochilo ao ouvir um barulho: os soldados desceram, foram embora e o deixaram lá, sozinho, na escuridão.

“Pela janela vi o pessoal da Crescente Vermelho [Cruz Vermelha árabe] retirando as pessoas de casas destruídas. Fui com eles. Filmei a retirada de civis, danos nas casas. Andei para o centro de Jenin e fui para um hotel. O diretor do primeiro lugar onde eu tinha ficado já tinha acionado o consulado do Brasil em Ramallah. No hotel, conversei com o embaixador Alessandro Candeas pelo telefone. Combinei de encontrar com ele em uma vila perto. Fui de táxi, encontrei com o embaixador, que me trouxe de volta para Jerusalém em um carro blindado”.

Fonte: Papiro