Papa Francisco na recepção da esposa e familiares de Assange | Foto: Reuters

O Consortium News, um portal norte-americano que foi fundado pelo lendário Robert Parry, jornalista que denunciou o escândalo Irã-Contras, e que tem se destacado na defesa de Julian Assange contra sua extradição para os EUA, em seu programa CN Live de quinta-feira (6) divulgou os principais pontos da apelação de seus advogados à Suprema Corte inglesa de 150 páginas, em que registra de forma contundente o conluio entre Londres e Washington para perseguir o jornalista australiano fundador do WikiLeaks e extraditá-lo para um cárcere da CIA pelo resto da vida, em razão da denúncia que ele fez dos crimes de guerra dos EUA no Iraque e Afeganistão e da tortura em Guantánamo.

Apresentado pelos advogados de Assange ao Supremo Tribunal da Inglaterra e do País de Gales, o documento ‘Fundamentos de Apelação Aperfeiçoados’ revela novas evidências de fraude tanto da Grã-Bretanha quanto dos Estados Unidos e constitui a base para uma aguardada apelação ao Tribunal Europeu de Direitos Humanos.

No programa, que foi gravado no dia em que Assange completou 52 anos, seu quinto aniversário na Guantánamo britânica, o presídio de segurança máxima de Belmarsh, na segunda-feira (3), participaram a apresentadora Cathy Vogan e Emmy Butlin, do Comitê de Defesa de Assange.

Vogan, que acompanha o caso há 13 anos, assinalou que o documento elucidou questões importantes, como a de que a Lei de Segredos Oficiais (ACT, segundo as iniciais em inglês) na seção 81, determina que “você não pode extraditar alguém por suas opiniões políticas”. “Nós pensávamos que havia uma exceção política no tratado de extradição, mas não na lei ACT”.

A defesa aponta que a opinião de Assange contra a tortura é universal. É o que chamam de proibição jus cogens. “Isso significa que todos os tribunais do mundo não são apenas contra a tortura, não apenas a consideram um crime, mas é responsabilidade desse tribunal ouvir as denúncias de tortura e fazer o possível para impedir que isso aconteça novamente”.

Portanto – sublinha Vogan -, é “muito poderosa a Seção 81”, eles deveriam tê-la reconhecido. “Diz aí que expor um crime, inclusive o crime de Estado, é um ato político protegido”.

A apresentadora acrescenta que uma das partes mais importantes disso é sobre o Tribunal Penal Internacional, e que não apenas o WikiLeaks, mas Julian Assange, sua própria presença “é essencial no Tribunal Penal Internacional para processar a tortura da CIA”.

“Eles argumentam que esse aumento das acusações e dos anos cumulativos – alguns países cumprem sentenças por crimes diferentes simultaneamente, mas os EUA apenas os somam. Então, no caso dele, vai muito além de sua vida natural. Isso significa que ele nunca poderá ir ao Tribunal Penal Internacional para testemunhar e, assim, a impunidade para a CIA está protegida. E seus advogados apontam que isso faz parte da motivação nefasta por trás dessa acusação”.

ERROS E FRAUDES

Vogan observou ainda que, para o atual editor do WikiLeaks, Kristinn Hrafnsson, há dúvidas até mesmo se a juíza Swift [que em três paginas negou o direito de apelação de Assange] realmente leu o documento de 150 páginas, “porque há erros terríveis que a juíza distrital (Vanessa Baraitser) cometeu diante das provas que lhe foram apresentadas”.

“Uma das coisas que é totalmente nova para mim foi que, diante todas as evidências que o legista Patrick Eller forneceu, os EUA retiraram a alegação de que o propósito de quebrar essa senha era esconder a identidade de Chelsea Manning.” Então, houve a retirada porque ficou demonstrado que era “um absurdo”.

“Porém, de forma mais ampla, tornei-me familiarizado com o abuso de Zakrzewsky. Isso vem de um caso de 2013 na Polônia, onde foi articulado que as evidências, ou os fatos de um caso, quando são fornecidas em acompanhamento a um pedido de extradição, devem ser justas, adequadas e precisas”.

A defesa de Assange afirma que “os EUA enganaram os tribunais do Reino Unido e os fatos centrais do caso”, sobre coisas que eles conheciam “desde a corte marcial de Chelsea Manning”.

“Eles distorceram suas próprias evidências e, finalmente, levaram o tribunal a acreditar que apenas o WikiLeaks havia publicado os telegramas não editados e omitiram todas as informações sobre o Cryptome, o Pirate Bay e centenas de outros sites nos quais essas informações foram publicadas primeiro”.

“Isso é absolutamente crucial, porque aponta para uma diferença entre a Lei de Segredos Oficiais e a Lei de Espionagem”.

“Portanto, é uma responsabilidade estrita no último caso, mas na Lei de Segredos Oficiais, se a informação já foi tornada pública e está disponível em todo o mundo, como estava em centenas de sites, não é uma ofensa republicá-la. E isso vem do famoso caso Spycatcher, certo?”

Vogan lembrou que o caso era tido como impossível de vencer, “mas o ministro Malcolm Turnbull apontou essa diferença entre a Lei de Espionagem e a Lei de Segredos Oficiais”. “Então essa foi uma prova absolutamente crucial, porque de fato, sonegada, não revelou que havia dupla incriminação”, destacou.

JUÍZA ARBUTHNOT MENTIU

Butlin lembrou que Vanessa Baraitser era magistrada júnior e agora foi elevada ao Tribunal da Coroa, e que tinha como chefe Emma Arbuthnot, que era a principal magistrada do Tribunal de Magistrados de Westminster e estava orientando Baraitser.

Na minha opinião, acrescentou Butlin, Emma Arbuthnot “mentiu deliberadamente no tribunal sobre o caso Julian Assange. E digo isso porque ela presidiu os trâmites do caso de Julian Assange em janeiro e fevereiro de 2018, para se negar a rescindir o mandado de prisão contra Julian Assange, emitido em 2012, quando ele entrou na embaixada do Equador em busca de asilo político”.

“Assim, a própria essência da violação das condições de fiança tornou-se o pretexto para toda essa vigilância durante todos esses anos. Mesmo depois que o caso sueco foi encerrado, a investigação preliminar foi encerrada em 2017, eles continuaram a manter a validade do mandado de prisão. E em janeiro de 2018, sua equipe jurídica o levou ao Tribunal de Magistrados de Westminster, contestando e desejando rescindi-lo”.

“Foi Emma Arbuthnot quem deixou muito claro que eles continuariam considerando válido o mandado de prisão contra Julian Assange. E parte da apelação deixa claro que Assange buscou asilo político para proteger sua vida e trabalho da perseguição pelos Estados Unidos e potencial extradição”.

“Na época, as preocupações de Julian Assange sobre a extradição foram descartadas como paranoia” e ele foi tratado como se fosse alguém que estava usando a extradição dos EUA como desculpa para evitar enfrentar os fatos na Suécia.

Foi Arbuthnot quem bancou que “não havia risco de extradição, não havia pedido de extradição”. “Ela ocultou do tribunal naquele exato momento que ela mesma havia assinado um mandado de prisão no outono de 2017 para prender Julian Assange, com base no envio de uma nota diplomática pela Embaixada dos Estados Unidos ao Ministério do Interior, que é o primeiro passo para solicitar a extradição. Ela mentiu. Ela mentiu”.

Está – destacou Butlin – no Twitter desde a decisão de Barraister em janeiro de 2021 “porque ela faz menção a esta nota diplomática que havia sido emitida. Vanessa Baraitser revela que Arbuthnot está mentindo no tribunal. Eu não sei como eles podem se safar disso”.

DIREITOS HUMANOS DE ASSANGE

“O que eles tentaram fazer foi cancelar Julian, torná-lo uma não-pessoa onde ele não tem direito aos direitos humanos. Seus direitos humanos não existem. Ele está se tornando o boneco de pano do Estado que pode ser chutado e tratado sem qualquer proteção. Mas isso não tem como se sustentar, a campanha deu grandes passos. E se as pessoas desejam manter sua legitimidade e a alegação de que a Grã-Bretanha e os EUA são democracias, teremos que defender a lei e teremos que parar com essa loucura”, disse Butlin.

“Você está certa no que disse antes, que eles querem impedi-lo de cumprir um papel potencial no Tribunal Penal Internacional e em outros lugares. Entre as muitas inovações do WikiLeaks, está o fato de que eles estão produzindo documentos originais de dentro do governo, que são 100% autenticados. Esta é uma posição única para esses documentos serem usados ​​no tribunal, assim como os vimos sendo usados ​​pelos chagossianos”.

A BASE NAVAL DE DIEGO GARCIA

A questão da Ilha Chagos é que a Grã-Bretanha promoveu uma limpeza étnica de sua população para implantar a base de Diego Garcia, que opera junto com o Pentágono no oceano Índico. “Você conhece bem a luta dos chagossianos para retornar à sua terra natal. E você está familiarizado com o uso de um telegrama do WikiLeaks na Suprema Corte britânica, que decidiu a seu favor com base neste documento”.

Vogan destaca outro ponto da apelação, a defesa do artigo 7 da Convenção Europeia de Direitos Humanos que, assinala, é semelhante “à Quinta Emenda da Constituição Americana”.

“É sobre um crime ter que ser previsível. As pessoas devem ser avisadas de que algo é um crime. E tanto o Artigo 7 quanto a Quinta Emenda deixam isso claro. Na verdade, como o advogado constitucional Bruce Afran apontou não faz muito tempo, não há nada na Lei de Espionagem, nada em sua redação que deixe claro para um jornalista estrangeiro que se você publicar alguma informação confidencial americana, você responderá por processo judicial”. “Não há absolutamente nada no enunciado”.

PROCESSO CONTRA UM JORNALISTA

“Mas eles não deixaram isso claro no texto para as pessoas no exterior. E, claro, isso é totalmente sem precedentes – o processo de um jornalista nos Estados Unidos ou os Estados Unidos processando um jornalista estrangeiro”, ressaltou Vogan.

“Não há precedente para isso. E também é inédito no Reino Unido, como aponta a defesa. Eles tentaram algumas vezes, mas nunca aconteceu de verdade”.

Em 1971, repórteres e editores do The Sunday Telegraph foram processados sob a Lei de Segredos Oficiais de 1911 por publicarem documentos do Ministério das Relações Exteriores sobre a política britânica na guerra civil na Nigéria. O governo perdeu no julgamento porque o material foi apenas embaraçoso para o governo.

EUA DISTORCEU EVIDÊNCIAS AO TRIBUNAL

“Portanto, um crime deve ser previsível. Você tem que saber que é crime. Portanto, a defesa do Artigo 7 também é muito poderosa. Mas o abuso de Zakrzewsky, onde ficou estabelecido que quando há um pedido de extradição, o pedido deve ser acompanhado de informações adequadas, justas e precisas”.

“E aqui a defesa apontou que os EUA retiveram muitas informações que tiveram desde a corte marcial de Chelsea Manning. Então são 11 anos. Eles distorceram suas próprias evidências para obter essa extradição. E não há como o Tribunal Europeu de Direitos Humanos ignorar isso”.

Butlin se referiu à situação de Assange por expor a verdade: confinado numa cela de dois metros por três sem acesso aos vídeos, ao seu ofício, tentando sobreviver. “Feliz aniversário para Julian e obrigado. Obrigado pelo WikiLeaks e obrigado por sua coragem e obrigado por seu sacrifício”, ela saudou, considerando a luta contra a extradição de Assange a “batalha do século”.

Concordando, Vogan lembrou Chelsea Manning, que disse que “ser capaz de discernir o que é verdadeiro provavelmente será o maior problema das próximas duas décadas”. A apresentadora chamou a instaurar regras sólidas para que “não haja essa capacidade de, como dizem os britânicos, fazer as coisas desaparecerem”.

“As pessoas olharam para o que o WikiLeaks estava fazendo, olharam para a matéria-prima, podendo decidir por si mesmas”, disse Vogan. “Continuo esperançosa e positiva. Nós vamos ganhar isso. Como o próprio Julian previu”, despediu-se Butlin.

Fonte: Papiro