Jens Stoltenberg, secretário-geral da Otan | Foto: Olivier Matthys/AP

O secretário-geral da aliança imperial Otan, Jens Stoltenberg, reagiu à indignação causada em boa parte do mundo pela queima do Alcorão – o livro sagrado da fé islâmica – na capital da Suécia, dizendo que “não é ilegal”, embora dizendo entender a “emoção e a profundidade do sentimento que isso causa”.

A queima foi permitida pelas autoridades da Suécia – pais que se candidatou à Otan -, a pretexto da ‘liberdade de expressão’. A profanação ocorreu no dia 28 de junho, primeiro dia do Eid al Adha ou Festa do Sacrifício, uma das festividades mais importantes do mundo muçulmano. O fanático Salwan Momika teve permissão das autoridades suecas para untar com banha um Alcorão, antes pisoteado, e em seguida atear fogo, na frente de uma mesquita na capital sueca e sob proteção policial.

Para Stoltenberg, tais ações – queimar o Alcorão – “não são necessariamente ilegais em sistemas jurídicos soberanos”, embora o sacripanta admita que possam ser “ofensiva e censuráveis”.

O mestre de cerimônias da Otan – quem manda mesmo na aliança bélica é um general norte-americano – disse ainda defender “o direito de discordar”, já que isso também faz parte da liberdade de expressão. A declaração foi feita na conferência de Imprensa conjunta com o primeiro-ministro búlgaro Nikolai Denkov na sede da Otan em Bruxelas.

À guisa de álibi, o primeiro-ministro sueco, Ulf Kristersson, qualificou de “inapropriada” a profanação, não sem antes defender a permissão concedida para a queima do Alcorão.

Se em algum recanto do sul global, algum extremista tivesse queimado uma bíblia cristã ou danificado um candelabro judaico, estaria sendo execrado pela mídia ocidental – o que seria justo e merecido -, mas quando é a fé alheia, aí alegam cinicamente que se trata de “liberdade de expressão”.

A ofensa causou reação imediata das pessoas de bem no mundo e, claro, de parte de mais de 50 países que professam majoritariamente a fé no Alcorão, e que compreendem 1 bilhão de pessoas aproximadamente.

ATO DESPREZÍVEL

No Iraque, manifestantes invadiram brevemente a Embaixada da Suécia na zona verde de Bagdá, em protesto. O presidente turco Recep Tayyip Erdogan – de cujo voto depende a entrada da Suécia na Otan – chamou a queima do Alcorão de “desprezível”.

“Os inimigos do Islã e da humanidade tentam escurecer este clima com provocações protegidas pela polícia. O desprezível ataque na Suécia é um deles. Quem permite que isso aconteça e quem consente com esse ato desprezível não poderá realizar suas ambições”, afirmou.

Ancara instou Estocolmo a tomar medidas concretas para levar as barras dos tribunais as pessoas envolvidas na queima do Alcorão. “Esta provocação não tem nada a ver com a liberdade de expressão. Exortamos as autoridades suecas a tomarem medidas concretas. A ação não tem nada a ver com a democracia, pelo contrário, é um golpe contra a democracia, contra os valores democráticos”, disse o vice-presidente da Turquia, Jevdet Yilmaz.

Também o candidato das oposições derrotado na última eleição, Kemal Kilicdaroglu, chamou de “vergonhoso” o silêncio das autoridades suecas e condenou essa violência “que incita o ódio em vez de promover o amor e a paz entre raças e religiões”.

Por sua vez, o Marrocos retirou seu embaixador da Suécia indefinidamente em protesto contra a queima do livro sagrado muçulmano. As autoridades do país consideraram “inaceitável” permitir a zombaria contra os muçulmanos, o que está além de quaisquer “posições políticas e divergências que possam existir”.

“O governo e o povo da República Islâmica do Irã, como outros muçulmanos e progressistas do mundo, não vão tolerar esse tipo de insulto e o condenam veementemente”, disse o porta-voz do Ministério das Relações Exteriores iraniano, Naser Kanani.

A profanação dos livros sagrados, continuou, evidencia “uma retórica de violência e ódio” e é contrária aos valores dos direitos humanos. Kanani descreveu como “provocativa, imprudente e inadmissível” a decisão da Suécia de permitir um ato de desacato ao Alcorão.

RACISMO E INTOLERÂNCIA

“É um ato vergonhoso que ofende os sentimentos dos muçulmanos em todo o mundo no primeiro dia do Eid al Adha”, disse o Ministério das Relações Exteriores do Egito. O comunicado apelou ao Governo da Suécia e demais Estados europeus para que evitem incitar crimes de ódio e defendam a tolerância e a convivência pacífica entre as diferentes comunidades.

A queima do Alcorão foi condenada veementemente pelo governo de Jakarta. “A Indonésia condena veementemente o ato provocativo de queimar o Alcorão por um cidadão da Suécia, cometido em Estocolmo em frente à Mesquita de Soedermalm, durante a celebração do Eid al Adha”, diz um comunicado da chancelaria indonésia. “Liberdade de expressão significa respeitar os valores e convicções de outras religiões. A Indonésia e os países membros da OIC [Organização para a Cooperação Islâmica] expressaram seu protesto por ocasião deste incidente”, acrescentaram.

Também o parlamento russo e o presidente Vladimir Putin rechaçaram a ofensa aos muçulmanos. Durante uma visita à Mesquita Juma de Derbent, depois que o mufti lhe deu um Alcorão de presente, Putin disse que se trata de “um santuário para os muçulmanos e para todos os outros. Sabemos que noutros países (…) o sentimento religioso das pessoas não é respeitado e, além disso, dizem que não é crime. No nosso país, é crime”, frisou o presidente.

“As autoridades suecas deram permissão [para o protesto] sabendo de antemão que um crime visando ofender os sentimentos de milhões de crentes em todo o mundo e incitar o ódio étnico seria cometido”, disse comunicado da Duma. Os parlamentares russos “condenam veementemente outro ato de vandalismo” aprovado pelas autoridades suecas. A profanação de itens sagrados não tem nada a ver com a liberdade de expressão e religião e com os princípios da democracia.”

Segundo Washington, a queima do Alcorão não afeta a adesão da Suécia à Otan. Para Vedant Patel, vice-representante do Departamento de Estado, a Suécia compartilha os valores da Aliança do Atlântico Norte e Washington continua acreditando que Estocolmo precisa se tornar membro do bloco o mais rápido possível. Admitindo que queima e difamação de textos religiosos pode ser “profundamente desrespeitosa”, ele observou que ações que podem ser legítimas “não precisam ser apropriadas”.

Fonte: Papiro