Cada bomba de fragmentação espalha pequenas granadas que causam mutilação e morte de civis | Foto: Twitter

A China se manifestou na segunda-feira (10) contra a decisão da Casa Branca de fornecer bombas de fragmentação – também chamadas de ‘munição cluster’ – ao regime de Kiev, oposição expressa até mesmo pela Alemanha, Grã-Bretanha, Itália, Canadá, Espanha e Nova Zelândia. A ONU, a Cruz Vermelha Internacional e a Anistia Internacional também se pronunciaram contra.

“A China notou que a decisão dos EUA causou preocupação generalizada na comunidade internacional. Muitos países expressaram explicitamente sua oposição a isso. A entrega irresponsável de munições cluster pode facilmente causar problemas humanitários”, disse a porta-voz da chancelaria chinesa, Mao Ning.

As bombas de fragmentação, uma vez lançadas, se abrem no ar, espalhando muitas mini-bombas em uma ampla área, que podem mutilar e matar civis e que, quando não detonadas, representam um perigo por anos. Analistas militares confirmam que um alto percentual delas não explode no impacto, fazendo do território atingido um campo minado. Acordo apoiado por 123 países, assinado em 2008, proibiu seu uso.

A porta-voz chinesa chamou a parar “de jogar mais lenha na fogueira e de agravar ainda mais a crise na Ucrânia”. Na sexta-feira, a confirmação do envio de bombas de fragmentação foi feita pelo próprio presidente Joe Biden, que alegou que Kiev e os EUA estariam ficando sem munição, acrescentando que isso seria feito até que os Estados Unidos “produzam mais munições de 155 mm”, de acordo com a CNN.

CÚPULA DA OTAN

O anúncio foi feito às vésperas da cúpula da Otan na Lituânia, que ocorre dias 11 e 12, em que as notícias não são propriamente animadoras para o regime de Kiev, nem para seus mestres de Washington e Bruxelas.

Segundo Biden, foi uma decisão “muito difícil”. “Decidi que eles precisam disso”, disse o chefe da Casa Branca, segundo o qual a questão principal é se a Ucrânia “tem as armas para parar os russos agora, para impedi-los de parar a ofensiva ucraniana, ou não” – e os civis, ora os civis, são só um “detalhe”.

Além das bombas de fragmentação, Washington está enviando mais mísseis, mais baterias antiaéreas Patriot e 64 blindados, entre Bradleys e Strykers, no valor de US$ 800 milhões, no 42º pacote de “ajuda” ao regime de Kiev, que já totaliza US$ 40 bilhões só em armas.

Como lembrou a líder pacifista Medea Benjamin, fundadora do CodePink,”o ímpeto para a histórica Convenção da ONU sobre Munições Cluster de 2008 veio precisamente do uso indiscriminado dessas armas pelos EUA no Sudeste Asiático nas décadas de 1960 e 1970. No Laos, os militares dos EUA cobriram o país com quase 300 milhões de bombas, muitas das quais não detonaram imediatamente, apenas para mais tarde – depois que os EUA se retiraram do Sudeste Asiático – mutilaram adultos e crianças que pisaram acidentalmente nas bombas de fragmentação ou pegaram as bolas brilhantes pensando que eram brinquedos”. Foi o que se repetiu na Iugoslávia, Afeganistão, Iraque e outros paises que se tornaram alvo da ira imperial.

A decisão de usar as bombas de fragmentação na Ucrania também sofreu a condenação de quarenta organizações de direitos humanos, de parlamentares democratas e republicanos e até de editorial do The New York Times.

“A decisão do presidente Biden de enviar munições cluster para a Ucrânia indignou a maioria dos democratas”, disse o New York Times. Os democratas – registra o editorial – acusam o governo dos EUA de “tomar uma decisão hipócrita que põe em risco” a autoridade do país.

“Enviar munições cluster para a Ucrânia equivale a uma clara escalada de um conflito que já se tornou muito violento e destrutivo. Mas um problema maior é o uso de armas, que foi condenado pela maior parte do mundo, incluindo a maioria dos aliados mais próximos dos Estados Unidos. (…) A chuva de bombas pode dar à Ucrânia uma vantagem militar a curto prazo, mas não será decisiva e não compensará os danos causados à população civil da Ucrânia agora e provavelmente às gerações futuras.”

Em um comunicado, a US Cluster Munition Coalition disse estar “horrorizada com a decisão do presidente Biden de transferir essas armas proibidas e pede que ele reconsidere, dados os significativos riscos humanitários, de direitos humanos e políticos envolvidos”.

“A decisão do governo Biden de transferir munições cluster para a Ucrânia é desnecessária e um erro terrível”, disse a deputada Betty McCollum (D-Minn.), membro graduado do Subcomitê de Dotações da Câmara para a Defesa. “O legado das bombas de fragmentação é miséria, morte e limpeza cara gerações após seu uso.” “Essas armas devem ser eliminadas de nossos estoques, não despejadas na Ucrânia”, acrescentou.

Os senadores democratas Patrick Leahy e Jeff Merkley denunciaram que o uso de bombas de fragmentação irá exacerbar o já devastador impacto do conflito sobre os civis. “Sabendo que essas armas causam terror e caos indiscriminados, nós dois – e muitos outros na comunidade internacional – trabalhamos há anos para acabar com seu uso”, escreveram os senadores no The Washington Post.

Por sua vez, o portal Common Dreams revelou que Biden está violando até mesmo uma determinação, na lei de financiamento do Pentágono, que proíbe o uso de bombas de fragmentação com taxa de falha superior a 1%.

No caso da principal munição em consideração por Washington para entrega a Kiev, o projétil de artilharia M864, a taxa de falha é de 6%, de acordo com a última estimativa publicamente disponível do Pentágono, de mais de 20 anos, segundo o Washington Post.

O que significa que “pelo menos quatro de cada uma das 72 submunições que cada projétil carrega permaneceriam sem explodir em uma área de aproximadamente 22.500 metros quadrados – aproximadamente o tamanho de 4½ campos de futebol”.

No ano passado, o Serviço de Pesquisa do Congresso descobriu que “a taxa real de falha é maior do que o Pentágono afirma”:

“Parece haver discrepâncias significativas entre as estimativas de taxa de falha. Alguns fabricantes afirmam uma taxa de falha de submunição de 2% a 5%, enquanto os especialistas em desminagem frequentemente relatam taxas de falha de 10% a 30%. Vários fatores influenciam a confiabilidade da submunição. Isso inclui técnica de entrega, idade da submunição, temperatura do ar, pouso em solo macio ou lamacento, ficar preso em árvores e vegetação e submunições danificadas após a dispersão ou pouso de maneira que suas espoletas de impacto não sejam iniciadas”.

“O Pentágono afirma que a munição que fornecerá tem uma taxa de insucesso menor. Mas nunca produziu dados de testes que apoiassem suas afirmações”.

De acordo com portal Moon of Alabama, Biden contornaria esse limite legal de 1% de falha e o Congresso, conforme uma fonte da Casa Branca, por meio de uma cláusula raramente usada da Lei de Assistência Externa, que permite ao presidente fornecer ajuda, independentemente de dotações ou restrições à exportação de armas, desde que ele determine que é do “interesse vital” da segurança nacional dos EUA.

ZAKHAROVA DENUNCIA

O anúncio também foi repudiado pela porta-voz do Ministério das Relações Exteriores russo, Maria Zakharova, que denunciou que “ao abastecer a Ucrânia com esse tipo de bombas, banidas em 123 países, os EUA se tornarão cúmplices e transformarão o território ucraniano em campo minado”.

Segundo Zakharova, a decisão do governo Biden nada mais é do que “uma tentativa cínica de prolongar a agonia das atuais autoridades ucranianas sem levar em conta as baixas civis” e uma manifestação flagrante de seu intento de esticar o conflito “até o último ucraniano”.

Para a porta-voz russa, esta é uma decisão desesperada diante do fracasso da tão propagandeada “contraofensiva” do regime de Zelensky. “É um envolvimento cada vez mais profundo dos EUA e dos seus satélites nas hostilidades”, acrescentou.

Em relação às promessas ucranianas sobre um eventual “uso cuidadoso de bombas de fragmentação”, a representante russa disse que são declarações completamente inúteis e que, evidentemente, penalizarão os civis.

Afinal, explicou, são bombas que “podem permanecer sem detonar por muito tempo e explodir após o fim das hostilidades”, como aconteceu no Iraque e em outras regiões do mundo, espalhando destruição, mortes e mutilações.

“A comunidade internacional não tem o direito de ignorar esses fatos óbvios e deve responder adequadamente a eles”, enfatizou Zakharova, para quem a “arma milagrosa” com que os EUA apostam sem pensar nas consequências não afetará o curso da operação militar especial russa.

Fonte: Papiro