Empresa foi punida por ter promovido ações anônimas em redes sociais contra mobilização sindical dos entregadores, por meio de agências de publicidade

Postagens da página criada pela agência de publicidade para interferir no movimento dos entregadores

A empresa de aplicativo de entregas Ifood, assim como agências de publicidade a serviço da empresa, assinaram um compromisso com o Ministério Público Federal (MPF) e o Ministério Público do Trabalho (MPT) em que se comprometem a promover ações em favor dos direitos trabalhistas e do respeito ao direito de informação dos seus entregadores.

O Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), assinado na última sexta-feira (7), ocorre em decorrência de reportagem da Agência Pública que revelou que o Ifood contratou as agências de publicidade Benjamim Comunicação e a Promove Serviços de Propaganda e Comunicação (Social QI) para desmobilizar o movimento de organização dos entregadores, suas greves, além de desmoralizar seus líderes. Os profissionais reivindicavam melhores condições de trabalho.

De acordo com a reportagem fartamente documentada por fontes das próprias agências, as contratadas criaram perfis falsos, páginas falsas, se infiltravam em grupos de mensagens de entregadores e até nas manifestações, e se passavam por entregadores do Ifood para questionar nas redes sociais as reivindicações dos trabalhadores. Fingindo ser a voz dos trabalhadores, geraram desinformação, confundindo a mobilização.

A matéria, que pode ser lida aqui, foi a base para a investigação do MPF.

As ações da empresa com as agências visavam desviar o foco da reivindicação das greves, através de mobilizações divergentes. Nas redes sociais, proliferaram memes engraçados e na linguagem dos motoqueiros para fortalecer a narrativa da empresa, inclusive com impulsionamento pago. A estratégia é comparada com as do “gabinete do ódio” dos Bolsonaros. A reportagem acessou relatórios de entrega, cronograma de postagens, vídeos, atas de reuniões das agências e trocas de mensagens comprovando a estratégia.

As investigadas assumiram a relação comercial entre si, para fins de monitoramento e campanhas na internet, mas negam as ilegalidades. O iFood e a Benjamin dizem que não compactuam com o uso de perfis falsos, geração de informações falsas, automação de publicações por uso de robôs ou compra de seguidores. 

Compromissos

Postagens da página criada pela agência de publicidade para interferir no movimento dos entregadores

O TAC prevê obrigações do iFood para assegurar a liberdade sindical e os direitos de greve e de negociação coletiva dos entregadores. 

“Esses direitos são fundamentais, sendo parâmetros mínimos, previstos na Constituição Federal e em tratados internacionais de direitos humanos, para que os trabalhadores tenham meios de promover a sua organização, fomentar a solidariedade entre os membros do grupo e expressar adequadamente a voz coletiva de seus integrantes”, destaca o procurador do Trabalho Renan Kalil.

O iFood deverá ainda financiar pesquisas e projetos, no valor de R$ 6 milhões, que analisem as relações de trabalho com entregadores, o mercado publicitário e de marketing digital, e a responsabilidade social dos controladores de plataformas.

“Para que tenham seu direito à informação respeitado, os cidadãos precisam saber se é uma empresa que está postando determinado conteúdo na Internet, em qual contexto e para qual finalidade. Isso é especialmente importante para que eles possam formar livremente sua opinião sobre assuntos de relevância pública e, a partir disso, exercer outro direito fundamental: a liberdade de expressão, que deve ser isenta de interferências indevidas ou ocultas”, destacou o procurador da República Yuri Corrêa da Luz.

Segundo o TAC, o iFood ficará proibido de divulgar, pelos próximos seis meses, anúncios, propagandas e campanhas publicitárias sobre supostas medidas adotadas pela empresa para promoção de direitos fundamentais e trabalhistas. 

“O objetivo é impedir a publicação, no curto prazo, de informações que possam se mostrar inverídicas ou imprecisas sobre a postura da empresa em relação às demandas de interesse social como as que foram alvo de investigação”, disse o MPF em nota.

O Ifood informou que cumprirá os termos do TAC, porque estão alinhados com seus valores e princípios, apesar de toda a denúncia revelando o contrário. O Ifood nega ter cometido as condutas investigadas em nota da assessoria de imprensa.

“Celebramos o acordo porque as obrigações assumidas pelo iFood no TAC estão alinhadas com nossos valores e princípios, em especial a promoção de um ambiente de maior transparência nas redes sociais, o respeito ao direito de manifestação e de associação dos entregadores e o investimento em pesquisas que colaborem com o desenvolvimento sustentável do país”, disse, em nota, o diretor jurídico da empresa, Lucas Pittioni.

As agências de publicidade Benjamim Comunicação e a Promove Serviços de Propaganda e Comunicação (Social QI) não se manifestaram sobre a investigação e os compromissos assumidos.

(por Cezar Xavier)