Apesar de chiadeira, taxação de super-ricos tem respaldo popular
Pauta fundamental para que o país possa enfrentar a desigualdade social e melhorar as contas públicas, a taxação de super-ricos está no radar do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva neste próximo período. Embora, claro, encontre resistência entre os endinheirados, a proposta, além de justa, tem respaldo popular e mostra-se cada vez mais necessária diante da piora da economia do país nos últimos quatro anos.
Problema antigo nunca solucionado devido à interferência da “casta superior”, a taxação desse estrato social nunca andou, mesmo estando prevista na Constituição. Agora, o governo busca emplacar ao menos uma modalidade de imposto com esse objetivo. Conforme anunciado na semana passada, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, vai enviar ao Congresso uma proposta para taxar os fundos exclusivos de investimentos dos “super-ricos”. A ideia é que seja apresentada junto ao Orçamento de 2024, até o final de agosto.
Para viabilizar esse modelo de investimento, o rico interessado precisa aportar, no mínimo, R$ 10 milhões. Hoje, o patrimônio médio de cada fundo gira em torno de R$ 40 milhões, segundo a Fazenda. Pelas regras atuais, só há taxação via imposto de renda quando um resgate é realizado, de maneira que as movimentações internas ficam isentas.
Tais fundos exclusivos totalizam aproximadamente R$ 877,4 bilhões, segundo dados da TC/Economatica. O levantamento revela que a quantia é dividida em cerca de 2,8 mil fundos e 3,5 mil cotistas.
Em entrevista à jornalista Mônica Bergamo, da Folha de S.Paulo, Haddad destacou: “O trabalhador hoje está isento de imposto de renda, graças ao presidente Lula, até R$ 2.640. Você ganhou R$ 2.650, já paga. E uma pessoa que ganha R$ 2,64 milhões está isenta? Como um país com tanta desigualdade isenta o 1% mais rico da população? Qual vai ser o dia em que nós vamos olhar para o problema e resolvê-lo?”.
Conforme assinala o doutor em sociologia pela Universidade de Oxford, Celso Rocha de Barros no mesmo jornal, “o Brasil enfrenta uma crise fiscal terrível há muitos anos. Qualquer um que assuma a Presidência do Brasil vai ter que sair procurando de onde tirar dinheiro sem gerar uma crise social. Os pouco mais que 2.500 investidores que aplicam um total de mais de R$ 700 bilhões em fundos exclusivos provavelmente sobreviverão bem se tiverem que pagar um pouco mais de imposto. Isso não é verdade sobre a maioria dos brasileiros”.
Apesar de efetivamente essa taxação não comprometer, nem de longe, as grandes fortunas, as reações de sempre já começaram a vir. Segundo noticiou o colunista de O Globo, Lauro Jardim, a turma da Faria Lima já estaria mandando “recados ao ministro (da Fazenda) para que deixe para trás a ideia de tributar ao menos um desses ativos”.
Vale resgatar fala do dono da rede Riachuelo, Flávio Rocha, dita em 2021, para mostrar um pouco sobre como funciona a visão gananciosa de quem está no topo da pirâmide: “Queremos lutar contra a desigualdade ou contra a pobreza? Esse imposto consegue reduzir desigualdade, mas pela via não inteligente: expulsando ou empobrecendo os ricos”.
Maioria quer taxação dos ricos
Se por um lado, o governo poderá enfrentar resistências como esta, por outro, o amplo respaldo popular a esse tipo de medida pode ajudar a “convencer” parlamentares.
De acordo com pesquisa de 2022, realizada pela Oxfam Brasil em parceria com o Datafolha, 85% da população brasileira defende uma maior taxação dos mais ricos para que o Estado tenha a capacidade de financiar serviços públicos de qualidade para quem mais precisa.
“O Brasil enfrenta uma das maiores crises orçamentárias da sua história. É fundamental que aqueles que vêm sendo privilegiados há anos passem a dar sua contribuição e assumam a sua responsabilidade na reconstrução do país, para fortalecer os serviços públicos e promover sociedades mais saudáveis”, disse Katia Maia, diretora executiva da Oxfam Brasil, sobre os dados da pesquisa.
Outra pesquisa, feita pelo DataSenado e divulgada no início do ano, vai no mesmo sentido: 62% dos brasileiros concordam com a criação de um imposto específico para os mais ricos do país.
Se o Congresso souber ouvir de fato o que deseja a grande maioria da população — boa parte da qual sofre diariamente o peso das desigualdades e enfrenta a fome e a miséria —, em breve finalmente o país poderá ter alguma taxação mínima sobre os ganhos do andar superior.