Daniel Ellsberg, uma vida dedicada à Humanidade | Vídeo

Daniel Ellsberg, o lendário denunciador dos ultrassecretos ‘Documentos do Pentágono’ no governo Nixon, que expuseram que a guerra do Vietnã estava perdida e as mentiras de Washington ao povo norte-americano, morreu aos 92 anos na sexta-feira (16) junto de seus familiares.

“No início desta manhã, Daniel Ellsberg morreu pacificamente em sua casa em Kensington, Califórnia. A causa de sua morte foi câncer pancreático, diagnosticado em 17 de fevereiro”, disse a família, em comunicado.

“Ele não estava com dor e estava cercado por uma família amorosa”, continua. “Nos meses desde seu diagnóstico, ele continuou a falar com urgência à mídia sobre os perigos nucleares, especialmente o perigo de uma guerra nuclear representado pela guerra da Ucrânia e de Taiwan.”

Ex-analista da Rand Corporation e depois funcionário do Pentágono, Ellsberg havia participado da confecção do estudo de 7.000 páginas, pedido pelo então Secretário da Defesa, Robert McNamara, em 1967, que destrincha a guerra e suas causas.

Desde a tentativa fracassada dos franceses em recolonizar o Vietnã no pós-guerra e a violação pelos EUA do acordo de 1954 que proibia tropas estrangeiras até o cancelamento da eleição prevista e instauração da ditadura no sul. Completada depois pelos bombardeios, envio de centenas de milhares de soldados norte-americanos e expansão da guerra em segredo para os países vizinhos, enquanto Washington mentia ao povo norte-americano. Ao longo de quatro presidentes.

À LUZ DO DIA

Em ato de enorme coragem, Ellsberg copiou os Documentos do Pentágono e os entregou ao The New York Times, que os reproduziu, expondo as mentiras oficiais e levando alento ao movimento pelo fim da guerra e retirada do Vietnã. Tentativa do governo Nixon contra a publicação dos documentos foi barrada então pela Suprema Corte.

O regime Nixon reagiu, acusando Ellsberg de violar a Lei de Espionagem dos EUA, sob pena de até 115 anos de cárcere, o que desencadeou uma enorme batalha legal. Em 1973, o regime se viu forçado a retirar as acusações contra ele, em decorrência de irregularidades no processo e uso ilegal de informações por parte do governo.

Desde então, não houve causa progressista nos EUA que não haja sido abraçada por Ellsberg. Quando, em razão da guerra de W. Bush contra o Iraque, surgiram novos denunciantes dos malfeitos dos EUA, como o editor do WikiLeaks, Julian Assange, e Chelsea Manning, lá estava Ellsberg para prestar seu apoio. Também defendeu Edward Snowden, quando este expôs a guerra cibernética dos EUA contra a Humanidade.

As tentativas do establishment para enaltecer Ellsberg como o “bom denunciante” e higienizar suas concepções de vida e de mundo, em contraposição aos supostos “maus vazadores” dos tempos atuais, jamais o seduziram. Foi um ferrenho defensor de Assange, também como ele, ameaçado sob a Lei de Espionagem, por expor crimes de guerra dos EUA.

Desde o fim da guerra do Vietnã, Ellsberg foi preso quase cem vezes por participar de protestos contra as guerras e as condições sociais dos EUA.

CONTRA A HECATOMBE NUCLEAR

Nos anos recentes, Ellsberg dedicou suas energias a advertir contra a escalada da ameaça de hecatombe nuclear no planeta e em 2017 publicou o livro The Doomsday Machine [A Máquina do Apocalipse], que tem como subtítulo “Confissões de um Planejador de Guerra Nuclear”.

No livro, ele adverte que o pior de tudo é que o establishment da mídia militar-industrial do país se recusa a reconhecer, muito menos mitigar, a insanidade do militarismo que logicamente se dirige para a guerra nuclear. Ele compartilha sua experiência de trabalhar para o sistema do Juízo Final como um insider, para, em seguida, agir para desarmar o sistema do Juízo Final como um estranho.

Temores que a atual guerra por procuração dos EUA contra a Rússia na Ucrânia, bem como declarações de generais de alto escalão do Pentágono sobre “guerra em Taiwan em 2025” só fazem reiterar.

“ÉRAMOS O LADO ERRADO”

Em sua homenagem a Ellsberg – prestada tão logo este fez o anúncio de seu estado terminal devido ao câncer -, o jornalista e escritor Norman Salomon destaca como o establishment imperial tenta moer a verdade que o ex-analista expôs à luz do dia, para voltar a cometer tudo que este execrou. Cuja ‘reescrita’ da história da Guerra do Vietnã é o elemento chave.

“E assim, desde a decolagem final do helicóptero do telhado da Embaixada dos EUA em Saigon em 30 de abril de 1975, o significado retrospectivo da Guerra do Vietnã tem sido uma questão de intensa disputa. A rotação dominante tem sido sombria e bipartidária. ‘Fomos ao Vietnã sem nenhum desejo de capturar território ou impor a vontade americana a outras pessoas’, declarou Jimmy Carter logo após entrar na Casa Branca no início de 1977. ‘Fomos lá para defender a liberdade dos sul-vietnamitas.’

Durante a década seguinte, os presidentes ordenaram intervenções militares americanas diretas em uma escala muito menor, embora as razões fossem igualmente mentirosas. Ronald Reagan ordenou a invasão de Granada em 1983 e George HW Bush ordenou a invasão do Panamá em 1989.

No início de 1991, o presidente Bush proclamou triunfalmente que a relutância em usar o poderio militar dos EUA depois da Guerra do Vietnã havia finalmente sido vencida. Sua exultação veio após uma guerra aérea de cinco semanas que permitiu ao Pentágono matar mais de 100.000 civis iraquianos.

‘É um dia de orgulho para a América’, disse Bush. ‘E, por Deus, nós chutamos a síndrome do Vietnã de uma vez por todas.’

Duas décadas depois — proferindo o que a Casa Branca intitulou ‘Comentários do Presidente na Cerimônia de Comemoração do 50º Aniversário da Guerra do Vietnã’ — Barack Obama nem mesmo deu a entender que a guerra dos EUA no Vietnã foi baseada em fraude.

Falando em maio de 2012, depois de ter mais do que triplicado o número de soldados americanos no Afeganistão, Obama disse: ‘Vamos resolver nunca esquecer os custos da guerra, incluindo a terrível perda de civis inocentes – não apenas no Vietnã, mas em todas as guerras.’ Momentos depois, Obama afirmou categoricamente: ‘Quando lutamos, o fazemos para nos proteger porque é necessário’.”

Essas mentiras – conclui Salomon – “são o oposto do que Daniel Ellsberg tem iluminado por mais de cinco décadas. Ele disse sobre a Guerra do Vietnã: “Não é que estivéssemos do lado errado; éramos o lado errado”.

Fonte: Papiro