Fundada em 1946, a EDF é sustentáculo da economia francesa desde o pós-guerra | Foto: Benjamin Polge-Hans Lucas/AFP

A EDF voltou a ser 99,9% de propriedade do Estado francês, depois de ter ações negociadas em bolsa desde 2005. A medida havia sido anunciada em julho do ano passado. Na quinta-feira passada (8), as ações da EDF foram retiradas da Bolsa de Valores de Paris, segundo a Autoridade Francesa de Mercados Financeiros. O Estado francês já era o sócio-controlador, com 84% das ações.

Como a primeira-ministra Élisabeth Borne anunciou no ano passado na Assembleia Nacional, a recompra dos 16% restantes das ações foi para poder exercer a soberania energética – isto é, executar projetos sem ter de se ater às pressões do ‘mercado’, das agências de classificação de ‘risco’ e dos acionistas privados.

Projetos vistos pelo governo da França como “ambiciosos e indispensáveis” para o futuro do país, capazes de sustentar a opção francesa pela geração de energia nuclear e de tornar a matriz energética francesa mais sustentável.

Enquanto isso, o Brasil ainda se vê diante da herança maldita do desgoverno Bolsonaro que, na contramão do que até governos liberais como Macron estão fazendo, privatizou a nossa Eletrobrás na bacia das almas, entregando a estatal àqueles que faliram as Lojas Americanas, e ainda carimbou uma cláusula espúria para deixar o maior sócio, o Estado brasileiro, alijado das decisões.

Fundada em 1946, a EDF foi sustentáculo da reconstrução da economia francesa no pós-guerra e da eletrificação do campo, e a partir da crise do petróleo nos anos 1970 tornou-se o instrumento chave da França para instaurar a opção pela geração de energia nuclear, com a construção de um parque de 56 reatores.

Para recomprar esses 16% das ações da EDF, o governo da França gastou 9,7 bilhões de euros -aproximadamente 10,3 bilhões de dólares ou R$ 50 bilhões. Aos acionistas minoritários da EDF o governo francês pagou 12 euros por ação, o que inclui um prêmio de 53% sobre o preço de fechamento em 5 de julho, um dia antes de o governo anunciar sua intenção de reestatização. Ao “abrir” em 2005 o capital da EDF, o preço por ação era de 32 euros. Aventura bursátil que a revista de economia francesa Capital tachou de “desastrosa”.

“PROJETOS A LONGO PRAZO”

Em comunicado, o Ministério da Economia francês apontou que a renacionalização permite que o Estado “recupere o controle das atividades mais reais da nossa produção descarbonizada” e abrir “projetos a extremamente longo prazo com maior serenidade”.

Segundo o ministro da Economia, Bruno Le Maire, essa operação “dá à EDF os meios necessários para acelerar a implementação do novo programa nuclear desejado pelo presidente da República e a implantação das energias renováveis em França”.

Evocando o apego dos franceses à estratégica empresa, a primeira-ministra Borne disse à TF1 que o governo Macron queria “ter o controle total desta empresa e dar-lhe as margens financeiras para os investimentos que se espera dela”.

Para a ministra Agnes Pannier-Runache, o projeto de transição energética do governo Macron terá a EDF como “ator estratégico e central”. O que inclui a ampliação da eficácia (para redução de 40% no consumo até 2050); a descarbonização, através do forte desenvolvimento das energias renováveis; e a construção de 6 a 14 reatores nucleares de nova geração (EPR). A primeira unidade de EPR de terceira geração está prevista começar a operar entre 2035 e 2037.

O único modelo destes reatores atualmente em construção na França, em Flamanville, está com mais de dez anos de atraso. O parque de reatores existente, com cerca de 40 anos, também precisa de atualização face a problemas com corrosão e de investimentos para prolongamento da vida útil.

Como as centrais existentes já estão amortizadas, a energia é gerada a baixo custo, mas aí entram as normas da União Europeia (sistema Arenh), como parte da unificação e monopolização do mercado europeu de energia elétrica, que obrigam que 25% dessa energia de baixo custo sejam repassados às concorrentes para comercialização.

A consequência disso foi que, quando parte expressiva do parque gerador nuclear precisou de parada para manutenção, e no quadro das sanções contra a Rússia que elevaram o preço da energia, a EDF sofreu pesadas perdas ao comprar eletricidade no mercado a preços historicamente altos, tendo de vendê-la a níveis mais baratos para seus concorrentes.

O que serviu de pretexto a Borne para incluir, na motivação do governo Macron para a reestatização da EDF, a questão de tornar a França “menos dependente” do gás russo. O que só acontece por causa da submissão francesa a Washington, sua guerra por procuração contra a Rússia na Ucrânia e suas sanções, que voltam como bumerangue.

Entre os desafios enfrentados pela EDF, está o financiamento dos novos reatores, orçado em 50 bilhões de euros, quando sua dívida vai a 60 bilhões de euros.

O projeto de transição energética do governo Macron, que a ministra Agnes Pannier-Runache irá pilotar, inclui a ampliação da eficácia (para redução de 40% no consumo até 2050); a descarbonização, através do forte desenvolvimento das energias renováveis; e a construção de 6 a 14 reatores nucleares de nova geração (EPR). Um programa em que a EDF será “o ator estratégico e central”, segundo a ministra.

Líderes sindicais franceses da área da energia advertiram que os problemas da EDF são sobretudo a subcapitalização e a sub-remuneração. Eles pediram medidas para “tirar a eletricidade do mercado [e] parar o sistema Arenh”, que organiza a venda de eletricidade a baixo custo à concorrência.

EDF E ELETROBRÁS

A renacionalização da EDF repercute no Brasil pela importância da reafirmação do papel do Estado nos setores estratégicos da economia, ainda mais em tempos de mudança global. A União, que detinha 70% das ações da Eletrobrás, sob Bolsonaro encolheu sua participação para 43%. A Eletrobrás é a maior empresa de eletricidade da América Latina, sendo responsável por 30% da energia consumida no Brasil.

Uma privatização tão acintosa que a lei que a autorizou limita a 10% o direito de voto da União nas decisões da Eletrobrás. O governo do presidente Lula pediu ao Supremo Tribunal Federal (STF) que declare inconstitucional esse indecente dispositivo. No país inteiro, um coro crescente de vozes exige que a escandalosa privatização da Eletrobrás seja revogada.

Fonte: Papiro