Coronel Lawand mente à CPMI e é criticado por Jandira
O coronel Jean Lawand Junior foi acusado de tratar deputados e senadores como idiotas, ao dizer que suas mensagens de WhatsApp ao tenente-coronel Mauro Cid — ex-ajudante de ordens do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL)—, pedindo para o mandatário “dar a ordem”, visavam a persuadir manifestantes golpistas a voltar para suas casas.
Durante depoimento desta terça-feira (27) à Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI), que investiga os atos golpistas do dia 8 de janeiro, ele fez questão de defender esta tese, elaborada por sua defesa, em vez de calar-se, que era seu direito. O problema é que a leitura contínua das mensagens em contexto não permite esta interpretação, mas a de que ele incitava Bolsonaro a anunciar o golpe de estado.
Diante disso, até parlamentares bolsonaristas enfatizaram a subestimação que o coronel faz da CPMI com este argumento. A deputada federal Jandira Feghali (PCdoB-RJ) afirmou que ele tinha o direito de omitir, mas não de mentir. “O senhor não pode nos tratar como idiotas. O senhor está se comportando como se não fôssemos pessoas inteligentes. Nós não podemos engolir a sua versão”, criticou ela.
Ela ainda ironizou o fato dele repetir que escreveu as mensagens “no calor da emoção”. “Esse calor da emoção durou de 30 de novembro a 21 de dezembro. Haja emoção! Sete mensagens a cada 15 minutos”, exclamou ela. “O senhor conspirou um golpe de estado no Brasil. Basta seguir a sequência de mensagens que o senhor encaminhou ao tenente Mauro Cid. O senhor pode não ter tido força para isso, mas tentou”, acusou.
Vai ser pelo povo
Lawand foi convocado pela comissão devido ao conteúdo de mensagens trocadas com o ex-ajudante de ordens da Presidência da República do governo Bolsonaro, o tenente-coronel do Exército Mauro Cid. Nas mensagens colhidas pela Polícia Federal, o coronel pede a Cid que solicite a Bolsonaro que “dê a ordem”.
“Cidão [referência a Mauro Cid], pelo amor de Deus, faz alguma coisa, cara. Convence ele [ex-presidente Bolsonaro] a fazer. Ele não pode recuar agora. Ele não tem nada a perder. Ele vai ser preso. O Presidente vai ser preso. E pior, na Papuda, cara”, disse Lawand no dia 1º de dezembro de 2022.
Em resposta, o ex-ajudante de ordens disse que Bolsonaro não pode dar a ordem porque “ele não confia no ACE [Auto Comando do Exército]”. “Então ferrou. Vai ter que ser pelo povo mesmo”, concluiu Lawand.
Na justificativa apresentada à CPMI, o militar disse que a ideia dele era de que o então presidente Jair Bolsonaro pudesse “apaziguar” os ânimos do povo diante dos atos golpistas que pediam intervenção militar em frente aos quartéis e nas rodovias do país.
“A minha ideia, desde o começo, desde a primeira mensagem com o tenente-coronel Cid, foi que viesse alguma manifestação para poder apaziguar aquilo e as pessoas pudessem voltar às suas casas e seguirem a vida normal. O ex-presidente tinha uma liderança sobre a população, pelo menos seu eleitorado”, explicou o militar.
Falta de apoio
Jandira disse que a versão é incompatível com as palavras do coronel. “Sua versão é delirante comparada com tudo que escreveu nas mensagens a Mauro Cid”, qualificou ela.
Segundo a leitura dela, as mensagens revelam que Bolsonaro tentou, e não conseguiu, por falta de apoio. “Ainda foi fujão. Deixou todo mundo ao bel prazer. Sequer ajudou a apaziguar, porque não deu uma palavra”, descreveu ela.
Lawand ainda se esquivou de responder quem seriam os bandidos mencionados na troca de mensagens. “Quando o senhor diz ‘não vai sair nada […] entregamos o país aos bandidos’, quem são os bandidos, Sr. Jean Lawand?”, questionou a deputada.
“Deputada Jandira, como eu falei, essa mensagem foi genérica, eu não me referi a ninguém como bandido, eu não me referi a nenhuma autoridade da República, a nenhum Poder da República, a ninguém”, defendeu-se o militar. “‘Entregamos o país aos bandidos’ significa deixamos a situação correr solta, não sabemos o que vai acontecer, porque aquelas pessoas estão na rua, estão clamando, estão pedindo pra poder ter uma solução”.
A deputada insistiu, perguntando se os bandidos seriam, então, o povo, ao que Lawand declarou que sua fala foi uma “força de expressão”. Jandira lembrou que tinha acabado de ocorrer a eleição, sugerindo que ele estaria se referindo aos eleitos. Sentindo-se interrompido, ele disse: “posso responder?”, ao que Jandira disse: “o senhor já respondeu”.
Passo a passo do golpe
A deputada citou os documentos encontrados no celular de Mauro Cid, que revelam uma minuta de golpe, como o preâmbulo de Ato Institucional, embasado em uma tese do jurista Ives Gandra, que trás um passo a passo que vai de um golpe de estado para destituir o presidente eleito, estado de sítio, uma Garantia da Lei e da Ordem (GLO) e uma intervenção judiciária, inclusive com a retirada dos Ministros do TSE.
“E isso aqui estava num passo a passo claro de um golpe de Estado. Isso só não aconteceu porque, segundo o próprio Mauro Cid, Bolsonaro não tinha apoio no alto comando do Exército, mas também não tinha apoio internacional”, observou a parlamentar.
Nas mensagens trocadas entre Mauro Cid e Lawand vê-se que a escalada golpista estava avançada, com frases trocadas entre os militares como “é preciso fazer algo, o presidente vai ser preso” e “convença o 01 a salvar esse país”.
Caos social
Jandira também alinhou a fala de Lawand, de que teria que “ser pelo povo” depois que Mauro Cid recusou o pedido dele, com os acontecimentos posteriores. Ela citou as manifestações de vandalismo e violência nas ruas de Brasília, em 12 de dezembro, após a diplomação do presidente Lula, o 24 de dezembro, quando quase explode uma bomba no aeroporto de Brasília, e o 8 de janeiro. Jandira disse que “pelo povo” poderia ser traduzido como caos social. Mais uma vez, o coronel repetiu que sua frase significava apenas a tentativa de apaziguamento da revolta popular.
Jandira citou outra frase em que ele disse para Mauro Cid que Bolsonaro não podia recuar. “Então ele avançou. O que você quis dizer?”. Como em outros momentos contraditórios, Lawand disse não saber o sentido do que disse, apenas repetindo que era para Bolsonaro dar uma ordem para apaziguar os golpistas.
Jandira enfatizou novamente que Bolsonaro tentou dar o golpe. Este era o significado de tudo que o coronel nega. “Não deu certo, porque teve uma frente ampla democrática que evitou. Ele não teve apoio internacional para o golpe. Teve um Governo Federal que agiu, decretou intervenção e não permitiu. Foi por isso que não teve golpe. Mas tentaram. O presidente Lula, inteligentemente, não chamou o GLO, porque sabia o que estava fazendo, porque é um estadista experiente”, pontuou ela.
Veja como foi o depoimento e os questionamentos dos parlamentares: