Apple reinventa o futuro, e ele pertence às elites
Desde que Steve Jobs morreu em 2011, não se via a Apple lançar um produto inovador, capaz de abrir uma janela para o futuro. Este foi o caso do VisionPro, anunciado na segunda-feira (5), um headset de realidade aumentada/misturada.
O Mac (1984), o iPod (2001), o iPhone (2007), o AppleWatch (2014) nunca foram apenas produtos de hardware, mas conceitos que mudaram o modo como vivemos nosso cotidiano. Todas as outras marcas de tecnologia correram atrás do prejuízo, geralmente com resultados inferiores. Agora é a vez deste dispositivo que deve chegar ao mercado apenas em 2024, mas já foi anunciado como sistema operacional para que desenvolvedores preparem funcionalidades avançadas para seu lançamento nas lojas.
Revoluções tecnológicas por minuto
Quando os computadores eram sistemas complicados para especialistas, o Mac inventou as janelas de aplicativos, que foram popularizadas depois pela cópia do Windows de Bill Gates. Junto com o intuitivo e bonito Macintosh, veio também o primeiro mouse.
Enquanto a indústria fonográfica tentava conter a tecnologia processando todo mundo que pirateava música, a Apple inventou um modo de ganhar dinheiro com ela e tirou a indústria fonográfica do desespero. O lançamento do iTunes trouxe também filmes, exibidos na AppleTV (2007) e foi o embrião de todo tipo de streaming, como Spotify e Netflix, e resolveu de vez o drama do capitalismo cultural.
Hoje, as pessoas esquecem como uma tela de celular sensível ao toque podia ser mágica, quando a Apple inventou o iPhone. Abriu-se ali uma possibilidade de operacionalidade que nem se imaginava, com acesso à internet. Hoje temos desenvolvedores de aplicativos pelo mundo todo inventando formas diferentes e cada vez mais criativas de usar um celular.
Ainda hoje, a maioria das pessoas não tem noção do que é um smart watch. Muitos ainda acham que é só um relógio com mostradores bonitinhos e funcionalidades de um… relógio. Cada vez mais, essas pulseiras no braço se parecem com uma UTI ambulante ou um laboratório de análises clínicas, entre outras funcionalidades revolucionárias. A Apple adora exibir relatos de pessoas, pelo mundo, que tiveram suas vidas salvas pelo alerta de um AppleWatch. O aparelho monitora seu corpo e é capaz de te avisar que algo muito errado está acontecendo. Ele sente até quando o usuário tem uma queda e imediatamente liga para um telefone de emergência.
Além de tocar música, mostrar suas mensagens do WhatsApp, fazer ligações, mostrar notificações do Uber, etc. O relógio liberta o usuário do uso do celular. Espera-se que a Apple anuncie para breve um sensor de pressão arterial e um de glicemia, quem sabe até um aplicador permanente de insulina, como os pâncreas artificiais que já existem hoje…
Mas tem outros produtos derivados lançados pela empresa. É difícil imaginar o mundo sem eles. É o caso do iPad (2010) e do MacBook Air (2008), um supercomputador portátil que cabe num envelope, ou ainda os AirPods, fones de ouvido sem fio que já podem ser encontrados em todas as marcas mais baratas.
Minority Report
Pouco mais de 20 anos depois do filme Minority Report (2001), de Steven Spielberg, a Apple anuncia uma tecnologia que nos aproxima daquela realidade cotidiana exibida no filme, que espantou a todos na época, mas rapidamente se tornaram realidade.
O agente John Anderton (Tom Cruise) acessa dados e imagens em uma tela translúcida, reorganizando informações utilizando suas mãos; carros sem condutores também estão presentes no filme, além de impressoras 3D, dispositivos de reconhecimento biométrico e câmeras de vigilância espalhadas por toda a cidade. Pode-se dizer que, até os precogs do filme, já existem no modo como algoritmos de redes sociais podem antecipar nossos comportamentos, inclusive criminosos. Os dilemas filosóficos do filme sobre livre-arbítrio também já estão em discussão.
Mas as imagens mais triviais do cinema são as que a Apple nos antecipa com o Vision Pro. O equipamento decepciona de várias formas, mas também intriga pelo que promete e antecipa do futuro. É difícil dizer que vai ser mais um gadget que vai fracassar, como tantos outros.
O que a Apple mostrou foi mais que um hardware com funcionalidades. Ela exibiu um conceito de como usaremos a tecnologia no futuro. O sistema operacional visionOS vai muito além do óculos trambolho apresentado como protótipo. O evento de segunda-feira mostrou pessoas fazendo gestos no ar para navegar pelo sistema operacional que estão enxergando em cima do sofá ou no meio da cozinha.
De cara, o aparelho substitui os equipamentos mais importantes de uma casa. De uma certa forma, isso até justificaria os US$ 3.500 do alto custo do produto. Ele funciona como televisão, como computador, como monitor, como celular, entre outros equipamentos. E substitui muito melhor tudo isso. Abaixo pode-se assistir um vídeo que mostra tudo em detalhes. Interessa mais saber o que muda e para onde caminha a humanidade.
Veja a partir de 1h20m a apresentação do Vision Pro (legendas disponíveis em espanhol):
https://www.youtube.com/embed/GYkq9Rgoj8E?feature=oembedA partir de 1h20m é possível acompanhar a apresentação do Vision Pro.
Aliás, chama a atenção um objeto de consumo que substitui todos os outros. Não é a cara da Apple. Normalmente, a empresa americana nos obriga a comprar mais, sempre mais. Nesse exemplo, ela fez uma parceria com as lentes alemãs Karl Zeiss, para quem tem miopia ou outros problemas oculares, já receber seu produto com a graduação de miopia certa.
Prótese corporal
O objeto frustra por ainda ser um trambolho pesado que se coloca no rosto, pode esquentar, tem bateria limitada e deve cansar os olhos com o tempo. Frustra também pelo preço de nicho. Nem a classe média poderá experimentar o aparelho tão cedo, como não ocorreu com os outros equipamentos. No Brasil, deve chegar com preço perto de R$ 40 mil.
Mas é muito mais avançado e promete qualidades que nenhum outro óculos de realidade aumentada foi capaz de cumprir. Os óculos de hoje, no mercado, são brinquedos de plástico perto do artefato futurista da Apple.
O Vision Pro pretende ser uma prótese tecnológica para o corpo, que usaremos para absolutamente tudo. Ele permite interagir com a realidade e com o metaverso, simultaneamente, enquanto outros óculos isolavam o indivíduo.
A partir de seu sistema operacional, é possível imaginar óculos mais leves com hardware ainda mais miniaturizado, que se pode usar no meio da rua, inclusive. Ou ainda, quem sabe, lentes de contato como se viu na série Black Mirror, da Netflix. No momento, o que é possível colocar no rosto são óculos com muitas lentes, 12 câmeras, várias caixas de som, dois processadores avançados, etc, etc.
O que se imagina, por enquanto, é um mundo de cinema, em que apenas gente muito rica terá condições de usufruir, por muito tempo. No Brasil, em que a maioria da população sequer tem acesso a um plano decente de internet móvel, ver hologramas 3D vivos no meio da sala falando com você é algo inimaginável.
O aparelho faz uma leitura 3D do globo ocular, que é o meio de ativar todas as funcionalidades. Para nós, brasileiros, acostumados que estamos com todos os golpes que surgem com novas tecnologias, resta saber se, como a cena de Minority Report, não vão arrancar nossos olhos para poder abrir o dispositivo eletrônico. Ou pior, se não vamos ter que arrancar os olhos para não ser vigiados.