"Precisamos vencer a dependência econômica", afirma Cristina na Praça de Maio | Foto: Reprodução

Duas décadas depois da posse de seu companheiro, Néstor, Cristina Fernandez de Kirchner (CFK) voltou à Praça de Maio no centro de Buenos Aires, na tarde de quinta-feira (25), para homenagear o ex-presidente com uma mensagem de unidade para todos os argentinos que, enfrentando chuva e trovões entoaram “Pátria sim, colônia não!”

Cristina tem recebido o apoio de amplos setores peronistas que reivindicam sua candidatura para que ela volte à Casa Rosada como já o fez por dois mandatos (de 2007 a 2015).

“Chega de pedir para o outro fazer coisas que a gente não está disposto a fazer. Tem que romper o que precisa ser rompido e todo mundo tem que fazer”, frisou.

A líder apontou os quatro eixos que o programa de governo peronista deve contemplar: a necessidade de rever o famigerado acordo com o Fundo Monetário Internacional (FMI), fortalecer o protagonismo do Estado, com parcerias com o setor privado; defender a democracia e reformular o Judiciário.

Passado somente um mês do fechamento das listas eleitorais [em que se apresentaram as candidaturas para as disputas internas], dentro de um cenário em que demarcou seu protagonismo, estampou ao seu lado os líderes dos mais amplos setores do partido governista. Sem falar em nomes, postou na linha da frente os presidenciáveis: o ministro da Economia, Sergio Massa; o ministro do Interior, Eduardo “Wado” de Pedro, e o governador da Província de Buenos Aires, Axel Kicillof.

No palco estava seu filho e líder do La Cámpora, Máximo Kirchner, com seus filhos – netos de Cristina-; sua cunhada e governadora de Santa Cruz, Alicia Kirchner; o governador de La Rioja, Ricardo Quintela; os membros do gabinete de Néstor, Nilda Garré, Carlos Zannini, Daniel Filmus e Oscar Parrilli; prefeitos da Grande Buenos Aires; Hugo Yasky, da Central de Trabalhadores da Argentina (CTA) e Pablo Moyano da Central Geral de Trabalhadores (CGT); Juan Grabois, da Frente Pátria Grande; Estela de Carlotto, das Avós da Praça de Maio, e Taty Almeida, das Mães da Praça de Maio, entre outras inúmeras lideranças dos movimentos sociais e da intelectualidade.

Inicialmente, Cristina falou sobre o governo de Néstor Kirchner, recordando que “Nestor decidiu, juntamente com o companheiro Lula da Silva, pagar a dívida com o FMI em dinheiro”, enquanto a oposição “entregou um país endividado, com desemprego de dois dígitos”.

Nesse momento, a líder argentina também fez uma defesa do governo de Alberto Fernández, do qual é vice-presidente, demonstrando que “apesar dos erros, enganos ou diferenças, é infinitamente melhor do que um outro de Macri teria sido”. Antes, havia questionado que há crescimento no país, mas que vem sendo tomado de assalto por quatro espertalhões. “Para distribuir renda, muitas vezes você tem que fazer cara feia para quem tem muito. Ou por que creem que no meu segundo governo conseguimos chegar a 51% de aprovação? Por que acham que eles me odeiam e me perseguem? Porque nunca fui deles nem serei, façam o que fizerem: queiram me matar, prender, nunca serei deles! Eu sou do povo!”, enfatizou.

Enquanto isso, a multidão voltou a entoar: “Cristina presidente!” e repetir: “Mais um! Mais um!”. No entanto, CFK ressaltou que a tarefa é outra: “É preciso fazer organização, aprofundar o enraizamento nos sindicatos e nas fábricas. E uma só pessoa não pode. Deve haver quadros que assumam o cargo e executem o programa de governo que a Argentina precisa”. E, então, destacou os quatro eixos do programa a ser implementado para desenvolver o país.

Primeiro, deixou claro Cristina, é preciso romper com a camisa de força do FMI, “deixando de lado este programa que ele impõe a todos os seus devedores”, a fim de que “nos permita desenvolver o nosso próprio programa de crescimento, industrialização e inovação tecnológica”. Sem isso, frisou, “será impossível pagá-lo”. Com essa compreensão, defendeu a necessidade da união da sociedade como um todo para esclarecer que “foi um empréstimo político e política também tem que ser a solução”. Sobre o pagamento da dívida, acrescentou: “Em todo caso, deveriam atrelar isso a um percentual das exportações, mas parem de querer dirigir a política e frear a industrialização do país e nos transformar apenas em fornecedores de matérias-primas”.

Em segundo lugar, apontou para o papel do Estado, com “uma aliança entre o público e o privado”, a fim de regular recursos estratégicos como o lítio e o gás de Vaca Morta, [campo localizado na província de Neuquém, Oeste da Patagônia, com produção atual de 78 milhões de metros cúbicos de gás e 304 mil barris de petróleo por dia – e capacidade de superar os 1,3 milhões em 2033], mas sem perder a soberania nacional. Ironizando os que criticam a possibilidade de repetir no país a experiência da Bolívia e do Chile que anunciaram o lítio como recurso estratégico, condenou de forma enérgica: “Mas que vocação de colônia, irmão! Que vocação para ser Potosí de novo. Coloque na cabeça ser Malásia, ser Coreia, mas, por favor, não seja Potosí de novo!”. A multidão respondeu com um mar de aplausos.

Sobre o terceiro ponto, o pacto democrático rompido desde a tentativa de seu assassinato – ocorrida em setembro de 2022 -, Cristina defendeu que é imperioso evitar a todo custo a violência política. “Quando ouço e eles dizem: temos que acabar com o peronismo ou o kirchnerismo, por favor, por que temos que chegar ao extermínio do outro se basta vencer? Digo-lhes como parte de uma geração que foi devorada no turbilhão da violência política”, condenou, sob o aplauso e a solidariedade das Mães e Avós da Praça de Maio.

“JUDICIÁRIO VIROU EMPECILHO MONÁRQUICO”

Em relação ao quarto ponto, Cristina defendeu que “é preciso dar ao país novamente um Poder Judiciário, porque ele se evaporou entre as artimanhas de uma camarilha indigna da história da Argentina”. Cristina descreveu a atual Corte como ainda pior do que a manipulada pelo ex-presidente Carlos Menem (1989-1995), “um idiota”. A líder peronista ressaltou que o Judiciário é o único poder não eleito pelo voto popular e propôs que seja “repensado o desenho institucional, pois não podemos continuar com o empecilho monárquico de nomeados vitalícios que nunca prestam contas a ninguém”.

“Vamos começar a cumprir a Constituição, vamos investigar a dívida, vamos investigar os responsáveis. É hora que as instituições não estejam mais para cuidar dos interesses das corporações, mas de todos os argentinos”, frisou.

Finalmente, conclamou a militância a seguir em frente pela vitória do país e de seu povo. “Quero convocá-los para que cada um de vocês, no seu local de estudo, no trabalho, na rua, no bonde ou no metrô, diga quem são os verdadeiros responsáveis ​​pela situação de endividamento que vive a Argentina, de falta de dólares, de corrida cambial, para que desta vez as pessoas possam decidir com clareza, mas, acima de tudo, com informação”.

“A oposição está em crise e todos estão lutando e Cristina reúne todo o peronismo independente do setor. É a única que pode fazer isso”, relatou um dos presentes em entrevista ao jornal Página12, recordando que “Macri saiu de uma possível candidatura e foi uma festa, porém ela ter saído deixou as pessoas tristes e virem pedir que seja ela”. Outros disseram que “CFK pediu que o sistema político mostrasse a sua cara”, e que, embora não tenha falado em nomes, “os candidatos que estiveram no palco jogam em conjunto”.

O chefe de gabinete do presidente, Agustín Rossi, também destacado na disputa, esteve na Praça, mas não subiu ao palco, enquanto Alberto Fernández viajou para Chapadmalal e não compareceu.

Fonte: Papiro