Mesa diretora da reunião da Liga Árabe no Cairo, Egito | Foto: Khaled Desouki/AFP

Em uma grande vitória para o governo Assad e para estabilização do Oriente Médio, o Conselho da Liga Árabe aprovou no Cairo por unanimidade neste domingo (7) a reintegração da Síria, cuja participação havia sido suspensa em 2011 sob as manobras de Washington para impor uma mudança de regime em Damasco, então endossadas pela maioria da organização. “A partir desta noite, a Síria é um membro pleno da Liga Árabe”, afirmou o secretário-geral da Liga, Ahmed Aboul Gheit.

A reunião, em nível de ministros das Relações Exteriores árabes, é preparatória da cúpula da organização que ocorrerá a partir do próximo dia 19, em Riad, e também discutiu os esforços para deter o conflito no Sudão.

“A decisão de readmitir a Síria foi tomada sem objeções por nenhum dos 22 países membros”, explicaram fontes citadas pelo jornal estatal egípcio Al Ahram.

Na reunião anterior da Liga Árabe em abril, vários países membros, entre esses Argélia e Iraque, haviam se manifestado a favor da reintegração imediata da Síria. O que levara o porta-voz do Departamento de Estado, Vedant Patel, a reclamar que Washington não acreditava que a Síria “merecesse readmissão” na Liga Árabe.

A resolução reitera “o compromisso com a preservação da soberania, integridade territorial e estabilidade da Síria, em virtude da Carta da Liga Árabe e seus princípios” e chama a “continuar e intensificar os esforços árabes destinados a ajudar a Síria a sair de sua crise e acabar com o sofrimento do povo sírio fraterno”.

O anfitrião da reunião, chanceler egípcio Sameh Shoukry, afirmou que a crise síria provou ao longo dos anos que a única maneira de chegar a uma solução é “através da própria Síria, sem diktats externos”.

VOZ DE DAMASCO

O governo sírio, que sempre considerou ilegítima sua suspensão, reagiu à decisão da Liga Árabe assinalando que a recebeu com “interesse”, registrando “as tendências e movimentos positivos que estão ocorrendo atualmente na região árabe” e acrescentando acreditar que “beneficiam todos os países árabes e favorecem a estabilidade, a segurança e o bem-estar de seus povos”.

O comunicado destacou ainda que “a Síria é membro fundador da Liga Árabe e sempre teve uma posição forte a favor do fortalecimento da ação árabe conjunta”.

A declaração síria reafirmou que a próxima etapa requer “uma abordagem árabe bilateral e plural efetiva, baseada no diálogo e no respeito mútuo”.

Em reunião anterior de chanceleres em Amã, os países árabes haviam pedido a retirada das forças estrangeiras da Síria, o avanço do processo político e discussão de medidas para o retorno dos refugiados. A reunião deste domingo formou um comitê constituído pelo Egito, Arábia Saudita, Iraque, Líbano, Jordânia e pelo secretário-geral da Liga Árabe Gheit para continuar o diálogo direto com o governo sírio por uma solução integral para a crise síria.

CHINA ATUA PELA PAZ NO ORIENTE MÉDIO

A decisão reflete o enfraquecimento da ingerência norte-americana no Oriente Médio, que ficou patente com a bem sucedida mediação da China para a restauração das relações diplomáticas entre a Arábia Saudita e o Irã, que também abre caminho para a paz no Iêmen.

Reflete, ainda, os crescentes laços entre a Arábia Saudita e a Rússia, desenvolvidos a partir das convergências na OPEP+. A Rússia vem há anos propondo um conceito de segurança coletiva e indivisível na região do Golfo, ao invés de cristalização de blocos oponentes.

Tropas dos EUA, a pretexto de ‘combater o terrorismo’, mantém sob ocupação inteiramente ilegal um terço do território sírio, exatamente a região rica em petróleo e trigo, em conluio com milícias da minoria curda, e costumam levar sob comboio armado petróleo roubado dos sírios para o vizinho Iraque.

Ao defender no mês passado a devolução à Síria de sua condição plena na Liga Árabe, o presidente argelino Abdelmadjid Tebboune disse que “o sistema internacional que reina atualmente é aquele em que os fortes impõem sua vontade aos fracos”. Ele acrescentou que deseja o fim das divisões árabes para que eles “possam retornar à sua posição como uma força a ser reconhecida sob uma nova ordem internacional”.

O ministro das Relações Exteriores sírio, Faisal Mekdad agradecera lembrando que “a liderança e o povo da Argélia apoiaram a Síria em sua crise, assim como apoiamos a Argélia na ‘Década Negra’; lutamos juntos contra o terrorismo e o colonialismo.”

PASSO A PASSO

Nos meses precedentes, refletindo a nova situação no mundo desde que a Rússia decidiu barrar o genocídio contra o Donbass e a anexação da Ucrânia pela OTAN e, ainda, no próprio terreno na Síria, países que haviam sido arrastados para a guerra de procuração em território sírio começaram a se afastar da virtualmente falida operação norte-americana.

O ministro das Relações Exteriores da Arábia Saudita, príncipe Faisal bin Farhan Al Saud, foi a Damasco se encontrar com o presidente sírio, Bashar al-Assad. Em fevereiro, o passo havia sido dado pelo Egito, com o ministro das Relações Exteriores, Sameh Shoukry, na primeira visita de um alto funcionário egípcio desde 2011. Uma delegação de legisladores árabes encabeçada pelo presidente do Parlamento egípcio, Hanafy al-Gebaly, visitou Assad e outras autoridades sírias.

Poucos dias após o terremoto de fevereiro que devastou o país e a vizinha Turquia, o ministro das Relações Exteriores dos Emirados, Abdullah bin Zayed, visitou a capital síria e participou de uma reunião com Assad. Dias depois, Ayman Safadi, o ministro das Relações Exteriores da Jordânia, visitou Damasco na primeira viagem desse tipo de um alto funcionário jordaniano desde 2011. Outros países, como a Tunísia, formalizaram a retomada das relações diplomáticas.

O próprio Assad fez no mês passado sua segunda visita de Estado desde 2011 a Omã, país que nunca rompeu relações com Damasco, onde foi recebido pelo sultão Haitham bin Tariq. No início de maio, com o distensionamento Irã-sauditas em curso, o presidente iraniano Ebrahim Raisi foi a Damasco na primeira visita oficial desde o início do conflito.

Uma parte decisiva desse esforço diplomático pela implosão da frente montada por Washington para a virada de mesa na Síria coube ao chamado Fórum de Astana, em que Rússia, Ira e Turquia foram formalizando entendimentos pelo fim do conflito.

GUERRA POR PROCURAÇÃO

Planejada como desdobramento da derrubada, pela OTAN e seus mercenários, do governo Kadhafi na Líbia, a guerra por procuração contra a Síria foi vendida pela mídia imperial como um ‘levante popular’ contra Assad, no qual cinicamente as tropas de choque eram novos rebentos da Al Qaeda, especialmente o Estado Islâmico, armados por Washington e financiados por petrodólares.

Antes do Estado Islâmico se tornar conhecido por decepar cabeças em vídeo, aquele que se tornaria o “Califa” pode ser visto em trajes civis, como partícipe de uma reunião de ‘rebeldes moderados’ de que o senador John McCain foi anfitrião, aliás, antecipando a desenvoltura que este exporia no golpe de 2014 em Kiev, ao mimar com rosquinhas neonazis na Praça Maidan.

A expulsão da Liga Árabe fizera parte do esforço para isolar a Síria e facilitar a colocação em Damasco de algum fantoche ao gosto da Casa Branca. Provocações com armas químicas quase lograram dar aos EUA uma fachada para intervenção direta, como fizera na Líbia, mas a proposta russa de entrega à OPAQ do arsenal químico sírio – usado como dissuasão contra o arsenal nuclear de Israel – inviabilizou o plano.

Graças à luta renhida do povo sírio, apoiada pelo Irã e pelos irmãos libaneses do Hezbollah, a operação norte-americana não prosperou no ritmo esperado e, quando a Rússia decidiu vir em socorro da Síria, a maré da guerra virou, o governo sírio exerce sua autoridade sobre a maior parte do país e os jihadistas acabaram isolados na província de Idlib, mas persiste a ocupação ilegal de um terço de seu território pelos EUA em conluio com a minoria curda.

Fonte: Papiro