Cuba se torna referência nas lutas LGBT+ e feministas
Desde que o filme Morango e Chocolate (1994) se tornou um sucesso internacional, mostrando as dificuldades de gays, lésbicas e travestis no país, muita coisa avançou. E Cuba vai se tornando exemplar em suas políticas públicas em defesa da proteção aos direitos dessas populações. Mas ainda há mais por lutar, e o ativismo LGBT+ cubano cobra as dívidas que a Revolução ainda não pagou.
Com o lema “com todas as famílias, o amor é lei”, a 16ª Jornada contra a Homofobia e a Transfobia ocupa o mês de maio em Cuba, dedicada ao novo Código da Família, aprovado por referendo em julho de 2022. O código legalizou em Cuba o casamento igualitário e a adoção de crianças por casais LGBTIQ+, entre outros avanços. A legislação avançada permitiu a união legal de pelo menos 745 casais homossexuais em todo o país, segundo dados oficiais.
No último sábado (13), ocorreu a Conga contra a homofobia e a transfobia em Cuba, um desfile anual regado ao ritmo caribenho, apesar da ameaça de temporal. Os participantes ocuparam a 3ª avenida do bairro Vedado de Havana com faixas coloridas e carros alegóricos na primeira atividade desse tipo que realizam após a aprovação do Código da Família. O desfile é financiado pelo governo, desde 2008, mas sofreu interrupções devido à crise econômica de 2019 e à pandemia.
Dívida histórica
O movimento lembra os períodos marcados pela rejeição social, estabelecimento de “parâmetros” que limitavam o emprego na educação e na cultura de pessoas com sexualidades não heteronormativas e um capítulo obscuro da história nacional marcado pelas Unidades Militares de Apoio à Produção (Umap).
Cerca de 25.000 homens foram enviados para esses campos de trabalhos forçados de 1965 a 1968, uma parte significativa deles homossexuais e religiosos, considerados pelas autoridades da época “desviantes” ou “flagelos sociais”. As Umaps foram dissolvidas por decisão do próprio governo em junho de 1968.
Agora, aqueles que comemoram o que consideram ainda uma emancipação incompleta, querem uma Lei Integral de Identidade de Gênero em Cuba. O objetivo é acabar com a discriminação que ainda dificulta a integração na sociedade, garantir a proteção legal de pessoas trans que ainda não são plenamente reconhecidas, garantir seu acesso ao sistema de saúde para cirurgias de redesignação sexual, reduzir a violência e abusos que ainda sofrem na família e na sociedade, garantir liberdade de associação e expressão de organizações LGBT+, além da aplicação da legislação de educação com perspectiva de gênero nas escolas.
Conquistar corações e mentes
Desde 2008, durante todo o mês são promovidas essas jornadas de luta pelo Centro Nacional de Educação Sexual (Cenesex), órgão ligado ao Ministério da Saúde. Desde 2007, essas jornadas tem o objetivo de aumentar a conscientização e a sensibilização na luta contra a discriminação sexual e de gênero.
Este país de 11,2 milhões de habitantes é também o primeiro país de língua espanhola e o primeiro da América Latina e do Caribe que se uniu a outras 23 nações (do norte industrializado) que celebram o Mês da História LGBT+. A primeira edição aconteceu de 1º a 31 de maio de 2022 em Havana e Santa Clara, 270 quilômetros a leste da capital.
Fundado em 1988, o Centro Nacional de Educação Sexual (Cenesex) tem como objetivo “promover a educação sexual a partir do paradigma emancipatório do socialismo, considerando as perspectivas sócio-históricas da sexualidade, nas quais estão integradas suas bases biológicas e ambientais”.
Por meio de painéis com especialistas, oficinas, palestras, apresentações audiovisuais, comemoração de datas e figuras históricas, podcasts e entrevistas, buscam dar maior visibilidade à comunidade LGBT e educação sobre esses temas.
Além das atividades acadêmicas, o Cenesex oferece atualmente, durante todo o ano, assessoria jurídica em casos de discriminação, apoio psicológico a vítimas de abuso e aconselhamento a pessoas transgênero, entre outras atividades. Assim como pessoas LGBT+ procuram a ajuda do órgão, empresas e outras pessoas procuram-no para orientação de como lidar com as especificidades destas populações.
No entanto, estas demandas revelam uma Cuba que ainda precisa avançar para que não haja violação de direitos, mas respeito pela diversidade social. O código da família é uma importante ferramenta para que isso ocorra.
Mas as atividades promovidas pela universidade e os movimentos sociais aproveitam o momento para quebrar tabus e revalorizar personalidades cubanas como Carlota, mulher, negra, lésbica e líder de uma revolta de escravos em 1843. Da mesma forma, recorda a médica suíça Enriqueta Favez (1791-1856), a primeira mulher a exercer a medicina em Cuba e na América com identidade masculina, devido aos preconceitos da época, e que se casou com outra mulher; assim como o pintor, desenhista, fotógrafo, muralista e artista gráfico Raúl Martínez (1927-1995).
Avanços feministas
O impacto da crise social que afeta todo o mundo, também compromete as conquistas da Revolução. E os mais atingidos pelas perdas de uma crise econômica são justamente os setores sociais mais vulneráveis, como LGBT+ e as mulheres, em geral. Dentro da própria comunidade LGBT, mulheres trans tendem a ser vítimas de mais vulnerabilidades sociais e de saúde, bem como estigmas, apesar do marco regulatório que proíbe a discriminação.
Com todas as mudanças de mentalidade, o cubano também preserva hábitos machistas e patriarcais como a desvalorização do trabalho feminino no lar, que é para onde elas voltam, quando há perda de empregos. A crise torna o trabalho das mulheres invisível, conforme os maridos saem para garantir o sustento da família.
Assim como o código da família foi acompanhado por um novo ativismo social ligado às diversidades e às comunidades LGBTIQ+, as lutas feministas também cresceram nos últimos tempos em Cuba.
Desde 1960, a Federação das Mulheres Cubanas fundada pela comandante revolucionária Vilma Espín, luta pela emancipação feminina com a conquista, ainda em 1961, da legalização do aborto.
Na última década, leis e políticas públicas como o Programa de Promoção da Mulher, em vigor desde março de 2021, promovem a equidade, a eliminação da violência de gênero e a não discriminação por orientação sexual e identidade de gênero, princípios que protegem a Constituição em vigor desde 2019.
Da mesma forma, a agenda pró-direitos recebeu um impulso significativo graças a projetos da sociedade civil, ativistas, plataformas digitais e mídia oficialmente não reconhecida que mostram as realidades da comunidade LGBT e defendem o aumento de suas proteções legais, inclusão e empoderamento.
Muitas dessas entidades civis se articulam contra outras linhas de exclusão baseadas em gênero, cor da pele ou território e, em datas mais recentes, alertam sobre o avanço de posições antidireitos de algumas denominações religiosas e de pessoas com posições conservadoras e fundamentalistas.