Acordo Biden-McCarthy autoriza elevação do teto da dívida, mas exige penalizar os mais pobres | Foto: AFP

No fim de semana, o presidente Joe Biden e o presidente da Câmara dos Deputados, o republicano Kevin McCarthy, fecharam acordo que permite elevar a dívida a 139% do PIB, o que irá imediatamente à votação no Congresso dos EUA.

Na sexta-feira, a secretária do Tesouro, Janet Yellen, advertira que a solução para o impasse teria que ser aprovada até o dia 5 de julho, para evitar a inadimplência do governo dos EUA e potencialmente lançar toda a economia global no caos.

O limite da dívida em vigor que se esgota nos próximos dias é de US$ 31,4 trilhões (equivalente a 123% do PIB de US$ 25,46 trilhões de 2022).

Pelo acordo, o limite fica suspenso temporariamente até 1º de janeiro de 2025, mas é permitida uma expansão da dívida em US$ 4 trilhões segundo a Reuters, o que implica em que a dívida vai a US$ 35,4 trilhões, o que corresponde a 139% do PIB conforme computado em 2022.

Com o resgate dos bancos no crash de 2008, a relação dívida/PIB dos EUA ultrapassou 100% pela primeira vez, o que não parou de subir desde então. Além das guerras e do resgate dos monopólios falidos, ricaços foram aquinhoados com o corte de impostos.

Quando os EUA lançaram a sua guerra no Afeganistão em outubro de 2001, a dívida mal chegava a US$ 5,8 trilhões e a relação dívida/PIB era de 56%.

Como pelo acordo Biden-McCarthy os gastos não relacionados à defesa permanecem no mesmo nível do ano anterior de US$ 637 bilhões, isso significa um arrocho da ordem de 5%, à inflação atual. No orçamento de 2025, seria permitido um reajuste de 1% (e, portanto, também abaixo da inflação).

Sem surpresa no Pentágono que, incluído o buraco sem fundo da Ucrânia, acabará gastando mais de US$ 1 trilhão no ano, bem feitas as contas.

O acerto saiu depois de três semanas de negociações a portas fechadas. Ao anunciar o acordo na noite de domingo, na Casa Branca, Biden disse que “isso tira a ameaça de calote catastrófico da mesa, evita a pior crise possível”. Ele acrescentou que e “um compromisso, ninguém conseguiu tudo o que deseja”.

McCarthy, por sua vez, se gabou que “tem reduções históricas nos gastos” – leia-se, gastos com a população -, o que considerou “reformas consequentes que tirarão as pessoas da pobreza (sic) e as colocarão no mercado de trabalho, controlando o exagero do governo”. Como se penalizar as pessoas fosse uma forma eficaz de fazê-las procurar trabalho.

Em sua brilhante observação, McCarthy faz referência ao corte no vale-sopão, em que conseguiu a elevação de 49 anos para 54 anos da idade em que o beneficiário vai ter que cumprir requisitos de dificuldades em conseguir renda para poder comer. Mas teve de adiar por agora sua gana por tirar dinheiro do Medicaid, o sistema de saúde para os mais pobres. Famílias com crianças, veteranos e sem-teto ficaram de fora dessas exigências.

Os republicanos obtiveram alguns dos cortes que pleiteavam: US$ 1,39 bilhão destinado ao reforço da atuação do serviço de imposto de renda, e um adicional de US$ 20 bilhões já alocados para o IRS – parece que não simpatizam muito com o IR. Cerca de US$ 35 bilhões em fundos de ajuda Covid não gastos serão rescindidos, enquanto US$ 400 milhões serão cortados do fundo global de saúde dos Centros de Controle de Doenças (CDC).

O acordo tira do governo Biden a autoridade para o alívio que propunha para a dívida estudantil, deixando a decisão sobre a questão para a Suprema Corte.

Como bônus para os republicanos, o acordo inclui o encurtamento do processo de revisão para novos projetos de fracking e energia, e libera um gasoduto na costa leste.

Nem todos os republicanos estavam tão embevecidos com o acordo Biden-McCarthy. “Um sanduíche de bosta”, classificou-o o deputado republicano do Texas, Chip Roy. “Uma insanidade”, segundo o republicano Ralph Norman.

Mas o acordo teve o aval do chefe da oposição republicana no Senado, Mitch McConnell, que o considerou “um progresso urgente para preservar a plena fé e crédito de nossa nação e um passo muito necessário para colocar sua casa financeira em ordem”. O acordo também foi saudado pelas maiores associações empresariais dos EUA.

Como registrou o portal Common Dreams, setores progressistas manifestaram descontentamento com o teor do acordo. Diane Yentel, presidente e CEO da Coalizão Nacional de Habitação de Baixa Renda, escreveu no Twitter que o acordo é “cruel e míope”, apontando para os requisitos de trabalho e cortes de prazo real na assistência de aluguel “durante uma crise de falta de moradia que já piora”.

“A Câmara dos Deputados manteve como reféns as pessoas de menor renda do país em troca da elevação do teto da dívida”, continuou Yentel. “O ‘acordo’ do teto da dívida pode levar dezenas de milhares de famílias a perder o auxílio-aluguel… no nosso país.”

“Depois que a inflação comer sua parte, o financiamento fixo resultará em menos famílias acessando assistência de aluguel, menos crianças no Head Start e menos serviços para idosos”, disse Lindsay Owens, diretora executiva da Groundwork Collaborative. “O acordo representa o pior da ideologia orçamentária conservadora; corta investimentos em trabalhadores e famílias, acrescenta novos obstáculos onerosos e dispendiosos para famílias que precisam de apoio e protege os americanos mais ricos e as maiores corporações de pagar sua parte justa em impostos.”

Fonte: Papiro