O dólar continua a sangrar – e desta vez não é por causa dos Brics (o bloco de países emergentes formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul). Ao que tudo indica, vivemos o declínio do império da moeda que, desde 1944, é base do sistema de padrão-ouro imposto pela Conferência de Bretton Woods.

Conforme a agência alemã Deutsche Welle, a bola da vez é o Oriente Médio. O rigor das sanções econômicas e comerciais anunciadas pelos Estados Unidos contra a Rússia, em decorrência da guerra na Ucrânia, foi o estopim para mais uma rodada de buscas por alternativa ao dólar. É consenso na região que os Estados Unidos estão usando sua moeda como arma política.

“Há uma impressão de que os Estados Unidos estão tentando reescrever as regras do mercado mundial de petróleo para afetar os interesses russos – e isso representa uma ameaça estratégica para a Arábia Saudita”, diz o pesquisador Hasan Alhasan, do Instituto Internacional de Estudos Estratégicos, em Londres.

Pesa contra os Estados Unidos – e também contra a União Europeia – o simbolismo de uma medida vista como descabida: o congelamento de ativos do banco central russo mantidos em suas jurisdições.

“Há um sentimento de preocupação com o uso sem precedentes, pelos EUA e também pela UE, do comércio e das finanças internacionais como armas, no contexto da guerra com a Rússia”, avalia Alhasan. Qual a resposta mais imediata dos países do Oriente Médio? “Eles estão se preparando para um mundo global mais multipolar, no qual querem estar bem posicionados para atuar dentro e fora das zonas dolarizadas”.

O Iraque é um dos países que, recentemente, começou a fazer negócios com a China usando o yuan, enquanto os Emirados Árabes Unidos cogitam a rúpia indiana para comercializar produtos com a Índia. O Egito – que negociava com iene – diz que recorrerá também ao yuan. A Arábia Saudita estuda vender petróleo com pagamento em euro, yuan e outras moedas.

O “adeus ao dólar” pode aproximar o Oriente Médio dos Brics – países como Egito, Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos, Argélia e Bahrein já pediram para entrar no grupo. Ao mesmo tempo, a Rússia diz que o próximo encontro do bloco, em junho, terá como pauta a criação de uma moeda comercial única para transações internas.

A Bloomberg apresentou uma estatística que evidencia a desdolarização em curso: “o dólar corresponde a 58% das reservas estrangeiras oficiais, bem menos do que os 73% de 2001. No fim dos anos 1970, o percentual era de 85%”. Na região do Golfo Pérsico, a maioria dos países ainda tem moedas atreladas ao dólar.

Mas o “fator Ucrânia” levou essas nações a ligarem o alerta, diz o cientista político Daniel McDowell, da Universidade Syracuse, de Nova York. A Casa Branca, sob o governo Joe Biden, tem usado o dólar de modo vergonhoso para pressionar a Rússia – e o Oriente Médio sabe que, mais cedo, mais tarde, pode ser a vítima.

“Quanto mais os Estados Unidos usarem o dólar como arma de política externa, mais seus adversários vão mover suas atividades econômicas internacionais para outras moedas”, explica McDowell. “Governos que temem sanções americanas estão cada vez mais pensando em como ir adiante, mesmo que eles ainda não estejam prontos ou interessados em fazer um afastamento radical do dólar.”