Saiba o que está em disputa em novo conflito no Sudão
Os combates eclodiram no sábado (15), após semanas de tensão entre o exército sudanês e o poderoso grupo paramilitar Forças de Apoio Rápido (RSF). Um cenário similar ao que ocorreu na região etíope do Tigray.
Ambos os grupos eram aliados. Juntos, tomaram o poder em um golpe em 2021, contra a tentativa de transição para um governo civil.
As tensões aumentaram conforme evoluiu a proposta de integração das RSF nas forças armadas nacionais.
A questão-chave é quem ficaria no controle e quem seria o comandante-em-chefe dos militares durante um período de integração.
A maior parte dos combates está ocorrendo na capital, Cartum, mas confrontos são relatados em todo o país. Pelo menos 185 pessoas foram mortas e milhares ficaram feridas nos primeiros três dias. Ainda não houve evacuação de estrangeiros e uma trégua precária não permitiu a saída dos moradores da capital para áreas mais seguras.
Os países do continente estão preocupados com a situação, pois temem que o conflito se expanda e se torne semelhante à situação na Líbia, onde facções não permitem um governo central e mantém a instabilidade política.
Amigos rivais
Os protagonistas do surto de violência são o general do exército Abdel Fattah al-Burhan e seu vice e líder das RSF, general Mohamed Hamdan Dagalo, mais conhecido como Hemedti.
Em outubro de 2021, al-Burhan e Dagalo orquestraram um golpe, derrubando uma frágil transição para o governo civil que havia sido iniciada após a remoção, em 2019, do governante de longa data Omar al-Bashir.
Al-Burhan, um soldado de carreira do norte do Sudão que subiu na hierarquia sob o regime de quase 30 anos de al-Bashir, assumiu o cargo principal como governante de fato do Sudão após o golpe. Dagalo, do povo árabe Rizeigat, pastor de camelos de Darfur, assumiu a responsabilidade como seu número dois.
Como o exército e os líderes civis se uniram para tentar chegar a um acordo para acabar com a crise política que o golpe trouxe, a integração das RSF no exército regular tornou-se um ponto-chave de discórdia.
Um acordo formulado em dezembro para a negociação aumentou as tensões entre al-Burhan e Hemedti, quando elevou a posição de Hemedti ao nível de Burhan, em vez de seu vice.
Dagalo e a RSF
As RSF foram criadas em 2013 e evoluíram das chamadas milícias Janjaweed, acusadas de crimes de guerra na região de Darfur. Durante o conflito de Darfur na década de 2000, o governo usou o grupo para ajudar o exército a reprimir uma rebelião.
Em 2017, foi aprovada uma lei que legitima as RSF como uma força de segurança independente.
À medida que ganhou destaque, os interesses comerciais de Dagalo cresceram com a ajuda de al-Bashir, e sua família expandiu as participações em mineração de ouro, pecuária e infraestrutura.
Apesar de ser um aliado de longa data de al-Bashir, Dagalo participou da derrubada do presidente quando estourou o levante de 2019.
O quadro regional
O Sudão faz fronteira com o Mar Vermelho, a região do Sahel e o Chifre da África. Sua localização estratégica e riqueza agrícola atraíram jogos de poder regionais, complicando as chances de uma transição bem-sucedida.
Vários vizinhos do Sudão, incluindo Etiópia, Chade e Sudão do Sul, foram afetados por convulsões e conflitos políticos.
A relação do Sudão com a Etiópia tem sido tensa devido à disputa de terras agrícolas ao longo de sua fronteira; o conflito na região de Tigray, na Etiópia, que levou dezenas de milhares de refugiados ao Sudão; e a Grande Represa Renascentista Etíope.
Os pesos pesados regionais da Arábia Saudita e dos Emirados Árabes Unidos, que estabeleceram laços estreitos com as RSF, quando enviou milhares de combatentes para apoiar a guerra no Iêmen, pediram que ambos os lados se retirassem.
As potências petrolíferas, os Estados Unidos e o Reino Unido formam o “Quad”, que tem patrocinado a mediação no Sudão junto com as Nações Unidas e a União Africana.
As potências ocidentais temem que a Rússia possa estabelecer uma base militar no Mar Vermelho, à qual os líderes sudaneses expressaram abertura desde a era al-Bashir.
O Egito, que apóia os militares do Sudão, buscou uma via alternativa com grupos que apoiaram o golpe de 2021.
Jogo de soma zero
Os analistas avaliam que a luta pelo poder pode definir existência ou morte de ambos os lados. Com os dois generais em busca de sangue, é improvável que eles cheguem à mesa de negociações sem que um ou ambos sofram pesadas perdas.
Quanto mais batalharem nas ruas da cidade, mais alto será o número de civis e mais difícil será para qualquer um dos generais governar os destroços.
Por Cezar Xavier com informações da Al Jazira e das agências internacionais de notícias