Jeanine Áñez foi condenada a 10 anos de prisão pelo caso “Golpe de Estado II” | Foto: Reprodução/Twitter

A ex-chefe da junta que depôs Evo Morales e tomou a presidência da Bolívia, Jeanine Áñez, foi acusada pela Promotoria de “genocídio, homicídio e lesões graves” ocorridas durante a manifestação pacífica ocorrida no dia 19 de novembro de 2019, em Senkata, El Alto, nas proximidades da usina Yacimientos Petrolíferos Fiscales Bolivianos (YPFB). Na oportunidade, dez moradores que protegiam o terminal de combustíveis localizado na cidade vizinha à capital perderam a vida. Atualmente, ela está presa no cárcere de mulheres do bairro de Miraflores, em La Paz.

“A denunciada Jeanine Áñez Chávez, assumindo a direção das Forças Armadas e com o comando absoluto da Polícia, procedeu à repressão de setores sociais e civis desarmados que exerciam seu direito de protesto pacífico em Senkata”, afirmou a Promotoria. A acusação é sustentada por inúmeras provas, esclarecem os promotores, pois “ficou demonstrado o uso desnecessário e desproporcional da força por parte dos agentes da lei, que realizaram operações conjuntas militares-policiais para este fim, respaldadas pelo Decreto Supremo 4.078 (que isentou as Forças Armadas de responsabilidade criminal nas operações)”.

O DS 4.078 foi emitido pela ex-senadora após ter empalmado a presidência uma semana antes, em 12 de novembro, violando todos os requisitos constitucionais, somente dois dias após o ex-presidente Evo Morales ter sido forçado a se demitir por militares, após acintosa ingerência da Organização dos Estados Americanos (OEA), que falsamente acusou o governo de fraudar a eleição. A armação, conjuntamente com setores oligárquicos da mídia serviu de gatilho para a virada de mesa.

Em junho de 2022, a Primeira Vara de Execuções de La Paz já havia condenado Áñez a dez anos de prisão “pelos crimes de resoluções contrárias à Constituição e violação de deveres” no caso “Golpe de Estado II”. Especificamente por Senkata, a acusação contra a ex-senadora foi apresentada em 17 de abril perante o primeiro tribunal penal cautelar de El Alto.

Entre as tristes recordações da população, a tempestade de bombas de gás lacrimogêneo que desabou no centro de La Paz sobre os mais de 500 mil manifestantes quando foram dar o seu último adeus aos mártires de Senkata, no dia 22 de novembro de 2019, enquanto entoavam: “Que renuncie, carajo”, “El Alto de pé, nunca de joelhos”.

Em Senkata, Sacaba, Montero, Betanzos, Ovejuyo e El Pedregal foram assassinados 38 civis inocentes e foram feitos mais de 1.500 presos políticos. Com o devido apoio legal, o atual governo do presidente Luis Arce Catacora está apontando minuciosamente as responsabilidades. “A direita sempre busca desculpas para nos desestabilizar, mas o povo boliviano não quer mais golpes, quer trabalhar progredir e industrializar o país”, enfatizou Arce.

RELATOS DE UM SOBREVIVENTE

Ruben Hidalgo, uma das vítimas do massacre e sobrevivente que se encontrava hospitalizado, relatou ao HP na oportunidade que, em Senkata, os “militares golpistas miravam, acertavam e riam muito quando alguém caía”. “Estávamos indefesos, não tínhamos armas, nada, enquanto eles vinham com tanques e helicópteros, os mesmos que o governo do Movimento Ao Socialismo (MAS) os havia equipado para defender nossas fronteiras”.

Com a tíbia completamente estraçalhada por um tiro de fuzil, Ruben reiterava que era “preciso lutar por justiça”, afinal a ação de Áñez havia sido carregada de simbolismo, representando a ocupação de uma estatal, símbolo maior do orgulho e da autoestima bolivianas, propulsora central no aporte ao desenvolvimento soberano e à redistribuição de renda.

Trabalhador da construção civil e chofer, Ruben estava sem ter o seu ganha pão diário, pois tudo estava paralisado do ponto de vista das obras e dos caminhos. “Para ganhar algum dinheiro, eu e minha esposa decidimos vender suco. A deixei com um balde e avancei com dois para mais perto dos manifestantes. Foi tudo muito rápido e quando vi estávamos sendo perseguidos por tanques. Fizeram uma pequena pausa e nem senti a dor. Voltei a cair. Vi que não conseguir ficar em pé. Então uns moradores me subiram de carona numa bicicleta e me levaram a um centro de saúde muito humilde onde nos disseram que não tinham o equipamento necessário para fazer aquele tipo de cirurgia. E cheguei ao Hospital Holandês e fui privilegiado de ter sido salvo já que muitos morreram pelo sangue que perderam”.

O comando racista dos golpistas era tão evidente, explicou sua esposa, Marley Losa, “que havia um ódio dirigido especialmente contra as senhoras de pollera (as saias indígenas), que faziam com que se ajoelhassem”. “Um senhor mais velho se ajoelhou e abriu os braços suplicando para que o matassem, mas poupassem os seus filhos, os jovens, que tinham muito ainda para viver. Mas os golpistas os mataram a sangue frio. E foram muitos”.

Fonte: Papiro