ONU, Liga Árabe e União Africana, pedem cessar-fogo no Sudão
Entraram pelo terceiro dia na segunda-feira (17) os combates entre o exército sudanês propriamente dito e as chamadas Forças de Apoio Rápido (FAR, ex-milícias), com intensos confrontos ocorrendo na capital Cartum, na região ocidental de Darfur e na costa. O que marca o racha no governo de fato do Sudão oficializado pelo golpe de outubro de 2021, encabeçado pelo general Abdel Fatah Al Burhan, pelos militares, e por seu vice, general Mohamed Hamdan Daglo, das milícias, mais conhecido como Hemedti.
“O Sudão corre o perigo de desintegração”, afirmou o ex-primeiro-ministro civil Abdullah Hamdok, destituído pelos militares há dois anos, que advertiu contra “qualquer interferência estrangeira” no país. Forças civis que participam das negociações da transição pediram a suspensão imediata das hostilidades para “impedir que o Sudão escorregue no precipício do colapso total”.
Mais de 180 pessoas foram mortas e mais de 1.800 ficaram feridas desde o início dos combates, disse o enviado da ONU, Volker Perthes. Na véspera, o respeitado Sindicato dos Médicos computou 97 civis mortos e cerca de 400 feridos. Os dois lados estão usando tanques, artilharia e outras armas pesadas em áreas densamente povoadas.
No dia 6 de abril havia se esgotado o prazo para formalização de um acordo-quadro para a transição e, segundo analistas, o estopim do racha foi a exigência de Burhan de que o processo de integração das milícias no exército, que tiveram intensa e polêmica presença na luta em Darfur, fosse concluído em dois anos, enquanto Hemedti quer dez anos.
Essa subordinação é uma condição fundamental do acordo de transição em negociação com grupos políticos para devolução do poder aos civis. A questão de fundo é a persistência da divisão do país por linhas étnicas, a enorme miséria e a pressão estrangeira. No período mais recente, grupos ocuparam portos no leste.
CENAS DE CAOS EM CARTUM
Colunas de fumaça podiam ser vistas em vários pontos da capital, Cartum, e houve informes contraditórios sobre o controle do palácio presidencial e de várias bases. Duas aeronaves de passageiros foram incendiadas no aeroporto da capital.
A cena na capital sudanesa é caótica, de acordo com um repórter do Global Times no local. Os dois lados travam batalhas em vários locais importantes da cidade. Muitos civis estão presos em locais públicos, como aeroportos, bancos e universidades. Nas ruas, civis foram feridos ou mortos por balas perdidas.
Desde sábado, o fornecimento de energia, água e internet foi cortado na capital. Atualmente, todos os mercados de Cartum estão fechados e o governo ordenou que as pessoas ficassem em casa.
No domingo, as duas partes acataram proposta das Nações Unidas para abrir passagem segura para casos humanitários, incluindo a evacuação de feridos, o que durou três horas e terminou às 17:00 GMT. Egito e Chade anunciaram o fechamento provisório de fronteiras com o país. Após a morte de três funcionários dos programas de ajuda humanitária da ONU no Sudão, a ONU anunciou a suspensão temporária desses trabalhos.
Na segunda-feira, o exército anunciou ter retomado a sede da tevê estatal e uma importante base das FAR em Omdurman, cidade irmã de Cartum, do outro lado do Nilo. O general Al Burhan ordenou a “dissolução das FAR”.
TRANSIÇÃO EM TRANSE
O Sudão passa por um complexo processo de transição para devolução do poder aos civis, desencadeado em 2019 pela revolta popular pró-democracia e contra a triplicação do preço do pão sob ordens do FMI. Que resultou na derrubada do regime de Omar Al Bashir após rompimento dos altos mandos com o governante e formação de um governo de união nacional com os civis – dois anos depois, atropelado pelo componente militar.
Quando do golpe de 2021, o Ministério das Relações Exteriores da Rússia disse que “interferência estrangeira em larga escala nos assuntos internos da república” na prática levou “à perda de confiança nas autoridades de transição por parte dos cidadãos sudaneses… o que repetidamente resultou em numerosos protestos e provocou instabilidade geral no país.”
Durante mais de duas décadas, os EUA promoveram a divisão do Sudão em Norte e Sul e, posteriormente, insuflaram o separatismo no oeste do país, além de terem submetido a nação africana a sanções incapacitantes.
Em dezembro passado, registrou o portal Middle East Eye, as forças militares e políticas do Sudão assinaram um acordo-quadro para resolver a crise de meses. “A assinatura do acordo final estava marcada para 6 de abril, mas foi adiada. Nenhuma nova data foi divulgada até o momento. O período de transição do Sudão, que começou em agosto de 2019, estava programado para terminar com eleições no início de 2024”.
ONU CHAMA A RESTAURAR A CALMA
“O secretário-geral pede aos líderes das Forças de Apoio Rápido e das Forças Armadas Sudanesas que cessem imediatamente as hostilidades, restaurem a calma e iniciem um diálogo para resolver a crise atual”, disse Stephane Dujarric, porta-voz do secretário-geral da ONU, Antonio Guterres.
“Qualquer nova escalada nos combates terá um impacto devastador sobre os civis e agravará ainda mais a já precária situação humanitária no país”, advertiu.
“O secretário-geral está se envolvendo com os líderes da região e reafirma o compromisso das Nações Unidas de apoiar o povo do Sudão em seus esforços para restaurar uma transição democrática e realizar suas aspirações de construir um futuro pacífico e seguro”, acrescentou.
O Conselho da Liga dos Estados Árabes realizou uma sessão extraordinária, no domingo, no Cairo para discutir os desenvolvimentos no Sudão, com base num pedido feito pelo Egito e pela Arábia Saudita.
A Liga Árabe exigiu a “cessação imediata de todos os confrontos armados, a fim de estancar o derramamento de sangue e preservar a segurança e proteção dos civis, as capacidades do povo sudanês e a integridade territorial e soberania do Sudão”.
A entidade máxima dos paises árabes conclamou ao “rápido retorno ao caminho pacífico para a resolução da crise sudanesa” e exortou todas as partes a “exercerem o máximo de contenção e trabalharem juntas para acalmar a situação e evitar o agravamento”.
Moussa Faki Mahamat, presidente da Comissão da União Africana (UA), dirigiu um veemente apelo “a todas as partes, às forças armadas e às forças de apoio rápido, em particular, para que cessem imediatamente a destruição do país, o pânico da população e o derramamento de sangue”.
Faki exortou a comunidade internacional “a combinar, em unidade e urgência, seus esforços para levar as partes a cessar imediatamente as ações militares e retornar à mesa de negociações para um fim satisfatório da crise para todos”. A UA anunciou a ida a Cartum, assim que possível, de delegação liderada por Faki.
Um porta-voz do Ministério das Relações Exteriores da China disse no domingo que a China está acompanhando de perto os últimos acontecimentos no Sudão. Pequim pediu aos dois lados que parem de lutar o mais rápido possível e evitem a escalada das tensões. “Esperamos que as partes no Sudão aumentem o diálogo e avancem conjuntamente no processo de transição política”, disse o MRE.
O secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken, pediu um cessar-fogo imediato no Sudão, em declaração à margem de reunião de ministros das Relações Exteriores do G7 no Japão. “Há uma profunda preocupação compartilhada sobre os combates e a violência que estão acontecendo no Sudão — a ameaça que isso representa para os civis, que representa para a nação sudanesa e potencialmente representa até mesmo para a região”, destacou.
Segundo a AP, os militares do Sudão têm o apoio do Egito, enquanto as FAR contam com a Arábia Saudita e os Emirados Árabes Unidos – com quem estreitaram laços nos últimos anos ao enviar milhares de combatentes para apoiar sua guerra no Iêmen. Egito, Arábia Saudita e Emirados pediram o fim dos combates e a abertura de negociações.
Fonte: Papiro