Ministra denuncia desmonte na fiscalização ambiental
A ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, afirmou, nesta segunda-feira (17), que encontrou um desmonte na fiscalização ambiental do país. Ao participar de seminário sobre os direitos dos povos indígenas, no Superior Tribunal de Justiça (STJ), Marina disse que, em 2008, quando chefiou a pasta, deixou o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) com 1,7 mil fiscais, após receber do governo Fernando Henrique com 1.100 fiscais. E, agora, só encontrou 700 em todo o país.
A reportagem consultou especialistas que apontam a importância do órgão para a preservação ambiental. Mas também defenderam que, apenas repressão, é insuficiente para o convencimento das populações locais. É preciso combater a retórica falaciosa de que os órgãos ambientais servem apenas para atrapalhar o desenvolvimento local.
“No governo Bolsonaro, quando a gente diz terra arrasada, que houve um desmonte, é um desmonte mesmo. É com esses 700 fiscais que nós estamos trabalhando. Ainda bem que já conseguimos concurso para o Ibama, o ICMBio [Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade] e o Ministério”, afirmou as ministra.
No caso do Ibama, o pedido de concurso encaminhado pelo presidente do instituto, Rodrigo Agostinho, para o Ministério, pede o preenchimento de 2.408 vagas. São 1.503 para analista ambiental e 905 para analista administrativo, com remuneração de R$ 8.547,64. Marina também disse que pretende acionar os cerca de 300 servidores que estão na reserva.
Segundo a ministra, nos primeiros três meses do governo, foi possível aumentar o número de apreensões em 133%, aumento de embargos em 93% e as multas ambientais em 219%. Os dados foram comparados aos registrados no mesmo período do governo anterior.
“Não está sendo fácil. Colocamos uma base permanente do Ibama, uma corrente de aço no rio, para que não entre nenhuma balsa para garimpar. Nosso avião já levou tiro e nossa balsa foi atacada. É uma mistura de tráfico de drogas, de armas, todo tipo de violência atacando o povo indígena”, disse Marina Silva.
Bolsonarismo predatório
A especialista em gestão ambiental (IFPE), Inamara Melo, comentário que considera uma “catástrofe”, o que os bolsonaristas fizeram com o Ibama, com o ICMbio e com o Ministério do Meio Ambiente.
“Os servidores dos órgãos ambientais sofreram nos últimos anos com o negacionismo frente à crise climática que estamos vivendo, e o desmonte do aparelho estatal fez com que o desmatamento, os incêndios florestais e os crimes ambientais acontecessem de forma generalizada e rápida. Disseminou-se a idéia de que tudo pode, que os órgãos ambientais só servem para atrapalhar o desenvolvimento”, lamentou.
Inamara explica que é preciso que o desenvolvimento aconteça sem a degradação ambiental, sem a devastação das florestas. “Ou todos nós, inclusive o setor produtivo, terão muito mais a perder”, completa.
Ela reiterou que o terceiro governo Lula assumiu a tarefa de reaparelhar a estrutura do Estado para que ele volte a cumprir o seu papel. “O Brasil tem um arcabouço jurídico bastante avançado na área ambiental, resultado de muitos anos de luta. Mas o aparelho do Estado tem que dar conta da fiscalização e do controle ambiental, para que o monitoramento sobre o uso dos recursos naturais seja efetivo”, explica.
Para a ambientalista, quem atua nesta área assiste com alivio a volta do Ibama. “A operação nas terras indígenas é emblemática. A ministra já anunciou que tem negociado pra recompor o orçamento. Além disso, tem buscado a cooperação internacional para ações climáticas ambiciosas, trazendo o tema do clima para o centro do debate político”, concluiu.
Educação para o desenvolvimento sustentável
O professor de Meteorologia e Climatologia na UFAM e Diretor do Centro Ciências do Ambiente (CCA), Eron Bezerra, também comentou a denúncia da ministra. Para ele, esse desmonte dos órgãos de proteção do bioma e do ecossistema é reflexo da estupidez e do negacionismo científico. “Mas, principalmente, de uma clara e manifesta concepção predatória que predominou no governo anterior em relação ao uso dos recursos naturais”, disse o engenheiro agrônomo.
Embora o bioma amazônico sinta mais os efeitos da política bolsonarista, ele diz que esta política predatória foi aplicada no Brasil inteiro. Para Eron, os próprios órgãos precisam recuperar sua capacidade operacional e promoverem uma política de educação, de envolvimento da sociedade local na defesa dos recursos naturais.
Multa e repressão são insuficientes para garantir a preservação natural, de acordo com ele. “É preciso adotar uma política que seja dura e que seja educativa e cooperativa, que vise elevar o padrão de vida e de renda da população local. Sem elevar o padrão de vida das pessoas da região, elas serão vítimas fáceis do discurso falacioso, da enganação e da hipocrisia de que tem terra demais para pouco índio, que tem área demais para preservação ambiental, e outras sandices, ou melhor, vigarices, que se costumam repetir para justificar a ocupação predatória da Amazônia”, resumiu.
O ambientalista José Bertotti, pesquisador no Instituto de Energia e Meio Ambiente da UFPE, observou que o Ibama é o responsável por todas as licenças ambientais emitidas pelo Governo Federal e pela fiscalização do cumprimento das regras ambientais. É portanto o órgao executivo da política ambiental no Brasil. “Os números revelados pela ministra Marina Silva atestam a política de Bolsonaro nos últimos anos. São incontestes e falam por si mesmos”, afirmou, sobre a queda no número de fiscais.
Como ex-secretário de Meio Ambiente e Sustentabilidade de Pernambuco, Bertotti ainda lembrou que o Ibama não faz seu trabalho sozinho num país continental como o Brasil, mas as responsabilidades são compartilhadas entre estados e municípios. “Mas o Governo Bolsonaro desmontou o sistema nacional de meio ambiente, desmontou o Conselho Nacional de Meio Ambiente, o que agravou o desmonte. O ataque ao Ibama era para que não existisse mais este sistema nacional”, resumiu, apontando que o Ibama será uma chave na retomada da política ambiental no novo governo.
Ainda na posse, o presidente do Ibama, Rodrigo Agostinho, já apontara o enorme desafio de reconstruir o órgão pelo país. “Após tantas perseguições, assédios e erros estratégicos, vamos exercer a racionalidade.”, antecipou Agostinho. O órgão estava sem comando, desde o mandato de Eduardo Bim — que foi afastado do cargo, durante investigações da Polícia Federal que apuravam supostas ações do Ibama que favoreceriam a extração ilegal e exportação de madeira.
A ministra comenta a situação do Ibama a partir de 2h40m:
(por Cezar Xavier)