Lula fala em consertar país, mas mídia segue focada nos desejos do mercado
Como é de praxe em boa parte da grande mídia, o noticiário em torno do governo de Luiz Inácio Lula da Silva tende, sempre que o assunto permite, a dar maior espaço aos interesses do sistema financeiro. Hoje não foi diferente. Embora o encontro realizado nesta quinta-feira (6) com jornalistas dos veículos tradicionais tenha tido como foco central os cem dias de governo, o noticiário girou principalmente em torno de declaração do presidente que teria “desagradado o mercado”.
Comecemos por algumas das colocações feitas pelo presidente sobre os cem dias de governo. “Vamos fazer um esforço incomensurável para fazer a economia voltar a crescer. Minha obsessão nos primeiros três meses era retomar as políticas sociais que deram certo nesse país. A minha obsessão agora é com o crescimento e com a geração de empregos, e tenho certeza de que vamos conseguir sucesso”, declarou o presidente.
Lula disse, ainda, estar convencido de que “vamos consertar o país” e “mais do que satisfeito com o que conseguimos projetar nesses 100 dias. Eu não esperava que a gente conseguisse colocar o avião na pista com tanta rapidez”.
O presidente voltou a destacar que um dos principais focos do governo é recolocar o pobre no orçamento, máxima que tem servido como base para o desenvolvimento de políticas públicas nas mais diversas áreas da gestão federal.
Na próxima segunda-feira (10), um balanço mais completo do que foi realizado será apresentado. Mas, na reunião, Lula citou especialmente a retomada das políticas sociais como o Bolsa Família, o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE). Tais medidas, embora de caráter social, rebatem positivamente também na economia, conforme salientou o presidente.
Na reunião com os jornalistas, Lula disse ainda que sua prioridade, após viagem à China, será discutir uma política de crédito para estimular diferentes setores, pequenos e médios empreendedores, cooperativas, agronegócio, pequenos e médios empresários, a agricultura familiar e o pequeno e médio agricultor.
“Somente com a circulação de dinheiro é que vamos retomar o crescimento da economia. Não existe outro milagre, não existe outra possibilidade”, disse, criticando as altas taxas de juros que criam entraves para o investimento.
“Não é possível que você possa estabelecer crédito com taxa de juros acima de 15%, 16%, 17%, 18%. Tem gente pagando 30% no mercado para fazer investimento. Não é possível o Brasil continuar assim”, afirmou. Também salientou que o governo busca atrair investimentos externos e a retomada de obras paradas pelo país.
Ainda na pauta econômica, Lula salientou que “não existe muito milagre, não existe invenção. Em economia não tem mágica. Tem três palavras que considero as coisas mágicas da economia: estabilidade, credibilidade e previsibilidade. Se a gente conseguir estabelecer o funcionamento dessas três palavras, a economia volta a crescer como no período em que fui presidente da República”. Lula afirmou, ainda, que “não discutimos as mazelas da economia. Temos que discutir o que vamos fazer para mudar. Essa é a nossa tarefa”.
Durante a entrevista, Lula defendeu a necessidade de estimular o setor industrial e ao mesmo tempo, cuidar da área ambiental. Também salientou a importância da busca da paz na guerra entre Rússia e Ucrânia. E tratou de outros temas como a política de preços da Petrobras; o novo ensino médio; a tramitação das medidas provisórias no Congresso Nacional e a indicação à vaga do Supremo Tribunal Federal (STF), aberta com a aposentadoria do ministro Ricardo Lewandowski.
A voz do mercado
Apesar do amplo leque de assuntos — muitos dos quais permeiam a economia — boa parte do noticiário ficou nas declarações de Lula sobre o Banco Central, a política de juros e as metas inflacionárias.
“Só posso dizer para vocês: essa taxa de juros é incompreensível para o desenvolvimento do país. Nós vamos ter que encontrar um jeito de que o Banco Central comece a reduzir a taxa de juros. Não é compreensível, porque nós não temos inflação de demanda, não existe inflação de demanda no país”, apontou Lula.
O presidente continuou dizendo que viu “uma frase esses dias, que eu não sei se foi dita pelo presidente do Banco Central, de que para atingir a meta de 3% precisaria ter juros de 20%. Olha, eu não sei se foi verdade, se ele disse isso, mas é, no mínimo, uma coisa não razoável de ser dita, porque se a meta está errada, muda-se a meta”.
Pronto: foi o suficiente para que o noticiário se voltasse para o “mercado”, que teria ficado ouriçado com as falas do presidente. Segundo a Folha de S.Paulo, após a declaração, “dólar e juros futuros operavam em alta”. Nos noticiários de TV, comentaristas exploraram o assunto, em boa medida, novamente, vocalizando os desejos do mercado financeiro que, como mostrou pesquisa recente, vai contra o que pensa a maioria da população.
Pesquisa Datafolha divulgada no dia 2 de abril mostrou que 80% dos brasileiros avaliam que Lula age bem ao pressionar o BC para reduzir a taxa de juros, que hoje está em 13,75%, figurando entre as maiores do mundo. A política do BC — e a população percebe isso — beneficia o mercado, mas recai diretamente sobre o dia a dia das famílias, encarecendo e limitando o consumo, e trava o crescimento e o desenvolvimento do país.
No entanto, mais uma vez, boa parte da mídia seguiu o caminho de sempre: valorizar as “preocupações” do mercado em detrimento dos interesses do país que, no limite, diz respeito à entrada do pobre no orçamento. É a velha luta de classes, com roupagem de jornalismo desinteressado e imparcial.