Deixamos de tratar o que gera consenso na esquerda, diz Rafael Correa
Se depender do líder equatoriano Equador Rafael Correa, a esquerda na América Latina deve retomar pautas mais consensuais, como o combate à pobreza e à desigualdade, em vez de cair nas armadilhas “do norte, da direita”. Em entrevista à Folha de S.Paulo publicada nesta segunda-feira (3), Correa, ex-presidente do Equador (2007-2017), disse achar “um erro” a centralidade atribuída às chamadas pautas identitárias.
“Sim, são problemas, têm que ser tratados com muito respeito”, afirma. “Mas nem sequer resolvemos os problemas do século 18, as grandes contradições, a pobreza generalizada, a desigualdade, a exploração. E nos metemos a tentar resolver e ser vanguarda do mundo de problemas de última geração.”
Para Correa, algumas dessas pautas “estão na fronteira da questão moral, são polêmicos” e, por isso, não unem o conjunto da esquerda. “Se ser progressista é assinar esse checklist, não sou progressista. Ficamos discutindo isso – e o que, sim, gera consenso na esquerda, a pobreza, a desigualdade, deixamos de tratar”, criticou.
O ex-presidente acusa o imperialismo de impor esses “temas conflituosos” para que o campo progressista se “distrair do essencial: que estamos no continente mais desigual do planeta. E hoje ficamos brigando sobre casamento gay, aborto em qualquer momento”.
Ele afirma ter “o que chamam de posições conservadoras”, mas nem por isso se vê fora da esquerda tradicional. “O que me incomoda é que isso defina o que é ser de esquerda. Se Che Guevara estivesse contra o aborto sendo médico, não seria mais de esquerda? Se Pinochet estivesse a favor de aborto e casamento gay, não seria de direita?”, questiona.
Ser de esquerda, de acordo com o ex-presidente, é defender a justiça acima de tudo – desde a justiça social até a justiça de gênero. “Não se pode permitir que no mesmo trabalho a mulher ganhe menos ou que tenha que ficar em casa para o homem trabalhar, cuidar dos filhos, e o homem não. Isso é justiça”, sintetiza Correa.
Vítima de lawfare, Correa foi condenado sem provas por corrupção e está inelegível no Equador. Mesmo morando na Bélgica, é um dos principais articuladores da oposição ao atual presidente equatoriano, o direitista Guillermo Lasso, que está às voltas com um processo de impeachment.