O assessor especial do presidente Luiz Inácio Lula da Silva para assuntos internacionais, Celso Amorim, fez uma bateria de entrevistas na imprensa nacional para rebater o desagrado da Casa Branca, em Washington, com a opinião do Brasil sobre a guerra na Ucrânia. Com isso, ele revelou que o Brasil representa um posicionamento de muitos países que buscam um equilíbrio multipolar no mundo, em vez da hegemonia exclusiva dos EUA.

Enquanto a diplomacia da maioria dos países se alinha aos EUA ou se abstém, o presidente brasileiro optou, desde sua campanha eleitoral, por assumir um posicionamento mais assertivo sobre o assunto, ao querer promover o diálogo para a paz.

A proposta de reunir aliados para uma mesa de diálogo que leve ao fim da guerra, no entanto, surge no momento em que as potências ocidentais, incentivadas pelos EUA, movem-se para enviar armamentos ainda mais pesados para o campo de batalha na Ucrânia. Todos alegam estar defendendo o direito daquele país se defender da Rússia.

O que gerou mais reações por parte de Estados Unidos e União Europeia foram declarações do presidente Lula, durante viagem à China, de que as potências ocidentais estariam incentivando a guerra com o envio de armas. No entanto, a estratégia brasileira de manter a neutralidade e contribuir para a paz segue a tradição do país de valorizar o multilateralismo.

O coordenador de comunicação estratégica do Conselho de Segurança Nacional da Casa Branca, John Kirby, um porta-voz do governo americano, chegou a dizer na segunda-feira (17) que a posição brasileira “é profundamente problemática” e que o país estaria “papagueando (repetindo automaticamente) propaganda russa e chinesa” sobre a guerra.

Alguém precisa querer parar

No domingo (16), a declaração de Lula foi interpretada por alguns como uma responsabilização também da Ucrânia pelo conflito que se arrasta no Leste Europeu há 13 meses.

“O presidente [russo, Vladimir] Putin não toma a iniciativa de parar. [O presidente ucraniano, Volodimir] Zelenski não toma a iniciativa de parar. A Europa e os Estados Unidos continuam contribuindo para a continuação desta guerra”, disse Lula. Apesar da obviedade da declaração em ponderar que alguém precisa querer parar, para a guerra acabar, ela foi recebida de forma sensível pelo lado  sob ataque.

Após as reações negativas, Celso Amorim afirmou que é “totalmente absurdo” dizer que o Brasil papagueia a posição russa, em entrevista ao canal Globo News na terça-feira (18).

“Dizer que ‘papagueia’ a propaganda russa é totalmente absurdo. Temos vários pontos de convergência, mas em vários momentos o Brasil condenou, no atual governo, a invasão da Ucrânia”, lembrou ele.

À Folha de S. Paulo, Amorim defendeu a posição de Lula sobre a guerra da Ucrânia lembrando que críticas já foram feitas em alto e bom som à Rússia, que invadiu o país vizinho, e que o Brasil até mesmo acompanhou as nações ocidentais em uma condenação à invasão da Ucrânia na ONU.

Rancor e vingança 

O diplomata afirma que as ressalvas de Lula não são apenas à posição dos EUA e da União Europeia em relação ao conflito. Ele afirma que é preciso buscar a paz, e que “sanções” ou a insistência em “derrotar a Rússia” não vão resolver o assunto.

“O que você quer? Uma vingança? Dar uma lição?”, afirma ele à Folha sobre a postura dos países ocidentais no conflito. “A última vez que se tentou isso [com o Tratado de Versalhes depois da derrota da Alemanha na Primeira Guerra Mundial] deu no que deu”, diz o ex-chanceler, referindo-se à ascensão do nazismo, após a intransigência europeia com a Alemanha derrotada.

“Criar esse rancor traz o temor de uma situação parecida com a que se criou entre as duas guerras mundiais, e que levou à segunda guerra mundial”.

Amorim afirma também que o Brasil dá a devida importância ao papel dos EUA no reconhecimento do resultado eleitoral questionado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). Mas eles não são “fiadores da nossa democracia”, e isso não obriga o governo Lula a pactuar pelos interesses norte-americanos nas questões internacionais. “Não houve nenhum pacto de dizer: Olha, nós apoiamos o processo eleitoral e vocês vão nos apoiar no nosso conflito contra a China”

“Isso não nos obriga a ter que seguir todas as opiniões que eles têm. A gente pode divergir, como divergimos em outras coisas, em negociações comerciais e em outras questões.”

O valor da multipolaridade

“Na realidade, a posição do presidente Lula é muito clara: é uma defesa dos interesses brasileiros e da percepção brasileira em relação ao mundo”, enfatizou. O ex-chanceler diz que, ao Brasil, interessa um mundo multipolar e sem uma guerra fria entre bons e maus pois nele ‘nossa voz será mais ouvida’. 

Como uma potência média, o Brasil sempre vai defender a multipolaridade, em que haja mais de uma potência forte, e não apenas os EUA ditando os rumos da geopolítica. Senão, o alinhamento automático acaba anulando a voz brasileira. Amorim citou o debate sobre a desdolarização das relações econômicas, que busca um equilíbrio maior no mundo.

Com relação, especificamente, à guerra, Amorim disse que a busca do Brasil é pela paz e já se mostrou claramente crítico à invasão russa. “O Brasil condenou inúmeras vezes e em inúmeras ocasiões [a guerra entre Rússia e Ucrânia]. O presidente Lula verbalizou crítica à ação russa de invadir a Ucrânia. O Brasil defende o princípio da integridade territorial dos Estados. Não há dúvida sobre isso”, disse.

Ele reafirmou que o Brasil defende a Carta da ONU e o direito internacional. “Agora, o que a gente acha é que não adianta ficar só nisso, ou ficar fazendo sanções, ou querendo derrotar a Rússia. Isso não vai trazer a paz. A Rússia é um país muito importante e muito grande, além de ser parceiro do Brasil. E você tem que buscar uma maneira de que haja [negociações de paz]. Foi a ênfase do que o presidente Lula falou”.

Para Amorim, como para o governo, é clara a disposição das potências ocidentais em aprofundar a guerra, por suas próprias declarações. “Há declarações específicas [de autoridades dos EUA e de países europeus], do tipo ‘temos que derrotar a Rússia’ ou ‘temos que debilitar a Rússia’. Isso tem variado ao longo do tempo”.

Ao apenas trabalhar para fortalecer militarmente a Ucrânia, ou para impor sanções à Rússia, na opinião do diplomata, não se contribui para a paz. “Não se contribui para a conversa, não se cria um clima favorável à busca de negociações”.

O Brasil defende que a Europa pode criticar a ação específica da Rússia contra a Ucrânia, mas de uma maneira que não impossibilite a paz.

Amorim é enfático em dizer que a guerra não é uma solução nem para a Rússia nem para a Ucrânia. E isto está expresso na posição do Brasil.

Importância do Brasil

Ele ainda salientou que não se trata de ingenuidade brasileira, pois o esforço diplomático é para criar um grupo de países pela paz. Para isso, Lula tem viajado e conversado com o dirigente chinês, assim como outros governantes de países que não têm interesse na instabilidade europeia.

“Agora, ao contrário do que dizem até certos editoriais, o Brasil é um país importante, é um dos cinco maiores países do mundo em território, enfim, é um país muito respeitado internacionalmente”, disse ele. Diferente dos países que se alinham automaticamente aos interesses dos EUA, o Brasil vocaliza uma neutralidade e desinteresse pela guerra de muitos outros países menores ou iguais.

Quando se diz “há uma reação muito forte” às declarações de Lula, o assessor presidencial diz que é uma forte reação ocidental. “Agora, se você vai ver o que estão pensando os indianos, os africanos e muitos outros que talvez não tenham as mesmas condições de se exprimir, a visão não é a mesma”.

O capital que o Brasil joga nestes momentos é sua capacidade histórica de diálogo, diz Amorim, ”que é uma história de paz com seus vizinhos, de mediação, de procurar soluções pacíficas para os conflitos, como está na nossa Constituição e também na Carta da ONU.

Posição chinesa

Amorim destacou o bom entendimento que o Brasil tem com a China. Na opinião dele, a China não está “só empenhada em derrotar os EUA ou coisa que o valha”, embora admita que haja uma competição.

“A China é o país que mais cresceu com a globalização. E a globalização depende da paz. A nossa posição em relação a isso, ainda que partindo de óticas ou de pontos diferentes, se aproxima [à da China], porque nós também queremos a paz. Nós não queremos uma guerra fria nem queremos fazer opção [por um dos lados do conflito]”, comparou.

Amorim também mencionou que a posição sobre a guerra não é homogênea, mesmo na Europa. Ele citou o presidente da França, Emmanuel Macron, que conversou por mais tempo com Xi Jinping do que Lula. “E voltou também falando que era importante afirmar a autonomia estratégica da Europa”.

Macron disse que a Europa não consegue resolver seus próprios problemas, e que, portanto, não tem que se meter em Taiwan. “Eu imagino que em Washington houve pessoas que não gostaram. Mas isso é normal. Não é uma hostilidade. É uma busca da defesa do interesse de seu próprio país”, analisou.

(por Cezar Xavier)