Artistas e jornalistas defendem remuneração por plataformas digitais
Jornalistas e artistas, produtores culturais e criadores de conteúdo da internet, em geral, estão unidos em torno de uma campanha para que o Congresso aprove o PL das Fake News com exigência de que as plataformas digitais paguem adequadamente pelo conteúdo que publicam e disseminam nas redes sociais. Depois da visita de artistas ao Congresso Nacional, na terça-feira (25), viralizou na internet o vídeo em que Fernanda Torres, Matheus Nachtergaele, Letícia Sabatella, Caetano Veloso e outros defendem a remuneração de jornalistas e artistas pelas chamadas Big Techs (Facebook, Instagram, TikTok e outras).
Artistas de diversos setores estiveram na Câmara dos Deputados nesta terça-feira (25) para conversar com o presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), e líderes de partidos sobre a manutenção dos direitos autorais no PL das fake news. O grupo defende o trecho incluído pelo relator do projeto, Orlando Silva (PCdoB-SP), que assegura aos artistas a remuneração pela reprodução de conteúdos protegidos pela lei de direitos autorais nas plataformas digitais. Quem compareceu ao Congresso foi Marisa Monte, Gloria Pires, Paula Lavigne, Pretinho da Serrinha, Isabel Fillardis, Caio Blat e Frejat.
A ideia se concretizou em um artigo proposto pelo Ministério da Cultura, construído a várias mãos com o setor cultural, para incluir no PL. Inicialmente o texto tratava exclusivamente da remuneração do conteúdo jornalístico. O setor cultural propôs a inclusão do artigo estabelecendo a remuneração para todo conteúdo protegido pela Lei do Direito Autoral.
Há uma semana, organizações como a Associação Nacional dos Jornais (ANJ), a Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (ABERT) e a Associação Brasileira de Mídia Digital (ABMD) publicaram manifesto de apoio ao PL e pela valorização do jornalismo – e nele pediam que o pagamento de direitos autorais a artistas e produtores fosse tratado em projeto à parte.
Estas demandas levaram o Google a divulgar uma carta aberta apontando risco da votação urgente e colocou uma campanha patrocinada em sua própria plataforma contra o PL, a quem batizou de um projeto de lei “que pode piorar sua internet”.
Agora, as produtoras Paula Lavigne e Mari Stockler, do 342Artes, mobilizaram uma carta assinada por entidades de artistas, produtores, profissionais do audiovisual e da música, com a concordância de comunicadores e influenciadores digitais, tenta desfazer o mal-entendido.
“O jornalismo e a cultura precisam estar protegidos pela lei”, diz a carta, que fala com todas as letras o que está no artigo incluído: “remuneração para todos os produtores e criadores de conteúdo, incluindo o jornalístico, o audiovisual e o musical”. A carta pede, portanto, que “todo conteúdo protegido pela Lei do Direito Autoral seja devidamente remunerado”.
A carta foi entregue pelo grupo liderado na terça-feira (25), em Brasília, ao presidente da Câmara dos Deputados, deputado Arthur Lira (PP-AL). A carta é assinada por entidades, mas o artigo proposto pelo Ministério da Cultura tem o apoio de pesos pesados entre artistas e influenciadores digitais, como a cantora Anitta e o youtuber Felipe Neto, além de artistas como Frejat, o cineasta Toni Venturi, as atrizes Bel Kutner e Glória Pires, entre outros.
O texto reforça que o artigo alvo da polêmica não trata de moderação ou remoção do conteúdo, e sim da remuneração de conteúdo pelas plataformas. Em nada, portanto, significa uma ameaça ao jornalismo digital e à liberdade de expressão. “Assim como jornalistas, produtores, autores e artistas também são vítimas da desinformação, razão de existir do PL”, diz a carta. “Incluí-los na lei, portanto, está longe de configurar um ‘jabuti’, como algumas vozes chegaram erroneamente a defender, e sim uma forma de atender a um setor drasticamente afetado pela nula transparência das plataformas digitais, e pela ação dos bots que induzem os algoritmos e prejudicam criadores.”
Para o grupo lutar contra a manipulação do direito autoral é uma forma de combater a desinformação. A falta de transparência das plataformas digitais, pelo poder dos algoritmos, favoreceria este ambiente nocivo. Como lembra a carta, o PL fala em “promoção da transparência acerca dos critérios de recomendação de conteúdos”.
A iniciativa envolve um setor inteiro que sofre com os efeitos da baixa transparência das redes e do avanço da desinformação, fake news e discursos de ódio. O temor do setor cultural é que uma parte do debate seja adiado para “um futuro incerto” e acabe bloqueado por muitos anos, como ocorreu com o Marco Civil da Internet – que levou cinco anos entre a primeira ideia gestada no Executivo e a aprovação definitiva no Congresso.
A íntegra e as entidades signatárias, você confere abaixo:
ESTAMOS JUNTOS NA DEFESA DO PL 2630
O jornalismo e a cultura precisam estar protegidos pela lei
Artistas, produtores, criadores de conteúdo, comunicadores e influenciadores digitais reafirmamos a defesa do Projeto de Lei 2630, relatado pelo deputado Orlando Silva, e seu papel de proteção dos conteúdos jornalístico e cultural. O que ficou conhecido como projeto de lei das fake news estabelece normas, procedimentos e mecanismos de uso e de transparência de conteúdos de terceiros nas plataformas digitais.
Originalmente, o projeto previa a remuneração, pelas plataformas, apenas da atividade jornalística. O Ministério da Cultura, juntamente com o setor cultural, propôs a inclusão de um artigo estabelecendo a remuneração para todos os produtores e criadores de conteúdo, incluindo o jornalístico, o audiovisual e o musical. Ou seja, que todo conteúdo protegido pela Lei do Direito Autoral seja devidamente remunerado, de acordo com o regulamento do órgão responsável pela matéria, isto é, o MinC.
Nas últimas semanas, porém, manifestações públicas tentaram criar, intencionalmente ou não, uma falsa oposição entre jornalistas e artistas no debate sobre o projeto. Induziu-se assim uma percepção de que o artigo defendido pelo Ministério da Cultura afetaria a liberdade de expressão e o jornalismo digital.
Nada mais falso. O referido artigo trata de remuneração de conteúdo pelas plataformas, não de moderação ou remoção de conteúdo. Se aprovada, portanto, a lei protegerá a todos – jornalistas, comunicadores, artistas, produtores e criadores de conteúdo em geral, seja jornalístico, musical ou audiovisual.
O artigo sugerido pelo Ministério da Cultura expõe explicitamente essa defesa comum ao jornalismo, à música e ao audiovisual: “Os conteúdos protegidos por direitos de autor e direitos conexos utilizados pelas plataformas e provedores, incluindo-se aqueles ofertantes de conteúdo sob demanda e produzidos em quaisquer formatos que inclua texto, vídeo, áudio ou imagem, ensejarão remuneração a seus titulares pelas plataformas e provedores (…) Ficam abrangidos pelo caput os conteúdos musical, audiovisual e jornalístico (…)”.
Em outras palavras, o artigo reafirma um direito já previsto na Lei de Direito Autoral, exigindo das plataformas digitais a remuneração justa aos titulares de conteúdo protegido. Tal direito já existe no papel, mas na prática o ambiente digital tem gerado distorções e impacto negativo para veículos de comunicação, artistas, produtores e criadores de conteúdo em geral, ao permitir interpretações unilaterais da Lei de Direito Autoral por parte das grandes empresas, o que acarreta remunerações baixas ou inexistentes.
Não há oposição entre um campo e outro. Estamos juntos com o setor jornalístico em defesa da informação, da liberdade de expressão e da remuneração justa pelos conteúdos que produzimos. Assim como jornalistas, produtores, autores e artistas também são vítimas da desinformação, razão de existir do PL. Incluí-los na lei, portanto, está longe de configurar um “jabuti”, como algumas vozes chegaram erroneamente a defender, e sim uma forma de atender a um setor drasticamente afetado pela nula transparência das plataformas digitais, e pela ação dos bots que induzem os algoritmos e prejudicam criadores. Não à toa o PL fala em “promoção da transparência acerca dos critérios de recomendação de conteúdos”.
Portanto, não há razão para que o projeto de lei se restrinja ao conteúdo jornalístico e deixe para um futuro incerto o debate sobre o pagamento do audiovisual e da música pelas plataformas. Esse debate poderá ficar bloqueado por muitos anos, como ocorreu com o Marco Civil da Internet.
Num momento de intenso debate sobre o papel das big techs na disseminação e responsabilização dos promotores de discursos de ódio, ameaças à democracia, desinformação e fake news, tem-se uma oportunidade única para a regulação completa das plataformas – não pela metade.
Assinam esta carta:
342Artes
Associação Brasileira de Direito Autoral (ABDA)
Associação Brasileira de Autores Roteiristas (ABRA)
Associação Brasileira de Cineastas (ABRACI)
Associação Brasileira de Música e Artes (ABRAMUS)
Associação Paulista de Cineastas (APACI)
Associação dos Profissionais Negros do Audiovisual (APAN)
Associação das Produtoras Independentes do Audiovisual Brasileiro (API)
Associação Brasileira da Produção de Obras Audiovisuais (APRO)
Associação Brasileira de Artistas Gráficos e Visuais (AUTVIS)
Associação Procure Saber
Conexão Audiovisual Centro-Oeste, Norte e Nordeste (CONNE)
Diretores Brasileiros de Cinema e Audiovisual (DBCA)
Fórum Audiovisual de Minas Gerais, Espírito Santo e estados do Sul (FAMES)
Gestão de Direitos de Autores Roteiristas (GEDAR)
INTERARTIS Brasil
União Brasileira dos Compositores (UBC)
(por Cezar Xavier)