Ministros do Irã e da Arábia Saudita acompanhados pelo Chanceler da China, Qin Gang | Foto: Xinhua/Ding Lin

A Arábia Saudita e o Irã anunciaram em Pequim na quinta-feira (6) a retomada, com efeito imediato, das relações diplomáticas, após a reunião entre os respectivos ministros das Relações Exteriores, Faisal bin Farhan Al Saud e Hossein Amir-Abdollahian, a primeira em mais de sete anos.

A medida é desdobramento da declaração dos dois países, no mês passado, de restauração de vínculos sob mediação da China.

O encontro desta quinta-feira teve como anfitrião o ministro das Relações Exteriores da China, Qin Gang, e revela a importância que a política ganha-ganha de Pequim vem alcançando no mundo, baseada no multilateralismo, igualdade e diálogo, em contraposição à mentalidade de Washington de Guerra Fria, confrontação e divisão.

A primeira reunião e acordo Arábia Saudita-Irã de março “representa uma grande vitória diplomática para os chineses”, admitiu então a Associated Press, acrescentando que ela ocorre “quando os diplomatas tentam encerrar uma longa guerra no Iêmen, um conflito no qual tanto o Irã quanto a Arábia Saudita estão profundamente entrincheirados”.

A China saudou os dois países por terem desde então conduzido interações sólidas de alto nível e demonstrado plenamente sua atitude construtiva e sinceridade. “O que a China aprecia muito”, assinalou Qin, acrescentando que a China apoia os dois lados na adoção contínua de novos passos para facilitar as relações.

O chanceler chinês destacou que os laços aprimorados entre a Arábia Saudita e o Irã “ajudarão a salvaguardar a paz e a estabilidade regionais, estabelecendo um exemplo para o mundo resolver conflitos por meio do diálogo, além de fornecer uma excelente prática da Iniciativa de Segurança Global e construir uma comunidade com um futuro compartilhado para a humanidade”.

REPERCUSSÕES POSITIVAS

Os chefes da diplomacia saudita e iraniana expressaram seu apreço pelo papel da China em apoiar Riad e Teerã nas negociações, cujo sucesso está repercutindo positivamente em outros países do Oriente Médio.

O presidente do Irã, Seyed Ebrahim Raisi, já aceitou um convite do rei saudita Salman bin Abdulaziz Al Saud para visitar Riad. O convite é visto como um passo significativo para melhorar os laços entre iranianos e sauditas.

Em outro avanço, que se contrapõe ao divisionismo estimulado pela Casa Branca, a Arábia Saudita está planejando convidar o presidente sírio, Bashar al-Assad, para uma cúpula da Liga Árabe que Riad está hospedando em maio, informou a Reuters no domingo citando fontes não identificadas. A participação de Assad em uma cúpula da Liga Árabe, se concretizada, marcaria o desenvolvimento mais significativo em sua reabilitação no mundo árabe desde 2011, quando a Síria foi suspensa da organização em meio a um conflito interno com forças retrógradas agindo por procuração de Washington na tentativa vã de derrubar Assad.

Poucos dias após o acordo saudita-iraniano em Pequim, dois outros rivais regionais, a Turquia e o Egito, também começaram a enviar mensagens calorosas e falaram sobre o restabelecimento de relações diplomáticas plenas. O ministro das Relações Exteriores da Turquia, Mevlut Cavusoglu, visitou o Cairo em 18 de março para conversar com seu homólogo egípcio, Sameh Shoukry, pela primeira vez desde que as relações bilaterais foram rompidas há cerca de uma década.

Iraque, Omã e Emirados Árabes Unidos também elogiaram o acordo Arábia Saudita-Irã, enquanto o líder do Hezbollah, Hassan Nasrallah, disse que o acordo poderia “abrir novos horizontes” no Líbano, Síria e Iêmen.

O principal diplomata paquistanês Bilawal Bhutto Zardari, presidente do Conselho de Ministros das Relações Exteriores da Organização de Cooperação Islâmica – que reúne os 53 países de fé islâmica -, elogiou a China por “encorajar a resolução de disputas, em vez de encorajar disputas perpétuas”.

A importância dos laços da China com o Irã já eram bastante nítidos, desde o empenho de Pequim pelo Tratado JCPOA de limitação do potencial nuclear iraniano em troca do levantamento de sanções, aquele que o governo Trump violou, até o acordo estratégico China-Irã de 25 anos com investimentos da ordem de US$ 400 bilhões assinado no ano passado para aprofundar a cooperação, a industrialização do país e a construção de infraestrutura.

Mas o novo aqui é o desenvolvimento das relações sauditas com a China, indo além do já intenso intercambio comercial. Riad – registrou o jornal Global Times- costumava “ser um parceiro de segurança confiável para os EUA, mas nos últimos anos, o relacionamento saudita-americano tornou-se cada vez mais tenso”.

A bem da verdade, bem mais do que isso. Após a quebra do padrão Dólar-Ouro de Bretton Woods, para manter o dólar como moeda de reserva, os EUA fez a Arábia Saudita tornar o dólar como a única moeda usada na aquisição de petróleo, a principal commodity negociada no mundo, e o mecanismo do petrodólar pelo qual os sauditas aplicavam recursos da exportação de petróleo nos bancos norte-americanos e nos títulos do Tesouro, criando a base para a financeirização que se seguiu.

Com o uso dos combustíveis fósseis com os dias contados, e com a China tendo se tornado o maior comprador de petróleo saudita, nos últimos anos a relação entre os EUA e a Arábia Saudita passou por mudanças discretamente, registrou o GT.

“A autonomia da Arábia Saudita está aumentando ainda mais, e está adotando uma estratégia econômica sem dependência dos EUA. Também não é mais politicamente obediente aos EUA. Naturalmente, a Arábia Saudita está agora aumentando seus investimentos na China e buscando a mediação da China nas relações saudita-iranianas. A OPEP+ anunciou recentemente cortes surpresa na produção de petróleo, o que é inconsistente com o que os EUA esperam”.

O clima de ressentimento em relação aos EUA no Oriente Médio é generalizado, não apenas na Arábia Saudita, observa o GT, já que o envolvimento dos EUA na região é visto como impulsionado principalmente pelo desejo de se apossar dos recursos petrolíferos.

As tentativas dos EUA de controlar o cenário global de energia, especialmente no contexto do conflito Rússia-Ucrânia, irritaram muitos países, pois Washington exige constantemente que alguns países do Oriente Médio sacrifiquem seus próprios interesses para reprimir a Rússia, acrescenta.

Além disso, Washington quer transformar a região em um campo de batalha para a competição geopolítica de grandes potências, à qual a maioria dos países do Oriente Médio resiste. Washington insiste em ignorar que os assuntos regionais devem ser e serão decididos pelos países relevantes do Oriente Médio.

O estopim do rompimento das relações entre a Arábia Saudita e o Irã em 2016 foi a execução de um proeminente clérigo xiita pelas autoridades de Riad, o que desencadeou a invasão da embaixada saudita em Teerã por manifestantes. Em paralelo, a eclosão do levante revolucionário no Iêmen, contra o qual Riad interveio militarmente.

Fonte: Papiro