O tratado que uniu Brasil e Paraguai como sócios na construção da usina binacional de Itaipu completa 50 anos no dia 26 de abril. A dívida com o empreendimento foi quitada em fevereiro deste ano, o que possibilita renegociar os termos financeiros da estrutura para arrecadar e gastar os recursos da estatal. 

Em entrevista à Folha de S. Paulo, o novo diretor-geral de Itaipu, Enio Verri, já antecipou as mudanças que devem ocorrer com a estatal, sob o governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT). De cara, ela vai deixar de financiar novas obras no oeste do Paraná, para implementar projetos socioambientais em muito mais municípios do estado todo. Até então, a empresa financiava construção de pontes, estradas e pista de aeroporto no estado.

“Vamos manter os compromissos firmados pela gestão passada, mas não vamos começar novas obras”, diz o economista.”Não precisamos fazer investimentos em Londrina, Maringá, Cascavel, cidades mais ricas. Mas as cidades menores, com o IDH [Índice de Desenvolvimento Humano] mais baixo, serão atendidas”, afirma ele, que tem origem em Maringá.

A meta de colocar a estatal de energia a serviço de uma missão socioambiental, no entanto, não está atrelada à redução na tarifa de energia. Verri defende manter o modelo atual para garantir retornos em forma de benefícios para a sociedade “como investimentos em projetos de inovação e políticas públicas socioambientais”.

“Defendo esse papel. O papel de uma empresa estatal, que não gera lucro, mas seja um instrumento de motivação do desenvolvimento econômico e social”, declarou.

Tarifa negociada

Verri disse que a negociação unilateral do governo anterior para uma tarifa de US$ 12 ignorou o sócio paraguaio, de uma forma desrespeitosa. Também gerou déficit na empresa, o que foi corrigido provisoriamente com a tarifa de US$ 16.

Um estudo da gestão passada apontou que, sem a dívida [da construção da usina], a tarifa ficaria em torno de US$ 12,67 o kilowatts, pela lógica do Brasil. “Isso levaria a uma redução maior do preço da energia. Mas o Paraguai queria manter os US$ 20. Foi preciso muita negociação para chegarmos a US$ 16,71”, explicou, avaliando que a redução no valor da tarifa obtido representa uma queda de um ponto percentual no valor da energia no país.

Na nova gestão, Verri diz que os recursos obrantes serão usados na “missão de Itaipu” de produzir energia limpa e de qualidade, desenvolver políticas ambientais, sociais e na área de infraestrutura. Mas também de terminar a Unila, a Universidade Federal da Integração Latino-Americana, que está paralisada. Verri tem apreço especial pela estruturação da universidade, pois é doutor em Integração da América Latina pela USP.

“Vamos trabalhar com outras iniciativas, como a organização da agricultura familiar e da pesca, políticas de reciclagem, de gênero, sociais, que visam a geração de emprego e renda, marcas do governo federal”, acrescentou.

Verri também esclareceu as diferenças entre políticas do Brasil e do Paraguai, devido ao argumento de que os brasileiros pagam mais pelos projetos paraguaios. Segundo ele, é preciso considerar que metade da energia é do Paraguai, para vender para o Brasil, que consome 85% de tudo que é produzido na usina. Por isso, haveria a disputa pelo maior preço da tarifa do lado de lá, o que deve durar mais dez anos, segundo o gestor. 

“A divisão dos recursos para investimento socioambiental é meio a meio, mas a política de investimento que nós fazemos não é exatamente igual. Não há nenhum compromisso do Paraguai em fazer política de inclusão social como nós queremos fazer no Brasil”, explicou.

O diretor também respondeu à crítica de que os 110 milhões de brasileiros que pagam pela energia de Itaipu não têm acesso aos benefícios socioambientais. Segundo ele, o debate que está começando visa ampliar o alcance dessas políticas que atendiam o oeste do Paraná, uma região de 56 municípios.

Verri também faz a conta de como estes recursos investidos no Paraná favorecem o resto do país. “Quando Itaipu investe para terminar a Unila, o Ministério da Educação não vai tirar dinheiro do orçamento da educação para ela e, consequentemente, vai sobrar esse recurso para investir no resto do país”, ponderou. Da mesma forma, “milhões de brasileiros vivendo em comunidades carentes nas região, sem acesso a um estudo superior, vão pagar a universidade no Paraná pela conta de luz”. 

Com o fim da dívida, o Brasil poderá renegociar o Anexo C, que trata justamente das questões financeiras do tratado. Segundo Verri, o perfil do novo governo paraguaio vai definir o tipo de reivindicação a ser feita. 

A eventual vitória de um candidato mais liberal, pode significar a abertura da venda da energia no mercado livre, e não mais obrigatoriamente para o Brasil. “O Paraguai vai querer uma tarifa mais cara para continuar fazendo investimentos no Estado, além de fornecer energia, ou, por conta do seu crescimento econômico, que está sendo constante, vai achar melhor baixar o preço e melhorar sua competitividade no mundo?”

(por Cezar Xavier)