Ao prender Jack Teixeira por vazamento, FBI expõe digitais dos EUA na Ucrânia
Um aviador da Guarda Nacional, Jack Douglas Teixeira, de 21 anos, foi preso em Boston na quinta-feira (13) sob acusação de vazamento de documentos do Pentágono, em um caso de grande repercussão, não só por ter supostamente relação com a guerra por procuração dos EUA/Otan contra a Rússia na Ucrânia e sua badalada ‘contraofensiva da primavera’, como pela revelação de que Washington foi flagrado de novo espionando regimes aliados, como a Coreia do Sul e Israel, e até o secretário-geral da ONU, Antonio Guterres.
Curiosamente, a identidade do vazador havia sido exposta na véspera pelo jornal The New YorK Times. Na sexta-feira, as cenas de um jovem de calção vermelho sendo preso pelos vazamentos foram exibidas e repetidas na mídia à exaustão.
Entre os analistas, há questionamentos sobre a natureza do vazamento, inclusive se não se trata de manobra diversionista de que Teixeira acabou virando instrumento, tendo em vista a complicada situação ucraniana no terreno.
Como indício disso, há a participação nesse imbróglio da notória fachada do serviço secreto inglês, o site Bellingcat, já utilizado anteriormente em operações encobertas e desinformação no Donbass e na Síria.
Foi o Bellingcat que publicou as primeiras pistas para a ‘caçada ao vazador’, como citado pelo Washington Post e pelo NYT, permitindo chegar à identidade dele.
Curiosamente, uma semana antes a agência de noticias britânica Reuters atribuíra enfaticamente à Rússia o vazamento, citando fontes sob anonimato dos serviços secretos norte-americanos.
Analistas também apontaram a coincidência entre o “vazamento” e o surgimento de declarações de círculos próximos ao Pentágono sobre a necessidade de adiar até o verão a contraofensiva ucraniana anunciada para abril.
O Kremlin reagiu ao vazamento, com o porta-voz presidencial, Dmitry Peskov, assinalando que a Rússia “não tem a menor dúvida sobre o envolvimento direto ou indireto” dos EUA e da OTAN na guerra na Ucrânia e que “esse nível de envolvimento está aumentando”.
Por sua vez, o regime de Kiev, como era de se esperar, atribuiu o vazamento à “desinformação russa”. “O propósito do ‘vazamento’ de dados supostamente secretos é desviar a atenção dos preparativos reais para o próximo estágio da guerra… Semear certas dúvidas e suspeitas mútuas entre os parceiros”, postou no Telegram o conselheiro de Zelensky, Mykhailo Podolyak.
É altamente improvável que o comando russo engula pelo valor de face o súbito vazamento, para a sua campanha de desmilitarização e desnazificação da Ucrânia.
Apesar de cerca de 60 documentos terem sido divulgados até agora, os meios de comunicação dos EUA indicam ter acesso a muito mais. O Post informou na quinta-feira que “revisou aproximadamente 300 fotos de documentos classificados, a maioria dos quais não foi tornada pública”.
Teixeira permanecerá na prisão até sua audiência de detenção em 19 de abril, disse o escritório da promotoria em Boston. Segundo a CNN, ele não apresentou contestação formal no tribunal na sexta-feira (14). Dependendo das acusações, ele estará sujeito a 10 anos ou mais de cárcere.
Desde fevereiro de 2022, o público norte-americano vem sendo submetido a uma enxurrada incessante de propaganda em torno da guerra na Ucrânia, que visa angariar apoio para o envolvimento dos EUA em um conflito militar brutal e fratricida do outro lado do globo contra uma potência nuclear, a serviço da expansão da Otan e da manutenção da ‘ordem unipolar sob regras’ dos EUA.
A mídia repete dia e noite que o conflito é uma “guerra não provocada”; que os objetivos da Ucrânia são “defensivos” e não há “tropas americanas” na Ucrânia. Ainda, que a vitória sobre os russos malvados “está chegando”, se Washington enviar mais dinheiro e armas.
Segundo o Washington Post, um homem conhecido como “OG” [Old Guy, Cara Velho] inicialmente começou a compartilhar os documentos com cerca de duas dezenas de conhecidos em uma sala de bate-papo privada chamada “Thug Shaker Central” na plataforma amigável para jogadores, Discord. Os documentos vazados são uma salada de classificações. Desde sensível, mas não classificado, a Secret e a ‘Top Secret/NOFORN’ – o que significa que aliados estrangeiros não têm acesso.
Ao grupo, o vazador teria dito que trabalhava em uma base militar onde passava parte do dia dentro de uma “instalação segura que proibia telefones celulares e outros dispositivos eletrônicos”, e anotava documentos classificados para compartilhar, o que depois evoluiu para a postagem de fotos.
Oriundo de uma família de militares de ascendência portuguesa, Teixeira havia sido destacado para a Base da Guarda Aérea Nacional Otis em Massachusetts, onde foi alocado em uma unidade de inteligência como especialista em TI responsável por redes de comunicações militares e recebeu em 2021 uma autorização de segurança ultrassecreta.
A plataforma Discord forneceu ao FBI por volta de 12 de abril registros com informações sobre o administrador do servidor. Tais registros mostraram que Teixeira usou seu nome real e endereço residencial para as informações de cobrança associadas à sua conta.
Foi dito que um usuário o teria identificado ao FBI como o administrador do servidor, com base em sua foto na carteira de motorista. Monitoramento de uma agência federal não identificada descobriu que Teixeira havia “usado seu computador do governo para pesquisar relatórios de inteligência classificados pela palavra ‘vazamento’”, de acordo com o depoimento.
VAZA-QUE-VAZA
Parte das postagens exibidas no Discord tem foco no conflito na Ucrânia. Como a de que cerca de 100 soldados das tropas especiais dos EUA e Otan estão operando em solo ucraniano, ao contrário do que tem dito Washington e Bruxelas.
O número de baixas russas seria muito menor do que o das ucranianas; dependendo da ‘reprodução’ anexada nas redes, variaria de 1 para 7 a até 1 para 2. Note-se que a própria presidente da Comissão Europeia, Ursula Von der Leyen, havia anteriormente quantificado em público as perdas ucranianas em 100.000.
A defesa antiaérea ucraniana ficaria sem munição até maio. E, de uma forma ou outra, o que está em discussão é se a ‘contraofensiva’ vem ou não. E se a narrativa da Otan de que “a Ucrânia está vencendo” se sustentará.
Causa estranheza que a ‘informação’ de que o Mossad estaria insuflando as mobilizações contra a política do governo Netanyahu de sujeição do judiciário faça parte do pacote vazado. Ou, como formulou um colaborador do portal Moon of Alabama, o que explicaria que a Guarda Nacional, uma força militar para emergências domésticas, receba informações secretas sobre operações estrangeiras?
Segundo outro vazamento, a China “testou e implantou um novo míssil hipersônico de longo alcance que provavelmente é capaz de escapar das defesas dos EUA”. O Egito teria se comprometido a “fornecer 14.000 foguetes para a Rússia”, mas queria que a entrega fosse escamoteada. O grupo paramilitar russo Wagner pretenderia “ingressar no Haiti”.
CONFIANÇA ABALADA
O vazamento de documentos altamente confidenciais do Pentágono minou a “confiança” entre os EUA e seus aliados, ex-funcionários da inteligência afirmaram à CNBC na sexta-feira. “É difícil confiar em nós com seus segredos se não podemos protegê-los”, disse Bill Lynn, ex-subsecretário de defesa dos EUA e atualmente CEO de uma empresa bélica. “É devastador para nossos aliados ver esse tipo de informação sendo divulgada.”
Para o ex-subsecretário, o incidente já deixou um grande abalo nas relações com os parceiros de Washington e agora eles serão cautelosos em compartilhar seus segredos.
Marty Martin, um agente de inteligência veterano que serviu na CIA, NSA e no Exército dos EUA, afirmou que a noção de que os documentos foram presumivelmente acessados, impressos e publicados em um servidor de bate-papo de jogos por um aviador júnior foi particularmente prejudicial para Washington.
“O fato de um garoto de 21 anos ter acesso a esse tipo de material? Nossos aliados estão nos vendo como desleixados e incompetentes”, disse Martin à emissora.
Outro executivo do complexo militar-industrial dos EUA, que falou com a CNBC sob condição de anonimato, expressou dúvidas de que o suposto vazador fosse o único culpado por trás do escândalo. Alguns dos documentos, a saber, um papel altamente confidencial da CIA, “nunca teriam sido divulgados para outras agências, nem mesmo dentro da comunidade de inteligência”, argumentou. O executivo acrescentou que era extremamente suspeito que um jovem aviador tivesse “esse tipo de acesso”.
“Só não estou convencido de que uma base da Guarda Nacional tenha acesso a esses tipos de documentos. Então, estou me perguntando se outros documentos foram adicionados à mistura”, disse ele. O Pentágono não confirmou nem negou a autenticidade dos documentos vazados, reconhecendo apenas que estava levando a situação “muito a sério” e prometendo “revirar cada pedra” para estabelecer o que aconteceu, registrou a RT.
Fonte: Papiro