Violência contra a mulher cresce e atinge 18 milhões de brasileiras
O grau de violência que atinge as brasileiras piorou em 2022. Se nunca foi fácil garantir cidadania plena à fatia feminina da população, nos últimos quatro anos, sob o governo de Jair Bolsonaro (PL), a dificuldade se tornou ainda maior. Pesquisa feita pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública e Datafolha estima que cerca de 18,6 milhões de mulheres foram vitimizadas em 2022 e revela que todas as formas de violência contra elas aumentaram no ano passado.
O relatório aponta que 28,9% das mulheres disseram ter sido vítima de algum tipo de violência ou agressão, a maior prevalência já verificada na série histórica. Quando comparado com a pesquisa feita em 2021, chega-se a um aumento de 4,5 pontos percentuais, o que revela um sensível agravamento do quadro.
Destrinchando essas informações, verifica-se, entre outros tipos de violência detectadas, que a maioria, 23,1%, sofreu algum tipo de agressão verbal; 13,5% foram vítimas de amedrontamento ou perseguição; 12,4% receberam ameaças físicas e 11,6% foram efetivamente agredidas com batidas, empurrões ou chute.
Reveladores do alto grau de agressividade, cresceram também os espancamentos ou tentativa de estrangulamento, apontados por 5,4% das entrevistadas; ameaças com faca ou arma de fogo respondem por 5,1%, e lesão provocada por algum tipo de objeto atirado, 4,2%.
“Cabe destacar, na comparação com as pesquisas anteriores, que estamos diante de um crescimento acentuado de formas de violência grave, que podem incorrer em morte da mulher, como é o caso do crescimento de episódios de perseguição, agressões como tapas, socos e chutes, ameaça com faca ou arma de fogo e espancamentos”, diz o relatório.
Ainda segundo o levantamento, as mulheres negras apresentaram níveis de vitimização muito mais elevados nos casos de violência física severa. Outro dado revelador do drama sofrido pelas brasileiras é que em média as vítimas de violência ou agressão nos últimos 12 meses sofreram quatro episódios no período. Entre as divorciadas a média foi de nove agressões.
O lar segue sendo o local onde acontece a maioria dos casos. Se na pesquisa de 2021, o índice foi de 48,8%, em 2022 passou para 53,8%. Em segundo lugar, mas bem distante do primeiro, está a rua, que registrou 17,6% no ano passado, com ligeira queda em relação aos 19,9% de 2021.
Os autores da violência seguem sendo majoritariamente pessoas conhecidas, que somam 73,7%, sendo que destes, ex-cônjuge, ex-companheiro ou ex-namorado respondem por 31,3% dos casos, seguidos de cônjuge, companheiro ou namorado, que representam 26,7%, o que demonstra que nem sempre o fim de um relacionamento estanca os casos de violência doméstica.
Outra constatação grave trazida pela pesquisa diz respeito ao alto número de assédio sofrido, que esteve presente nas respostas de 46,7% das entrevistadas. “Projetando este percentual para o universo da população, estamos falando de 30 milhões de mulheres que foram assediadas sexualmente no ano de 2022”, diz o levantamento.
Um dado inédito trazido pelo levantamento mostra que uma em cada três brasileiras com mais de 16 anos sofreu violência física e sexual provocada por parceiro íntimo ao longo da vida, o que corresponde a 21,5 milhões de mulheres vítimas de violência física ou sexual por parte de parceiros íntimos ou ex-companheiros, representando 33,4% da população feminina do país.
Ao todo, a pesquisa ouviu 2.017 pessoas, entre homens e mulheres, em 126 municípios brasileiros, no período de 9 a 13 de janeiro de 2023, e foi realizada Instituto Datafolha e com apoio da Uber.
O que leva a tamanha violência?
Ao contextualizar os dados obtidos, o Fórum Brasileiro de Segurança Pública aponta alguns dos principais aspectos por trás do crescimento da violência que atinge as mulheres, para além das questões culturais e históricas que levam ao machismo e à misoginia.
O relatório mostra como fatores que influenciaram diretamente essa situação, além das dificuldades impostas pela pandemia, o desfinanciamento das políticas de enfrentamento à violência contra a mulher por parte do governo de Jair Bolsonaro (PL) e o posicionamento adotado pela extrema-direita no país.
No caso do primeiro fator, é importante lembrar, conforme colocado pelo FBSP, que segundo o Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), “em 2022 ocorreu a menor alocação orçamentária para o enfrentamento da violência contra mulheres em uma década”.
Soma-se a isso todo caldo de ódio promovido pelo bolsonarismo contra a luta das mulheres por igualdade de gênero e contra o machismo e seu estímulo à violência e ao armamentismo.
O processo de violência de gênero, diz o relatório, “parece ter se intensificado na sociedade brasileira com a eleição do político de extrema-direita Jair Bolsonaro. Se a eleição de Bolsonaro é sintoma de uma sociedade em que grupos ultraconservadores encontraram espaço para florescer, foi em sua gestão que a violência política, a violência contra jornalistas (especialmente mulheres), e a radicalização de parte significativa da população se consolidaram”.
O estudo lembra, ainda, que a maior circulação de armas de fogo pode aumentar o número de vítimas de violência doméstica, não apenas mulheres. “O crescimento de armas em circulação pode estar associado ao aumento substancial das ameaças com uso de armas de fogo. A prevalência, que era de 3,1% em 2021, chegou a 5,1% na pesquisa mais recente. Projetando estes dados para a população feminina estimamos que há dois anos, 2.199.388 mulheres haviam sido ameaçadas com facas e armas de fogo, e na pesquisa mais recente o número de mulheres ameaçadas chegou a 3.303.315”, diz.
O drama do estupro
Outra pesquisa recém-divulgada, feita pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) também revela a dura realidade enfrentada por parte considerável da população feminina. A estimativa aponta que o número de casos de estupro no país por ano é de 822 mil, o equivalente a dois por minuto.
O cálculo foi feita a partir de dados da Pesquisa Nacional da Saúde, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (PNS/IBGE), e do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan), do Ministério da Saúde, tendo 2019 como ano de referência.
Na avaliação dos pesquisadores envolvidos, os dados são conservadores devido às dificuldades que muitas das vítimas têm de revelar a violência e buscar assistência. Do total aferido, o estudo aponta que apenas 8,5% chegam ao conhecimento da polícia e 4,2% são identificados pelo sistema de saúde.
Segundo o Ipea, “o quadro é grave, pois, além da impunidade, muitas das vítimas de estupro ficam desatendidas em termos de saúde, já que, como os autores ressaltam, a violência sexual contra as mulheres frequentemente está associada a depressão, ansiedade, impulsividade, distúrbios alimentares, sexuais e de humor, alteração na qualidade de sono, além de ser um fator de risco para comportamento suicida”.