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O avanço do garimpo ilegal sobre as terras indígenas na Amazônia brasileira nos últimos anos foi objeto de um detalhado relatório recém-lançado pela Aliança em Defesa dos Territórios, articulação política dos povos Yanomami, Munduruku e Kayapó. O documento esmiúça os mecanismos que promovem a atividade na região, aponta as fragilidades institucionais da cadeia do ouro e lista medidas necessárias para combatê-las. 

De acordo com o documento, intitulado “Terra Rasgada: como avança o garimpo na Amazônia brasileira”, entre 2010 e 2020 o garimpo ilegal nas terras indígenas aumentou 495%, sendo os territórios Kayapó (PA), Munduruku (PA) e Yanomami (RR) os mais impactados pela atividade. 

Segundo dados do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), o garimpo ilegal saltou mais de oito vezes entre 2016 e 2022. Somente nos anos do governo de Jair Bolsonaro (PL), a permissividade a esse tipo de atividade e o desmonte das estruturas de fiscalização levaram a sucessivos e sensíveis aumentos. 

Em 2016, por exemplo, o avanço do garimpo sobre a área indígena foi de 12,87 km², número que seguiu aumentando, mas que cresceu sensivelmente no primeiro ano de Bolsonaro, passando para 97,24 km². Um novo salto ocorreu em 2021, quando foi para 114,26 km². Somente no último ano de seu governo a atividade caiu para 62,1 km², ainda muito acima do que o registrado seis anos antes. 

Fatores políticos

Porém, embora movimentos sociais, entidades indígenas e ambientais e veículos de comunicação venham denunciando há anos essa situação —que leva doenças, fome, miséria, violência e morte, sobretudo para as populações indígenas, além do desmatamento, da mortandade animal e poluição ambiental — somente mais recentemente, com a explicitação da crise humanitária vivida pelos yanomamis e a tomada de medidas por parte do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), é que grande parte da população tomou conhecimento da situação. 

Sob o governo Bolsonaro, a questão não apenas era abafada como a atividade ilegal era direta ou indiretamente estimulada, enquanto aumentavam a tragédia dos indígenas e o desmatamento da Amazônia. 

No que diz respeito aos fatores políticos que influenciaram a expansão do garimpo em terras indígenas na Amazônia nos últimos anos, diz o relatório “é preciso destacar, de partida, que, embora não se restrinja ao contexto do governo Bolsonaro, o problema tomou uma dimensão inédita a partir de 2019, em comparação a todo o período após a Constituição de 1988. Não é novidade o amplo e irrestrito apoio de Bolsonaro à expansão do garimpo em terras indígenas — que se materializou não apenas no seu discurso, mas também em proposições como o PL 191/2020 [que autoriza a mineração em terras indígenas], entre outras. Por outro lado, é fundamental observar que, aliado a esse posicionamento e à formulação dessas proposições, ocorreram, de maneira sistemática, o aparelhamento da Funai e o desmonte da fiscalização ambiental”. 

Além disso, o documento lembra que a exploração garimpeira na Amazônia “se revelou uma das questões mais críticas da região, da produção viabilizada localmente por organizações criminosas (e amparada, não raro, por corrupção e outros crimes envolvendo agentes públicos), às movimentações milionárias de empresas brasileiras e estrangeiras suspeitas de crimes financeiros e fiscais na compra e venda do metal”.

Ao se debruçar sobre os crimes conexos ao garimpo, o relatório traz evidências que mostram essas relações e ressalta ainda que além da exploração ilegal feita em Terras Indígenas e Unidades de Conservação, “a produção de ouro em garimpos é, em numerosos casos, acompanhada de outras infrações penais, configurando verdadeiras organizações criminosas”. 

De um lado, diz o documento, “a rotina do garimpo ilegal é permeada por condutas ilícitas que vão da prática de crimes ambientais e contra o patrimônio público ao tráfico de pessoas, exploração sexual de mulheres e crianças (indígenas e não indígenas) e condições de trabalho análogas à escravidão. De outro lado se conjugam, tanto à produção como à comercialização de ouro, esquemas criminosos direta ou indiretamente vinculados à atividade garimpeira, como tráfico de mercúrio, de drogas e de armas”.

Responsabilidades e medidas

Além disso, o relatório aponta as responsabilidades de órgãos públicos para a piora dessa situação. No caso da Agência Nacional de Mineração (ANM), destaca, entre outras, a omissão fiscalizatória e a ausência de implementação de um sistema eletrônico de controle da cadeia de custódia de ouro; déficit de fiscalização das Permissões de Lavra Garimpeira (PLG) e quanto ao recolhimento da Contribuição Financeira pela Exploração de Recursos Minerais (CFEM) e interpretação equivocada da legislação. 

Também são apontadas responsabilidades do Banco Central quanto a deficiências de fiscalização das Distribuidoras de Títulos e Valores Mobiliários (DTVM), entre outras, e da parte da União (Receita Federal), a não implementação da Nota Fiscal de Aquisição de Ouro na modalidade eletrônica e a autorização de exportação sem exigir comprovação de origem do ouro exportado. 

Por fim, o relatório detalha as medidas necessárias, de acordo com as entidades, pare enfrentar o garimpo ilegal nas terras indígenas. Entre essas estão eixos como a proteção integral de terras indígenas, com ações para reprimir o avanço do garimpo ilegal e impedir novas frentes de invasão — com o aumento da fiscalização, o bloqueio de estradas, a destruição de pistas de pouso clandestinas, de meios de transporte e maquinário e a interrupção de serviços como o de internet para os garimpos dentro das terras indígenas, entre outras —, além do controle da cadeia do ouro, com a  implementação de mecanismos já existentes e a criação de novos mecanismos. 


Leia aqui a íntegra do relatório.