Foto: Rafael Matsunaga/Fotos Públicas

No mês de março, a quebra de dois bancos estadunidenses — Silicon Valley Bank e Signature — e o resgate ao Credit Suisse trouxeram à tona o medo de uma nova crise generalizada, como a de 2008. Embora cause preocupação e seja mais um sinal da natureza geradora de instabilidades própria do capitalismo, sobretudo o financeiro, ao menos por ora não há sinais de um terremoto de proporções globais, segundo avaliação do professor de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Ernani Torres. “Eu não acredito em coisa pesada, mas acredito que o sistema pode ficar chacoalhando”, diss.

A falência do Silicon Valley Bank, banco californiano focado no atendimento às startups e empresas de tecnologia e 16º maior dos EUA, foi a segunda maior desde a crise de 2008. A explicação para a quebra estaria no aumento das taxas de juros no país. Ao serem afetadas, as empresas do ramo passaram a ter dificuldade para conseguir crédito. 

Assim, algumas começaram a sacar seus depósitos que, em boa medida, estavam investidos em títulos do Tesouro de longo prazo, que perderam valor com a alta dos juros. Com essa situação, no dia 10, o SVB passou a ser controlado pelo Federal Deposit Insurance Corporation (Fdic). Dois dias depois, foi anunciado o fechamento do Signature Bank, do ramo das criptomoedas, tornando-se a terceira maior falência de banco do país. Seus ativos também foram assumidos pelo Fdic. 

O caso do Credit Suisse, um dos maiores do mundo, que acabou sendo comprado pelo UBS, tem a ver com problemas acumulados há alguns anos. Segundo a BBC Brasil, “gestão divisiva, exposição cara à empresa financeira Greensill Capital, que entrou em colapso em 2021, um caso decadente de lavagem de dinheiro e uma perda da confiança dos clientes nos últimos meses. Resultado: bilhões foram retirados do banco”. 

Cenário pós-quebras

Nesta quarta-feira (22), o Federal Reserve (FED), banco central dos Estados Unidos, aumentou a taxa de juros em 0,25 ponto percentual para uma faixa entre 4,75% e 5%. Ao justificar a medida, além de citar as últimas turbulências — que também inclui dificuldades enfrentadas pelo First Republic Bank —, o FED apontou:  “O sistema bancário dos EUA é sólido e resiliente. Acontecimentos recentes devem resultar em condições de crédito mais restritivas para famílias e empresas e pesar na atividade econômica, nas contratações e na inflação. A extensão desses efeitos é incerta. O Comitê permanece altamente atento aos riscos de inflação”.

A nota parece ressoar ainda certo trauma daqueles anos de quebradeira da crise do “subprime”. Há poucos dias, aliás, foi divulgado pelo Federal Deposit Insurance Corporation (Fdic) que desde 2001 os EUA registraram a falência de 563 bancos. O número impressiona, mas especialistas dizem que ele tem relação com a natureza e a dinâmica do sistema local. Por outro lado, o pico dessas quebras aconteceu a partir de 2008 até 2010, justamente devido à crise puxada pelo Lehman Brothers. 

Para Ernani Torres, o professor da UFRJ, esse alto número de falências, por si só, não chega a ser um grande problema. “Agora, a quebra desses dois bancos médios e dos bancos em 2008 é, aí sim, sintoma da maneira como o capitalismo está se expandindo desde os anos 1970. Ele tomou uma forma de valorização do capital muito de natureza financeira”. Para ele, trata-se de “um capitalismo de bolha financeira e isso é muito fragilizante”. 

Ele acrescenta pontuando que “o sistema capitalista é especulativo por natureza, as pessoas vão botando o dinheiro ali pela ganância e começa a gerar essas bolhas, essas valorizações. As criptomoedas, na verdade, são uma bolha. Não têm nada por baixo”.  

O professor argumenta que “na hora em que você começa a ter esses terremotos, o sistema por dentro começa também a reduzir a quantidade de dinheiro, independentemente da pressão dos bancos centrais. Isso se acelera muito rápido e se torna disfuncional até para os bancos centrais. Aí eles voltam atrás. Metade do que o banco central americano destruiu de dinheiro pelo aumento da taxa de juros, ele teve que botar em dois, três dias”. 

Casos como os dos dois bancos estadunidenses remetem ao afrouxamento de regras pós-2008 para as instituições de menor porte. “Os bancos médios e pequenos dos Estados Unidos têm um lobby muito pesado e organizado no Congresso. E eles trabalharam para que a legislação de regulação, que foi mais apertada no mundo inteiro, fosse frouxa para eles. O que a gente está vendo é que isso gerou um problema de fragilidade localizado nos bancos médios. E aí todo mundo está dizendo agora que o governo, o banco central, os reguladores vão ter que voltar atrás e vão ter que ser mais criteriosos e rigorosos com os bancos médios americanos”. 

Para ele, é cedo para dizer se todo esse cenário levará a complicações sistêmicas, “mas provavelmente não, porque os grandes bancos, que em 2008 foram os que quebraram — e se os grandes bancos quebram, o sistema capitalista entra em entropia e começa a encolher —, tudo indica que eles estão muito protegidos pelas reformas financeiras regulatórias que foram feitas depois de 2008”.