Em réplica na Folha de S. Paulo desta quarta-feira (1), o prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes (MDB) foi confrontado sobre seu artigo em que busca justificar a apreensão de barracas de pessoas que moram na rua, alegando que elas tem alternativa mais adequada em abrigos e programas do governo. 

Dois especialistas na realidade das ruas, o padre Julio Lancellotti, vigário episcopal para a população de rua da Arquidiocese de São Paulo, e o sociólogo Paulo Escobar, coordenador do Observatório de Aporofobia Dom Pedro Casaldáliga, defendem que o único objetivo em recolher as barracas e deixar as pessoas ao relento, é apenas recolher as barracas, e nada mais. 

No artigo em que se defendia das críticas, o prefeito expressa ressentimento contra as pessoas que preferem a rua às vagas criadas pela Prefeitura, como se elas fossem suficientes ou adequadas. Em entrevista, chegou a dizer: “A partir do momento em que ofereço condições da pessoa ir para um abrigo, ou hotel, ou receber o auxílio-aluguel, porque vai ficar na rua? Não podemos permitir que as pessoas montem barracas para fazer mendicância na rua”.

Ele ignora o fato de muitas pessoas terem dificuldades de alcoolismo, drogadição ou problemas de saúde mental, e são barrados pelo regramento desses programas. Muitos desses espaços, além da precariedade e insalubridade, funcionam em regime de prisões.

“Em uma metrópole que não dispõe de uma política habitacional que seja acessível aos mais pobres, qual é então a casa disponível para aqueles que perdem suas barracas?”, questiona o artigo de Lancellotti e Escobar.

Insuficiências e omissões

O prefeito faz um relatório com números e programas de sua gestão para esta população, que são contestados pelos autores. Os números do prefeito apontam para 20 mil vagas em albergues. Mas, segundo a Comissão Extraordinária de Direitos Humanos da Câmara Municipal, em agosto de 2022 eram 17.107 leitos na capital e no fim de setembro de 2022, os albergues emergenciais de inverno fecharam.

Em contraponto, o último censo da prefeitura, de janeiro de 2022, apontava que eram 31.884 pessoas morando nas ruas. Lancellotti e Escobar, no entanto, ainda questionam a metodologia do levantamento, ao mencionar que a UFMG contou em janeiro deste ano que, de acordo com o CadÚnico, são 48 mil nessa situação.

Desta forma, o prefeito é questionado sobre o destino destas milhares de pessoas que não cabem nas vagas. Os albergues também são acusados de serem tutelados por ONGs e seus interesses, além de serem precários e insalubres, como já foi mostrado em reportagens na imprensa.

O prefeito apresenta no artigo uma “rede de atenção”, que é criticada como sendo de caráter tutelar em vez de autonomista, sem variedade lógica e uniformizantes, em vez de considerar a pluralidade humana das ruas. Embora a lista de programas seja extensa, parece não estar adequada a dimensão do problema, senão não haveria tanta gente na rua. O texto do prefeito parece apontar para um ressentimento e até deboche pela recusa de parte da população de rua se adequar aos critérios de seus programas, enquanto os críticos atacam-no por arrancar as barracas da calçada.

Nunes cita 20 mil vagas de acolhimento com capacidade para atendimento de quase 32 mil pessoas. O auxílio-aluguel, que procura envolver quem possa “abrir suas portas” a essas pessoas. O programa Recâmbio, que auxilia na compra de passagens rodoviárias para quem queira ir embora da cidade. A Vila Reencontro, um conjunto de moradias transitórias e tuteladas, em vez de permanentes e autônomas, repetem o modelo dos albergues. Outras 3.500 vagas em hotéis voltados para acolhimento de idosos e famílias. Seis prédios da antiga Fundação Casa que foram readequados para 600 vagas de acolhimento. Também menciona os Centros de Acolhida Especiais (CAE) destinados a mulheres em situação de violência, transexuais, imigrantes, entre outros.

Aporofobia

O prefeito também é criticado por colocar a população contra estas pessoas pobres ao sugerir que elas estão na rua porque querem, e as culpa pela própria pobreza. Uma concepção perigosa por estimular violência contra essas pessoas. Também coloca a questão das barracas como o problema central do trânsito na cidade, enquanto faz vista grossa para outras práticas de privatização das calçadas e ruas.

Apesar do prefeito dizer que “não podemos ser míopes nem tapar o sol com a peneira para os problemas”, Lancellotti e Escobar dizem que não conhecer a realidade, torna-nos míopes. Presentes nas ruas, há anos, os dois observam a política repressiva permanente na atual gestão, em vez da “grande equipe” que ele diz ter circulando pelas ruas para atender essas pessoas.

Para os autores, “o número não fecha”. “O que sobra para os que ficam do lado de fora? Não é o respeito que o prefeito aponta; os que ficam de fora sofrem repressão e violência. A pobreza como caso de polícia —isso não é trabalhar de forma humanizada nem respeitosa”, concluem.

(Por Cezar Xavier)