O posicionamento racista do presidente da X-9 Paulistana, Reginaldo de Souza, conhecido como Mestre Adamastor, no Sambódromo do Anhembi, no dia 19, ligou um enorme sinal de alerta para o carnaval. Revelou como o poder hegemônico branco vem se apropriando de manifestações culturais de resistência negra, ao passo que esconde o protagonismo dessas populações oprimidas no próprio carnaval. Um fenômeno bem conhecido na história brasileira.

Mestre Adamastor causou escândalo ao pedir para que os membros da escola erguessem os punhos fechados, em analogia ao gesto do “poder para o povo preto”, usado por diversos grupos que lutam contra o racismo no mundo. Em seguida, disse que o gesto não tinham nenhum significado.

Provocado por este incidente, o Observatório de Combate ao Racismo no Carnaval de São Paulo entregou nesta terça (28) uma carta ao presidente da Liga das Escolas de Samba, Sidnei Carriuolo, cobrando penalização por atos racistas no carnaval. O grupo, formado por sambistas e pesquisadores, pede ainda que seja revista a organização da festa na capital paulista, para resgatar a história e presença negra.

“Banalizando um gesto de alta simbologia e unidade para o movimento antirracista, marco da luta e resistência do povo preto na diáspora e contra toda e qualquer injustiça social”, destacou o documento ao mencionar o episódio escandaloso.

O grupo enxerga a atitude do dirigente dentro de um contexto amplo de racismo estrutural na organização do carnaval, que tirou o protagonismo das pessoas negras.

“Ficou evidente que os detentores do poder e da gestão do carnaval estão contribuindo para o apagamento da verdadeira história e da função social das escolas de samba como rede de sociabilidades, territórios onde negros e negras resistiram, enfrentando toda sorte de violências e perseguições para manter suas heranças negro-africanas e constituir organizações que por muito tempo foram criminalizadas e condenadas pela elite branca e racista”, diz o documento.

Camarotização

No documento, o observatório fez uma série de propostas que começam com o reconhecimento do grupo como um órgão independente e consultivo da organização do carnaval para fazer formações e propor ações afirmativas. Também está proposto que a liga faça um programa de educação e comunicação para as comunidades das escolas de samba sobre o patrimônio cultural e histórico negro.

O observatório quer ainda a revisão do que chama de “camarotização” do carnaval, com grandes empresas promovendo eventos de alto custo durante a passagem das escolas de samba, tirando o protagonismo das agremiações. Para o grupo, essa situação desrespeita o investimento público nas arquibancadas e os sambistas.

A regulamentação da atividade de empurrador de carro alegórico é outra das reivindicações do grupo. “Cuja função tem sido exercida por uma maioria de pessoas em situação de rua e destacada atuação de homens e mulheres pretas, que vivenciam humilhações na prestação de um serviço cada vez mais precário.”

Questão nacional

A iniciativa paulistana pode vir a inspirar questionamentos em outras localidades, já que este branqueamento e elitização do Carnaval não é exclusivo da cidade de São Paulo. No Carnaval de Salvador, por exemplo, chama a atenção que os lugares “nobres” nos trios elétricos são quase 100% brancos, enquanto os cordeiros (pessoas responsáveis por segurar a corda nos blocos para separar quem pagou) são negros e negras. Os pagantes vestidos de abadá são quase 100% brancos, numa cidade em que mais de 80% da população é negra.

No Rio de Janeiro, personalidades negras criticaram a total dominância branca dos jurados da Sapucaí. Outro episódio que escandalizou o carnaval carioca foi a remuneração milionária (R$ 10,3 milhões) da modelo Gisele Bündchen para estar no camarote patrocinado. Sozinha, ela ganhou mais que o investimento da Prefeitura para os desfiles. A Prefeitura deu um “incentivo recorde” para as escolas de samba do Grupo Especial, de R$ 2,150 milhões, “o maior da série histórica”.

Observatório encontra presidente da Liga. Divulgação

O presidente Sidnei Carriuolo ratificou a posição da Liga em repudiar a fala do presidente da Escola de Samba X-9 Paulistana e prometeu discutir as reivindicações em uma reunião. Autoridades adiantam que as mudanças no regulamento e uma campanha de conscientização seriam pontos já aprovados. Uma nova reunião com o Observatório será marcada para alinhamento da campanha e formalização da decisão em relação ao Mestre Adamastor.

O encontro entre o Observatório e a Liga ocorreu na sede da entidade, a Fábrica do Samba, localizada na zona oeste de São Paulo. Estavam presente as jornalistas Adriana Terra e Claudia Alexandre; o historiador Bruno Baronetti; o radialista Moisés da Rocha, o sociólogo Tadeu Kaçula e o cantor Thobias da Vai-Vai. Participaram ainda os representantes da Comissão da Igualdade Racial da OAB-SP, Faculdade Zumbi dos Palmares, Associação Nacional da Advocacia Negra do Brasil, Conselho de Participação da Comunidade Negra do Estado de São Paulo, Comissão dos Jornalistas pela Igualdade Racial do Sindicato dos Jornalistas do Estado de São Paulo, UNAFRO-Universidade Afro-Brasileira, Coletivo Acadêmicas do Samba e Procon Racial de São Paulo. 

(por Cezar Xavier)