First Republic Bank da Califórnia na corda bamba | Foto: AFP

Apesar de, em depoimento ao Congresso dos EUA, a secretária do Tesouro, Janet Yellen, ter asseverado na quinta-feira (16) que o sistema financeiro dos EUA está “sólido”, a turbulência pós-colapsos do Silicon Valley Bank e do Signature Bank, respectivamente a segunda e a terceira maiores falências de banco da história do país, continua reverberando e até cruzou o oceano.

O Banco Nacional da Suíça (BC suíço) anunciou às pressas uma injeção de US$ 54 bi no segundo maior banco da Suiça, o Credit Suisse, abalroado pelos péssimos resultados no trimestre passado e pela recusa, do principal acionista, o Banco Nacional Saudita, de colocar mais dinheiro no buraco sem fundo.

Enquanto isso, nos EUA, onze dos maiores bancos do país anunciaram um pacote de resgate de US$ 30 bilhões para o First Republic Bank nesta quinta-feira, em um esforço – segundo a Associated Press – para evitar que o banco com sede na Califórnia se torne o quarto banco “a falir em uma semana”.

Com depósitos totalizando US$ 176,4 bilhões em 31 de dezembro, o banco estava enfrentando uma crise semelhante à que quebrou o SVB. As ações do First Republic caíram mais de 60% na segunda-feira, mesmo após o banco asseverar ter garantido financiamento adicional do JPMorgan e do Fed. Na quinta-feira, as ações do banco chegaram a cair até 36% mas, após relatos sobre o pacote de resgate, fecharam em quase 9%.

JPMorgan Chase, Bank of America, Citigroup e Wells Fargo concordaram em colocar, cada um, US$ 5 bilhões em depósitos não segurados no First Republic. Enquanto isso, o Morgan Stanley e o Goldman Sachs depositariam US$ 2,5 bilhões cada um no banco. Os US$ 5 bilhões restantes consistiriam em contribuições de US$ 1 bilhão do BNY Mellon, State Street, PNC Bank, Trust e US Bank, cada um.
O saque de depósitos dos pequenos bancos para os “grandes demais para falir” tem se mantido nos últimos dias.

CRISE CHEGA AOS TÍTULOS DO GOVERNO

Ao registrar o enorme susto da véspera, com o Credit Suisse, o WSJ resumiu o quadro, afirmando que “os mercados dos ativos mais seguros e líquidos do mundo, os títulos do governo emitidos pelos Estados Unidos e outros países ricos, ficaram sob imensa pressão na quarta-feira, após uma semana de preocupações sobre a saúde dos bancos globais.”
Como assinalou Nick Beams, do portal wsws, “os movimentos dos especuladores financeiros e corretores são apenas a expressão imediata de processos mais profundos – o medo de que a economia dos EUA esteja entrando em recessão e o colapso do SVB seja apenas o começo de um colapso no sistema financeiro”.

“Como disse um gerente de investimentos: ‘As pessoas não querem ser pegas com o próximo Banco do Vale do Silício ou o próximo Credit Suisse’”.
A crescente incerteza – ele observou – “levou a um aperto de liquidez no mercado do Tesouro dos EUA, a base do sistema financeiro global”.

“RISCO SISTÊMICO”

A decisão das autoridades financeiras dos EUA e do governo Biden de socorrer ricos depositantes sem seguro no SVB e no falido Signature Bank, citando “risco sistêmico”, e a decisão do Fed de fornecer maior liquidez estancou uma crise, pelo menos temporariamente, apenas para outra estourar logo adiante.

Por outro lado, as medidas de resgate da semana passada “lançaram a política monetária do Fed no caos”. A expectativa do mercado é que, “ao invés de continuar elevando as taxas, ela faça uma pausa ou até indique uma redução no futuro”.
Já na outra margem do Atlântico, a presidente do BCE, Christine Lagarde, preferiu não piscar primeiro e manteve a alta de 0,5 ponto percentual no juro básico.

A volatilidade na quarta-feira nos EUA foi tamanha que a negociação de vários contratos de juros no mercado futuro foi temporariamente interrompida. “O rendimento das notas do Tesouro de dois anos, as mais sensíveis às expectativas de juros, caiu de 5 por cento na semana passada para menos de 4 por cento”. Um movimento desse tamanho “não era visto desde a época do crash da bolsa de outubro de 1987”.

Uma das razões para o movimento violento é que os especuladores que venderam títulos a descoberto na expectativa de que seus preços caíssem com o aumento das taxas de juros (os dois se movem em direções opostas) agora tiveram que cobrir suas posições quando os preços dos títulos começaram a subir à medida que as taxas de juros caíam.

Um índice, citado pelo WSJ, mostrou que a volatilidade do mercado de títulos”‘atingiu seu nível mais alto em três anos, maior do que o registrado durante a crise financeira de março de 2020 no início da pandemia”, quando o mercado congelou e só voltou a vida por uma injeção de US$ 4 trilhões de dinheiro pelo Fed.

Já quanto ao Credit Suisse, com as perdas em anos recentes com o fundo Archegos e a financeira Greensil, tornou-se uma espécie de “elo muito fraco no sistema bancário europeu”, e, assim, acabou sendo um dos primeiros a ser atingido pela turbulência pós-SVB.

DESTRUIÇÃO DA DEMANDA

A interconexão entre os mercados financeiros e a economia em geral foi destacada em um tweet do ex-presidente do Fed de Boston, Eric Rosengren: “Crises financeiras criam destruição de demanda. Os bancos reduzem a disponibilidade de crédito. Os consumidores adiam grandes compras. As empresas adiam os gastos”, escreveu ele, pedindo que o Fed faça uma pausa nos aumentos das taxas de juros “até que o grau de destruição da demanda possa ser avaliado”.
Significativamente – destacou Beams -, de acordo com o Financial Times, o Banco Central Europeu considerou emitir uma declaração para tentar acalmar os mercados, mas decidiu contra, temendo que isso apenas aumentasse o pânico.

É também o porta-voz oficioso da City londrina que, citando um analista financeiro, previu que o BC suíço iria lançar uma tábua de salvação por estar ciente “de que a falência do Credit Suisse ou mesmo de qualquer as perdas dos detentores de depósitos destruiriam a reputação da Suíça como centro financeiro”.
O preço das ações do Credit Suisse fechou na quarta-feira em queda de 24%, “elevando a queda total para 39% este ano e 85% nos últimos dois anos”. O Credit detém ativos de US$ 580 bilhões, o dobro do SVB falido. É classificada como uma “instituição financeira sistemicamente importante” e tem operações substanciais nos EUA.

AMEAÇA DE RECESSÃO

Ao portal Axios, o economista-chefe do Deutsche Bank nos EUA, Matthew Luzzetti, disse que “mesmo antes desse choque, as condições de empréstimos bancários começaram a se restringir a níveis que normalmente precedem as recessões”. Em uma carta aos investidores, o presidente-executivo do megafundo BlackRock, Larry Fink, previu uma “crise lenta” no sistema financeiro dos EUA após a falência do SVB e que havia “mais apreensões e paralisações chegando”.

Fonte: Papiro