Desfaçatez de Macron gera revolta em Paris | Foto: BBC

Sem votos na Assembleia Nacional para aprovar o aumento em dois anos a idade mínima para aposentadoria, de 62 para 64 anos, e com o repúdio pela imensa maioria dos franceses, o presidente Emmanuel Macron decidiu impor o achaque com uma canetada, sem votação, apelando para o artigo 49.3 da Constituição, que permite ao presidente sancionar só com apoio do Senado e que para barrar o projeto só com um voto de desconfiança no governo em 24 horas.

A moção de desconfiança, se aprovada, rejeitaria a implementação da lei e forçaria a dissolução do Congresso e a convocação de eleições antecipadas. Centrais sindicais, entidades populares e da juventude e a oposição consideram a reforma “brutal e desumana”. A oposição também tem exigido a realização de um referendo sobre a reforma da previdência.

SOB VAIAS

A medida, comunicada à Assembleia pela primeira-ministra, Elizabeth Bourne, sob vaias e com deputados de oposição cantando A Marselhesa, o hino francês, provocou confrontos entre manifestantes e a tropa de choque no país inteiro, enquanto a Intersindical – que congrega todas as centrais sindicais francesas – convocava para a próxima quinta-feira (23) nova jornada de greves e manifestações contra o achaque aos trabalhadores franceses.

“Com o apoio da grande maioria da população, mobilizada há semanas, a Intersindical continua a exigir a retirada desta reforma em total independência em ações calmas e determinadas. Decide continuar a mobilização e convoca reuniões sindicais locais e um novo grande dia de greves e manifestações na próxima quinta-feira, 23 de março”, conclui o comunicado que denuncia, ainda, “a responsabilidade que o Executivo tem na crise social e política”, decorrente da utilização do 49.3, “verdadeira negação da democracia”.

Manifestantes acorreram à praça de La Concorde, nas imediações da Assembleia Nacional, com bandeiras das centrais e faixas de “64 anos é não”, para contestar o esbulho e anunciar que não passará: “ça va péter” – a coisa vai explodir, numa tradução livre. Protestos que se repetiram em Tolouse, Marselha, Lyon, Rennes, Lille e outras cidades.

MILHÕES NAS RUAS

A França tem vivido os maiores protestos em três décadas, e no dia 7 mais de 3,5 milhões foram às ruas.

A seus ministros, Macron alegou que os “riscos econômicos” de manter a previdência inalterada seriam “grandes demais” para não apelar para a canetada, apesar de as centrais terem apresentado um conjunto coerente de alternativas.

Em entrevista à TF1, a primeira-ministra confessou que “até ao último minuto fizemos tudo para reunir a maioria” sobre a reforma, mas “a conta não estava lá”. Contra a reforma votou a esquerda – entre comunistas, ecologistas, socialistas e insubmissos -, a bancada de Marine Le Pen, os soberanistas e uma parte expressiva dos republicanos.

Pesquisas de opinião anteriores à votação que Macron prometera fazer na Assembleia Nacional davam que mais de dois terços dos franceses eram favoráveis à continuação dos protestos caso esta aprovasse a reforma, até sua revogação. Agora que sequer houve votação, o repúdio tende a crescer, bem como o evidente isolamento de Macron.

Para o ex-candidato a presidente da França pelo partido França Insubmissa, deputado Jean-Luc Mélenchon, “começa a ser história”. “Macron queria fazer de conta que tinha maioria, mas perdeu. Não tenho certeza se há um piloto no avião, ele cometeu muitos erros.» Ele conclamou o movimento contra a reforma a continuar “o mais amplo possível” e chamou a decisão de invocar o artigo 49.3 de “fracasso espetacular”.

Fonte: Papiro