Inadmissível que modelo das redes incentive ódio e extremismo, diz Orlando
O Brasil vive um momento crucial no debate sobre como combater as fake news e o discurso de ódio e golpista na internet. Legislativo, Executivo e Judiciário, assim como entidades e especialistas da sociedade civil, discutem como regular as redes e construir um ambiente menos violento no mundo virtual — que vem transbordando para a vida real — mantendo, ao mesmo tempo, o direito à liberdade de expressão.
O deputado federal Orlando Silva (PCdoB-SP), relator do Projeto de Lei 2630/2020, das fake news, explicou que “não é admissível que o modelo de negócios das plataformas incentive a propagação de ódio, extremismo, ataques à democracia e suas instituições. É uma exigência dos tempos atuais”.
Após os violentos ataques de bolsonaristas às sedes dos Três Poderes no dia 8 de janeiro, o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, por meio do Ministério da Justiça e Segurança Pública, chegou a elaborar, no âmbito do pacote anti-golpe, os termos de uma medida provisória estabelecendo a remoção de conteúdos que violem a Lei do Estado Democrático e multa em caso de descumprimento por parte das empresas. Mas, a falta justamente de um debate mais amplo e aprofundado sobre o tema levou ao recuo da iniciativa original e passou a ser considerada pelo governo a inclusão de medidas como essas do PL 2630, que tramita no Congresso, visando a regulação das redes.
Para Orlando, “o combate às fakenews e ao discurso de ódio é um tema contemporâneo que afeta as democracias em todo o mundo. Creio que há um amadurecimento crescente sobre o assunto, tendo por base os debates que temos feito no PL 2630/2020”.
O deputado aposta na convergência entre os três poderes e demais atores sociais para enfrentar a questão. Na atual conjuntura, diz, “o governo Lula tem esse tema como uma de suas prioridades, inclusive porque ele foi alvo de uma tentativa de golpe, no fatídico 8 de janeiro, muito lastreada na mobilização através de desinformação sobre o processo eleitoral”.
Além disso, acrescentou, “os presidentes da Câmara e do Senado, em seus discursos de posse, trataram da necessidade de votar essa matéria como uma questão de defesa da democracia. O judiciário também tem debatido e formulado sobre isso”.
O parlamentar defende que “a regulamentação tenha por base a autorregulação das plataformas, o que já existe, mas também mecanismos de responsabilização quanto à inação diante de conteúdos criminosos”.
Marco Civil da Internet
Uma das iniciativas ocorridas no âmbito do Supremo Tribunal Federal (STF), que o deputado Orlando Silva considera como histórica, é a audiência pública que se debruçou sobre o tema nesta terça (28) e quarta-feira (29), com a presença de representantes de diversos segmentos.
Na pauta da Corte está o Marco Civil da Internet, mais especificamente a constitucionalidade do artigo 19, que isenta as plataformas de responsabilidade por danos gerados pelo conteúdo de terceiros, assunto que motivou a realização da audiência. O julgamento das ações referentes a este artigo ainda não tem data marcada para ocorrer no Supremo.
Se por um lado o artigo 19 do MCI busca evitar arbitrariedades e censura sobre o que pode ou não ser veiculado, por outro lado tem sido usado pelas empresas do ramo, as “big techs”, para não moderar conteúdos muitas vezes prejudiciais e ilegais — vale lembrar que na lógica dos algoritmos, o ódio e a violência são motores de engajamento, portanto, são centrais para esse tipo de negócio.
Um dos ministros mais críticos quanto à atuação das big techs, Alexandre de Moraes declarou, no primeiro dia da audiência, que “o modelo é falido não só no Brasil. É falido no mundo todo. Não é possível que continuemos achando que as redes sociais são terra de ninguém. Não é possível que, por serem instrumentos ou por serem depositários de informações, as redes não tenham nenhuma responsabilidade”. O formato atual, disse, “se mostrou ineficiente e mostrou que pode ser instrumentalizado contra a democracia, contra o Estado de Direito”.
Durante o evento, o ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino, defendeu que “a liberdade de expressão não está em risco quando se regula. Ao contrário: defender a liberdade de expressão é regulá-la, porque diz respeito ao desenho e ao conteúdo do Direito, é fixar fronteiras entre uso e abuso. Liberdade de expressão sem responsabilidade não é liberdade de expressão, é crime”.
O ministro salientou ainda que “o algoritmo é humano e por isso mesmo é preciso tratar da regulação, que é algo humanamente programado e reprogramável”.
Em artigo publicado pela revista CartaCapital, Viviane Tavares, da coordenação do Intervozes, destacou que “como toda empresa, as plataformas digitais também possuem sua forma de atuação no mercado, seus termos de uso e suas políticas de privacidade. Nelas, curiosamente, afirmam que enfrentam o discurso de ódio, o conteúdo anticientífico e a desinformação. Elas dizem que fazem isso de maneira espontânea, mas o que vemos é que impera a falta de transparência e arbitrariedades chocantes que permitem que conteúdos inequivocamente ilegais sejam mantidos em circulação”.