Economistas pela Democracia questionam autonomia e política de juros do BC
A Associação Brasileira de Economistas pela Democracia (Abed) emitiu nota técnica na qual coloca em xeque a autonomia do Banco Central e a atual política de juros que faz com que o Brasil tenha a mais alta taxa do mundo, ao mesmo tempo em que vê sua economia patinando. A política aplicada pela atual direção do BC, sob a presidência de Roberto Campos Neto, tem sido alvo de críticas recorrentes do presidente Lula, do governo e de especialistas na área.
Intitulada “Banco Central – o quarto poder da República?”, publicada na terça-feira (7), lembra que a autonomia do BC, concedida pela Lei Complementar 179/2021, retira do Chefe do Poder Executivo, nos dois primeiros anos de seu mandato, a possibilidade de indicar a presidência do banco e da metade de sua diretoria, “ficando limitado no poder de reorientar as políticas monetárias, entre elas a de definição das taxas de juros, do preço do câmbio, de combate ao processo inflacionário, estimular a retomada do desenvolvimento econômico e da busca do pleno emprego”.
Por isso, diz a nota, esta autonomia concedida ao BC “significou a captura de uma das duas principais políticas econômicas do Estado Nacional pelos detentores dos interesses do setor financeiro”.
Nesse sentido, o documento salienta que “a condução da política monetária para o combate ao processo inflacionário não tem se mostrado eficiente; ao contrário, tem impedido que o País voltasse a crescer e se desenvolver eliminando a pobreza que tanto assola a população brasileira. A manutenção de taxas reais de juros extremamente elevadas pelo BC diminuem a capacidade de endividamento das famílias, aumenta suas taxas de inadimplência, mantém a economia estagnada, desestimulando o investimento nos setores produtivos. Esta política premia basicamente os rentistas”.
Aponta ainda que essa política monetária “parte do pressuposto de que a inflação brasileira tem como causa o excesso de demanda, o que não é verdadeiro. Diante de eventos significativos que provocaram mudanças das condições da economia global nos últimos anos, que alteraram os determinantes para as causas dos processos inflacionários no Brasil, eles mudam para o lado da oferta, invalidando aquela hipótese, o que torna a política monetária adotada ineficaz”.
A Abed completa lembrando que “a pandemia iniciada no final de 2019 desorganizou as cadeias globais de suprimento, gerando um aumento generalizado dos processos inflacionários em todas as economias nacionais. Isso agravou-se com a eclosão da Guerra entre Rússia e Ucrânia há um ano, que provocou a elevação do preço do petróleo e dos alimentos, ampliando o impacto sobre os processos inflacionários por perspectivas de escassez de oferta e não por excesso de demanda”.
A nota conclui dizendo: “É necessário que sejam criadas condições políticas para que o atual governo, eleito democraticamente possa reorientar não só a atual política monetária, como levar adiante alterações na política fiscal, para que a economia do País retome os investimentos em setores que tenham efeitos multiplicadores de renda, que gerem empregos para que a nossa Nação possa se desenvolver econômica, e socialmente mais justa”.
Leia abaixo a íntegra da nota:
Banco Central: O Quarto Poder da República?
A soberania plena de uma nação é exercida pelo monopólio do poder governamental de emitir moeda, de cobrar impostos e de exercer a força. Nas nações democráticas, o poder é exercido pelo Executivo, Legislativo e Judiciário dentro de suas atribuições definidas pela Constituição e devem atuar harmonicamente.
Dentro do marco legal da República Federativa do Brasil, cabe ao Chefe do Poder Executivo eleito implementar, prioritariamente, as propostas de seu Plano de Governo que estão respaldadas pelo processo eleitoral. A efetivação dessas políticas passa necessariamente pela aplicação de políticas econômicas de natureza fiscal e monetária.
A autonomia do Banco Central do Brasil – BCB, concedida Lei Complementar nº 179 de 2021, retira do Chefe do Poder Executivo, nos dois primeiros anos de seu mandato indicar a Presidência do BCB e da metade de sua Diretoria, ficando limitado no poder de reorientar as políticas monetárias, entre elas a de definição das taxas de juros, do preço do câmbio, de combate ao processo inflacionário, estimular a retomada do desenvolvimento econômico e da busca do pleno emprego.
Esta autonomia concedida ao BCB significou a captura de uma das duas principais políticas econômicas do Estado Nacional pelos detentores dos interesses do setor financeiro.
Apesar disso, a autonomia não configura independência. O BCB passa a ter um presidente indicado pelo Presidente da República eleito, após dois anos de iniciado seu mandato, e aprovado pelo Senado, tal como embaixadores e dirigentes de agências reguladoras, além de juízes do STF. Além disso, a cada ano são indicados dois diretores com mandatos de quatro anos (esse ano, o Presidente eleito indica os primeiros dois nomes), que também devem ser aprovados pelo Senado. Os mandatos, entretanto, são avocáveis, isto é, podem ser retirados, em caso de não cumprimento de metas. E quais são as metas? As definidas pelo Conselho Monetário Nacional (Ministro de Fazenda, Ministro do Planejamento e o próprio presidente do Banco Central). Hoje essas metas são a meta de inflação de 3,5% (ainda não alterada), a melhoria do nível de atividade econômica e o pleno emprego. Nenhuma delas cumprida, aliás, tanto que o presidente do Banco Central teve que enviar uma carta ao Ministro da Fazenda explicando o não cumprimento das metas. Com base nessas metas, o COPOM (Comitê de Política Monetária do Banco Central, composto do presidente do BCB e oito diretores) define a taxa SELIC, a taxa básica de juros, conforme o modelo de metas de inflação adotado desde 1998, na saída da âncora cambial do real, que fracassou. Essa não coincidência de mandatos entre o Chefe do Poder Executivo e da Diretória do BCB, tem um elevado potencial de conflito entre as políticas monetária e fiscal, uma vez que elas devem ser harmônicas entre si.
A condução da política monetária para o combate ao processo inflacionário, não tem se mostrado eficiente; ao contrário, tem impedido que o País voltasse a crescer e se desenvolver eliminando a pobreza que tanto assola a população brasileira. A manutenção de taxas reais de juros extremamente elevadas pelo BCB, diminuem a capacidade de endividamento das famílias, aumenta suas taxas de inadimplência, mantém a economia estagnada, desestimulando o investimento nos setores produtivos. Esta política premia basicamente os rentistas.
Ressalte-se que as grandes empresas possuem um maior poder de mercado para passar aos preços a elevação dos custos decorrente do aumento dos juros, o que não acontece com as empresas de pequeno e médio porte. Estas tendem a serem expulsas do mercado. No setor de comércio varejista, recentemente mesmo algumas empresas de grande porte que necessitam manter grandes estoques, vêm encontrando dificuldades em obter financiamento de capital de giro. Sem a perspectiva de crescimento do mercado consumidor, os empresários são desestimulados a investirem, e optam por aplicarem seus recursos em títulos públicos que possuem juro real elevado garantido pelo BCB, pago pelo Tesouro, e/ou em aplicação nas Bolsas de Valores.
Essa política monetária parte do pressuposto de que a inflação brasileira tem como causa o excesso de demanda, o que não é verdadeiro. Diante de eventos significativos que provocaram mudanças das condições da economia global nos últimos anos, que alteraram os determinantes para as causas dos processos inflacionários no Brasil. Eles mudam para o lado da oferta, invalidando aquela hipótese, o que torna a política monetária adotada ineficaz. A pandemia iniciada no final de 2019 desorganizou as cadeias globais de suprimento, gerando um aumento generalizado dos processos inflacionários em todas as economias nacionais. Isso agravou-se com a eclosão da Guerra entre Rússia e Ucrânia há um ano, que provocou a elevação do preço do petróleo e dos alimentos, ampliando o impacto sobre os processos inflacionários por perspectivas de escassez de oferta e não por excesso de demanda.
O BCB, desde que adquiriu sua autonomia em 2021, aumentou a taxa básica de juros em 650% elevando a Selic de 2% para os 13,75% ao ano, que permanece nesse patamar desde o mês de agosto do ano passado até hoje. Em decorrência, o Brasil ostenta a taxa de juro real mais elevada entre todos os países de 8,5%, enquanto a segunda mais alta situa-se em torno de 4%, como a aplicada pelo Mexico.
Em 2021, o volume de operações com emissão de títulos públicos foi de R$2.031 trilhões, sendo que R$1.670 trilhões destinados pagamento de juros e demais mecanismos financeiros mais R$ 307 bilhões parados no caixa do governo federal como garantia estatal do pagamento dos juros e apenas R$ 54 bilhões foram destinados para o gasto social.
A política monetária do BCB desde 2021, não foi capaz nestes dois anos de cumprir com seu objetivo fundamental de assegurar a estabilidade de preços. A manutenção das elevadas taxas reais de juro implica na continuidade de um baixo crescimento, quando não nulo ou negativo da economia.
A Emenda Constitucional 95 impõe a busca do equilíbrio fiscal, determina regras que fixam um teto de gastos para as despesas do Executivo com custeio e investimentos não incluindo nessas regras os dispêndios com juros do Tesouro Nacional. A política monetária que mantem altos juros reais da Dívida Pública, provoca grande impacto para a política do fiscal do país, reduzindo a capacidade de ampliar custeios na prestação de serviços fundamentais para a população. Ademais, inibem a promoção de investimentos estratégicos para o desenvolvimento que gerem emprego e renda, explicitando o atual conflito entre as políticas monetária e fiscal.
Há muito tempo a economia brasileira vem apresentando um crescimento quase nulo. A maior prioridade dada por essas políticas fiscal e financeira ao atendimento aos interesses mercado, tem imposto um processo recessivo à economia, a uma crise social com o aumento da precarização das relações de trabalho, um aumento da miséria, da pobreza na sociedade brasileira e em um elevado processo de concentração de renda, excluindo um imenso percentual da população brasileira de participação do mercado brasileiro.
Justificar a autonomia do BCB como ela sendo necessária para evitar a politização de sua atuação, não permite esquecer que suas decisões, quer seja na taxa de juros, na taxa de câmbio, no controle da estabilidade preços e no controle da oferta de moeda, tem impactos diferentes em cada setor econômico, em cada semento social, na política fiscal do Governo, na concentração da renda, no nível emprego, na desigualdade regional e no desenvolvimento social.
A Economia é uma Ciência Política. Essa decisão de dar autonomia ao BCB foi política e foi conquistada no meio político. Portanto a captura da política monetária pelos interesses meramente financeiros é filha da politização. Agora é hora mais uma vez de fazer valer a velha Economia Política, a identificação de interesses dos setores econômicos, quem ganham e perdem com as taxas de juros altas. Ganham evidentemente os rentistas, perdem os empresários que querem investir e são desestimulados pelas estratosféricas taxas de juros, perdem os trabalhadores sem os seus empregos e sem a renda advinda do crescimento econômico, perdem os endividados em geral, cada vez mais encalacrados, perde o país que não cresce e se desenvolve, perdem os mais pobres, que dependem das políticas sociais inviabilizadas por um orçamento que tem que dedicar cada vez maiores percentuais ao pagamento de juros e serviços da dívida pública. No fundo, é isso que a taxa de juros estratosférica representa, não é uma questão de “combate à inflação” x aumento do gasto público, é uma questão de ganhadores e perdedores muito concretos na sociedade.
Está na hora da sociedade brasileira e dos economistas democratas em especial, lutarem para que essas políticas se orientem para a defesa dos interesses gerais da sociedade e não de interesses específicos de determinado grupo social. É necessário que sejam criadas condições políticas para que o atual governo, eleito democraticamente possa reorientar não só a atual política monetária, como levar adiante alterações na política fiscal, para que a economia do País retome os investimentos em setores que tenham efeitos multiplicadores de renda, que gerem empregos para que a nossa Nação possa se desenvolver econômica, e socialmente mais justa.
(PL)