Vitórias de Pacheco e Lira isolam bolsonarismo
No país que precisou de uma amplíssima frente para derrotar Jair Bolsonaro (PL) nas eleições presidenciais, é natural que a reconstrução da democracia passe igualmente por uma união nacional. Antes mesmo de tomar posse para seu terceiro mandato no Palácio do Planalto, Luiz Inácio Lula da Silva (PT) apostou nessa estratégia e aprovou, no Congresso, a PEC do Bolsa Família.
Empossado em 1º de janeiro e atingido sete dias depois pelos atos golpistas em Brasília, Lula, uma vez mais, liderou um chamamento aos Três Poderes. Foi dele a iniciativa para transformar a reunião com os 27 governadores, no dia 9, num marco institucional em defesa do Estado Democrático de Direito. Além de representantes do Poder Executivo (federal, estadual e municipal), ali estavam os presidentes da Câmara e do Senado, ministros do STF (Supremo Tribunal Federal) e o procurador-geral da República, Augusto Aras.
O novo Congresso Nacional, que tomou posse nesta quarta-feira (1), tem natureza mais conservadora agora do que na legislatura que se encerrou. A construção da base do governo Lula ainda está em curso, ainda que o presidente já tenha definido todo seu ministério e enfatizado as prioridades da gestão. Sem uma correlação de forças suficientemente segura, não havia margem para o lançamento de candidaturas mais vinculadas a Lula, nem tampouco pleiteantes de esquerda.
Daí a acertada decisão do campo democrático e progressista, minoritário no Congresso, em apoiar a recondução de Rodrigo Pacheco (PSD-MG) e Arthur Lira (PP-AL) às presidências, respectivamente, do Senado e da Câmara dos Deputados. Não por acaso, Lula foi um dos primeiros a comemorar o resultado. “Telefonei agora para parabenizar Arthur Lira e Rodrigo Pacheco pela reeleição para as presidências da Câmara e do Senado”, postou o petista em suas redes. “Desejo uma boa gestão. Nosso país precisa de instituições fortes e democráticas.”
Há setores da grande mídia que correram em alardear que, com a vitória dos dois parlamentares, a situação do governo “é difícil e preocupante”. Mas quem sai efetivamente derrotado desse processo eleitoral é, acima de tudo, o bolsonarismo, que apostou as fichas em Rogério Marinho (PL-RN) na disputa ao comando do Senado.
A candidatura do ex-ministro de Bolsonaro ressuscitou o “gabinete do ódio” e chegou a tirar o ex-presidente do mutismo. A ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro foi pessoalmente ao Senado na tarde da eleição. As fake news pró-Marinho e anti-Pacheco não cessaram nem durante a votação – algumas faziam previsões otimistas, segundo as quais as “traições” garantiriam apoios surpreendentes.
No final, todo o jogo de cena foi em vão. A despeito da renovação do Senado – que passa a ter bolsonaristas como Marcos Pontes (PL-SP), Damares Alves (Republicanos-DF), Hamilton Mourão (Republicanos-RS) e Magno Malta (PL-ES) –, Marinho conseguiu apenas 32 votos de um total de 81.
Pacheco foi reeleito com 49 – uma votação que correspondeu às suas estimativas. Em seu primeiro discurso após a reeleição, o senador pediu a “pacificação”, criticou o movimento golpista que insiste em desestabilizar o País e mandou um recado para os apoiadores extremados de Bolsonaro.
“A polarização tóxica precisa ser erradicada de nosso país. Acontecimentos como os ocorridos aqui neste Congresso Nacional e na Praça dos Três Poderes em 8 de janeiro de 2023 não podem – e não vão – se repetir”, afirmou Pacheco. “Os brasileiros precisam reconhecer com absoluta sobriedade quando são derrotados e precisam respeitar a autoridade das instituições públicas.”
Na Câmara, o resultado foi ainda mais tranquilo. Apoiado por 20 dos 23 partidos com representação parlamentar, Lira conquistou 464 votos, um recorde na história da Casa. Seu pronunciamento seguiu a linha da fala de Pacheco e endossou o compromisso com a democracia.
“É hora de desinflamar o Brasil, distensionar as relações – e os poderes da República, pilares da nossa democracia, devem dar o exemplo. Neste Brasil, não há mais espaço para aqueles que atentam contra os poderes”, disse Lira. “Esta Casa não defenderá ou referendará nenhum ato, discurso ou manifestação que atente contra a democracia. Para aqueles que depredaram, vandalizaram e envergonharam o povo brasileiro, haverá, sim, o rigor da lei.”
Isolado, o bolsonarismo segue com seu líder máximo distante, no autoexílio de luxo em Orlando, nos Estados Unidos, enquanto Lula e o campo democrático avançam no rumo da estabilidade política. A frente ampla venceu mais uma.